Novembro tem tendência a ser um mês triste – é quando os dias encolhem, o tempo se faz invernoso e ainda não é Natal. Haja trufas-brancas à mesa para alegrar quem pode cheirá-las. Porque é uma alegria sentir o seu aroma quando as raspam, ao momento, para cima da comida, sempre muito fininhas, menos do que a espessura de uma folha de papel.
Façamos um momento de pausa, antes de começarmos a comer, para apreender este cheiro, tão característico e incomum. Só depois a experiência há de atingir o palato – e de que maneira!
Estamos no restaurante Varanda do Ritz, um tradicional destino para esta experiência trufada. Ainda Lisboa mal sabia lidar com esta iguaria italiana – das mais caras do mundo – e já aqui se raspavam lascas para os pratos dos clientes.
Hoje, provamos algumas das receitas simples, para realçar o sabor da trufa, disponíveis enquanto este fungo continuar a aparecer nos solos de Alba, Piemonte, normalmente até ao final do ano. Mas é agora que está no seu auge. Aproveitemos, então.
O amuse bouche, chamemos-lhe assim, embora ninguém o tenha feito, quase que nos pede que não lhe toquemos, de tão bonito que é. Leva topinambour, batata e salsifi, mas trabalhadas de forma artística, para parecerem folhas de árvore rendilhadas.
Logo a seguir, chega-nos a manteiga trufada, feita no hotel, para barrar alarvemente no pão caseiro no ponto ideal de cozedura. Mesmo quando acabam as raspas que a ornamentam no pratinho em que vem para a mesa, vale a pena continuar a comer manteiga com pão. Pelo menos até chegar a vieira, com aipo e cogumelos girolles, bem empratadas numa cerâmica branca linda.
“No ano passado, a trufa estava tão cara que achámos que não valia a pena fazer este menu”, esclarece Pascal Meynard, o eterno chefe francês que adotou o Ritz como casa, enquanto ouvimos a chuva a cair e a escurecer o Parque Eduardo VII, que se avista das enormes janelas da sala do restaurante.
Quando os empregados – e também o chefe – vêm à mesa ralar a trufa, trazem um utensílio especial, regulado para gerar fatias o mais finas possível, e calçam luvas brancas de algodão, imaculadas. De tão cara e tão exclusiva, a trufa-branca deve ser tratada com todo o carinho. Cada extra de 5 gramas, aqui, custa 90 euros.
Além das entradas, ainda comemos um excelente tagliolini, com mascarpone e parmigiano reggiano (€95) – as massas são dos ingredientes que melhor casam com as trufas-brancas – e um peixe-galo (€165). Mas a maior surpresa haveria de chegar ao fim, quando percebemos que a sobremesa, à base de chocolate Nyangbo e gelado de chá preto envelhecido, saída das mãos do talentoso Diogo Lopes, também leva trufa (€29).
Cumprir a tradição
Este outono, o chefe Tanka Sapkota também decidiu inventar uma sobremesa que aceitasse, sem reclamar, umas trufas por cima. E agora serve uma mousse de chocolate e creme de castanhas a que se acrescenta umas lascas da trufa-branca que todos os anos, desde 2007, faz questão de ter no seu Come Prima, em Lisboa. Atenção que é só até dia 11 de novembro, sempre na tentativa de democratizar esta experiência, embora o preço nunca possa ser baixo.

Tal como Pascal Meynard, que tem o mesmo fornecedor há 15 anos, Tanka tem apostado na fidelização. E por isso, todos os outonos, por esta altura, arranja uns belos exemplares vindos diretamente de Alba. O preço atual ronda os quatro mil euros, mais para cima do que para baixo. “Olhando para trás, acho que fizemos bem em apostar neste produto, mas na altura não sabia se ia dar certo. O nosso nome hoje é indissociável das trufas”, reconhece Tanka.
A sua admiração pelo produto é tanta que o levou, este ano, a passar cinco intensas semanas no terreno a fazer prospeção, na tentativa, inglória, diga-se já, de encontrar trufa em Portugal. A sua família também já faz parte desta quase obsessão. A mulher, Rita, segue-lhe os passos em redor da mesa para explicar que este novo ovo, com creme de batata, manteiga e ricotta (€39,95), deve ser comido sem se misturar os ingredientes. “Um pouquinho de creme, um pouquinho de gema e um pouquinho de trufa.”
A filha do chefe também o acompanha enquanto ele raspa, sempre generosamente, a trufa para o nosso prato, segurando parte do fungo numa taça transparente, quase parecendo um acólito que segue o padre no momento da comunhão. Amén, que todos estamos aqui para assistir a esta missa, enquanto nos deleitamos no pecado da gula com um clássico tajarin, uma espécie de cabelo de anjo, com trufa-branca (€49,95).
No Come Prima ainda se pode optar por um scaloppine al burro (€59,95) ou por uns ravioli di ricotta e fontina con burro (€49,95). Sempre com trufa-branca de Alba, claro, que foi isso que nos trouxe aqui. Para o ano – esperemos – há mais.
Onde se deliciar
Varanda
Depois de um ano à míngua, por causa dos preços elevadíssimos, Pascal Meynard volta aos pratos sazonais, com destaque para o risoto de cogumelos girolles e o tagliolini com parmigiano. Ritz Four Seasons, R. Rodrigo da Fonseca, 88 > T. 21 381 1400 > €79 a €165
Come Prima
Já são clássicos os festins que o chefe Tanka Sapkota faz à volta deste fungo. Impossível não lamber os dedos, depois do ovo a baixa temperatura ou o tajarin com lascas de trufa. R. do Olival, 258 > T. 21 390 2457 > €35 a €50 > até 11 nov
Eleven
Mantendo a tradição, o chefe Joachim Koerper (uma Estrela Michelin) desenvolveu um menu de cinco pratos com trufa-branca. R. Marquês da Fronteira, Jardim Amália Rodrigues > T. 21 386 2211 > €268
Fiammetta
Como noutros outonos, este restaurante em Campo de Ourique serve tagliolini fresco com manteiga de trufa. R. Almeida e Sousa, 20 A > T. 96 202 6826 > €48 > nov-jan