Dentro das duas grandes e luminosas salas do Herdade 1980, com vista para as ruas Formosa e Sá da Bandeira, nem parece que nos encontramos no interior do Mercado do Bolhão. A steakhouse de José António Silva e da madeirense Isabel Pita Silva é um dos sete restaurantes que abriram nos últimos meses no terceiro piso do edifício histórico do Porto, reaberto em setembro de 2022 e que, no primeiro ano, recebeu cinco milhões e meio de visitantes.
Inspirada na cozinha portuguesa, a steakhouse tanto sugere petiscos (croquetes de cozido à portuguesa, alheira de Vinhais, pica-pau, bife à antiga) como carne portuguesa na brasa (posta mirandesa, secretos de porco preto, turnedó ou bife da vazia maturado), servida com um molho envelhecido um mês em barrica de casca de carvalho, acompanhada de batata a murro, migas de batata-doce, esparregado ou arroz de costela assada. “É uma viagem a Portugal à mesa entre amigos e família”, dizem os proprietários, que viram no terceiro piso do renovado mercado uma oportunidade de negócio.

A área de restauração do Bolhão é muito mais do que uma praça da alimentação. Além do Herdade 1980, nos últimos meses somaram-se outros seis restaurantes dotados de salas elegantes com janelas de alto a baixo viradas para a rua, e que funcionam do almoço ao jantar, após o fecho das bancas de frescos. Até ao verão, espera-se que abram mais três: de francesinhas, crus e petiscos. Os dez formarão um dos maiores pisos gastronómicos da Baixa do Porto, cujas esplanadas – com mesas e cadeiras portuguesas da Adico – têm vista para o miolo central do mercado centenário.
É o caso do Culto ao Bacalhau, no qual o chefe de cozinha Rui Martins apresenta uma carta assente no receituário da cozinha portuguesa do fiel amigo, com demolha própria e cura mínima de 24 meses. Um piscar de olho a quem queira saborear o bacalhau em caldeirada, açorda, escabeche, à Gomes de Sá e à Brás, ou mesmo à sobremesa, no mil-folhas de bacalhau com doce de ovos e gelado de baunilha.
Das tripas ao arroz de lavagante
Os novos restaurantes convivem com três históricos que transitaram do velhinho mercado: D. Gina, Nelson dos Leitões e O Pintainho 36, todos agora com salas interiores. No D. Gina, servem-se tripas à moda do Porto, iscas ou sardinha pequena, mas nesta casa de cozinha tradicional o que mais sai são os famosos arrozes malandrinhos de tomate, feijão ou grelos, servidos em tachos de barro como há 30 anos por Virgínia (Gina) do Céu, no tempo em que o café funcionava ao lado das escadas principais do Bolhão.
Desde que abriu, no último verão, a despensa de legumes, fruta, queijos e azeitonas do Casa Vegetariana é abastecida nas bancas do piso térreo. A sustentabilidade é uma das preocupações do restaurante do grupo que detém o Praia da Luz, na Foz. “Há muito que queríamos vir para a Baixa, e desde que percebi que o vegetarianismo tinha uma história no Porto [onde foi fundada a Sociedade Vegetariana em Portugal, em 1911], achei fazer sentido”, conta Maria Adão.
Com uma sala decorada pelo designer de interiores Paulo Lobo, onde se destacam os desenhos de legumes num armário de uma antiga mercearia, serve-se uma cozinha sem carne nem peixe, a maioria vegan, com consultadoria do chefe Luís Américo. Caldo verde à transmontana, linguini de massa fresca feito na casa (tal como as pizzas), moqueca de legumes com arroz basmati, costeleta de couve-flor com chimichurri ou tibornada de beringela na brasa saboreiam-se numa sala generosa onde não falta o jogo do rapa na mesa para entreter, antes ou depois da refeição.
Já no Peixe no Mercado – dois pisos, também decorados por Paulo Lobo –, os olhos pousam no aquário com marisco vivo e no pescado fresco alinhado na montra. “Somos o único restaurante na Baixa com grelha a carvão”, orgulha-se o empresário José Miguel Cruz, que abriu o negócio com João Vieira. “Adorávamos ir a Matosinhos comer peixe. Porque não trazer essa comida na grelha para aqui?”
Ao leme da cozinha está o jovem Rodrigo Cardoso, 23 anos, que “reinterpreta pratos da cozinha portuguesa de sempre” com um toque contemporâneo. Na carta, tanto se encontra peixe fresco (de Matosinhos, Algarve e Açores) como polvo à lagareiro, arroz de lavagante ou de salmonete, lula de anzol com alho negro e manteiga, sopa de santola ou, entre várias opções, uma invulgar e deliciosa combinação de rabanada com lavagante e malagueta fermentada. Cozinha de autor, dentro de um mercado tradicional.
De faca e garfo
A galeria de restauração do Mercado do Bolhão funciona de segunda a sábado, entre as 12h e as 24h, e tem duas entradas (nas ruas Formosa e Fernandes Tomás) acessíveis à noite depois do fecho do mercado de frescos. A partir de 17 de março, prevê-se que os sete restaurantes abram também ao domingo.
Casa Vegetariana > T. 93 590 6302 > seg-sáb 12h-23h
Culto ao Bacalhau > T. 91 072 9138 / 22 110 2810 > seg-sáb 12h-23h
D. Gina > T. 22 332 6628 > seg–ter 12h-15h, qua-sáb 12h-15h, 19h30-21h30
Herdade 1980 > T. 22 324 1980; 91 8861980 > seg-sáb 12h-16h, 19h-23h
Nelson dos Leitões > T. 91 948 7364 > ter, qua, sex, sáb 10h-22h
O Pintainho 36 > T. 22 317 2568 > seg, ter, sex, sáb 12h-15h, 19h-22h, qua-qui 12h-15h
Peixe no Mercado > T. 22 208 6819 > ter-sáb 12h-24h