
Madalena Casal
Este texto podia ser apenas uma ode a esta iguaria italiana. Podia, porque ela, só por si, merece que lhe dediquemos um poema carregado de elogios. No entanto, deixemos a poesia arrumada com a gula e tornemo-nos mais profissionais, pois os nossos leitores merecem muito mais. E se são fãs desta espécie de mozzarella, como nós, estarão curiosos por saber mais. Ora é para isso que cá estamos.
Quem melhor do que a italiana Maria Paola Porru, 74 anos, para começar a dissertar sobre a burrata? Ela que abriu, em 1986, o Casanostra, o primeiro restaurante a oferecer cozinha italiana genuína, e que hoje é também proprietária do Pizza a Pezzi, além do Casanova, todos em Lisboa, e do Casa d’Oro, no Porto. Há 20 anos, quando abriu a sua primeira pizzaria, começou a mandar vir este queijo que existia em Itália há décadas. Em Portugal, ninguém ouvira falar dele e a sua adesão não foi imediata, como é natural quando não se conhece determinado alimento. Hoje quase todos estão rendidos – dos restaurantes aos supermercados, só não come burrata quem não quer (ou ainda não conhece). “É maravilhosa, por isso agora está na moda”, garante Paola, também ela uma apaixonada por este “laticínio”.
A maravilha vem dos restos da mozzarella – de búfala ou de vaca –, que se estendem numa massa filada e com a qual se faz o saco que envolve a nata e outros pedacinhos de mozzarella que estão no seu interior. Essa mistura, que se derrama magistralmente assim que lhe espetamos um talher, chama-se stracciatella. Aliás, há mesmo quem consuma só esse interior, muito utilizado nas pizzas e massas que levam este ingrediente. Os italianos são tão devotos à burrata que até podem comê-la à mão, “sem nada”, desde que seja mesmo fresca, adianta Paola Porru. Há vários produtos que vão bem com ela, como enchidos ou tomate, mas nenhuma combinação se compara a saboreá-la ao natural. E quanto maior, melhor (pode ter até um quilo).

Rosario Corsa, proprietário dos restaurantes Pátio Antico, em Paço de Arcos e em Lisboa
Madalena Casal
O queijo sexy
A burrata nasce em Andria, na região da Puglia (ou Apúlia, no “tacão da bota”), nos primeiros anos do século passado, pela mão do queijeiro Lorenzo Bianchini Chieppa, numa tentativa de inovação. Um dia, decidiu espalhar os restos da mozzarella de búfala que produzia (e que antes serviam apenas para alimentar os animais) e criar um saco com essa massa filada. Depois misturou pedaços de fiordilatte, juntou-lhe natas frescas e, por fim, fechou o invólucro com o caule de uma planta da sua terra (chama-se asfódelo, mas já lá iremos). Estavam encontradas a fórmula mágica e a textura perfeita para arregimentar fãs por esse mundo fora. Não saiu imediatamente daquela região, mas assim que chegou a Roma e a Milão ativou-se o rastilho.
“Os norte-americanos foram os primeiros estrangeiros a provarem esta iguaria, porque os emigrantes italianos fizeram questão de levá-la na mala, quando, nos anos 1920, se mudaram em massa para aquele país. Ainda hoje chamam-lhe sexy cheese”, conta-nos Rosario Corsa, 47 anos, no meio das obras do seu restaurante Pátio Antico, em Paço de Arcos. Mas isso não o impediu de nos dar a provar as quatro apropriações da burrata, que voltará a servir assim que abrir portas: no couvert, apenas com azeite e pimenta, e em vez da manteiga; como entrada, acompanhada de um enchido italiano e de azeitonas; numa salada ou, por fim, a encimar uma massa com pesto, pinhões e tomate-cereja. “Continuo a ter de fazer imensa pedagogia. A maioria das pessoas ainda diz: ‘esta mozzarella é ótima’”, explica o chefe que traz burrata para os seus clientes desde os primeiros anos deste século. Uma das variedades que haverá no renovado e ampliado Pátio Antico também leva trufa no seu interior. Tentámos traduzir por palavras a que sabe esta combinação magistral – pedimos imensas desculpas por não conseguirmos fazê-lo. Fica a palavra “viciante”, pois talvez seja a que melhor se aproxima da sensação deixada no palato, depois de a termos provado. Queríamos mais, mas tentámos sempre não ceder à sofreguidão.

No restaurante Pátio Antico, Rosario Corsa serve a burrata no couvert, apenas com azeite e pimenta, e em vez da manteiga; como entrada, acompanhada de um enchido italiano e de azeitonas; numa salada ou, por fim, a encimar uma massa com pesto, pinhões e tomate-cereja.
Madalena Casal
Para comer, “presto”
Há quase cem anos, Lorenzo Bianchini Chieppa percebeu que, se envolvesse o saco de mozzarella que acabara de inventar em folha de asfódelo, poderia cortar a acidez do leite. Hoje, este queijo fresco já não se ata com o caule de vizzo nem precisa da tal folha para embrulho, e faz-se, muitas vezes, com leite de vaca. No entanto, as melhores burratas continuam a ser produzidas artesanalmente e daí serem mais caras do que a mozzarella. São essas que os chefes italianos trazem para Portugal, através dos fornecedores.
No restaurante e mercearia Il Mercato, de Tanka Sapkota, a burrata vem diretamente de Itália, via avião
José Carlos Carvalho
No caso do chefe Tanka Sapkota, 45 anos, elas chegam de avião, duas vezes por semana, para que sejam consumidas bem frescas no Il Mercato, sendo que cada encomenda traz à volta de 50 quilos. A maior fatia cabe à stracciatella, pois é muito usada nos pratos que levam burrata. Diga-se aqui, que ninguém nos ouve, que é a melhor parte – os apreciadores atestam-no. Para que não restem dúvidas, e apesar das viagens bissemanais, na ementa do restaurante do Páteo Bagatela, em Lisboa, onde também há mercearia de produtos tradicionais italianos, avisa-se: “O Il Mercato garante que a mozzarella, burrata e stracciatella do dia vêm diretamente de Itália, via avião. Os produtos artesanais, para servir à máxima frescura, não estão sempre disponíveis.” Até agora, não consta que os produtos tenham falhado – pelo menos para completar o spaghetti al pomodoro, con stracciatella di Andria, que sai a uma velocidade estonteante. Não admira: a junção destes ingredientes transforma a receita numa verdadeira delícia.
Em 2013, este nepalês, que está em Portugal há mais de 20 anos (abriu o Come Prima, o seu primeiro restaurante, em 1999), meteu-se no avião, viajou até Puglia para encontrar a melhor burrata. Quando o conseguiu, ao fim de duas semanas, trouxe-a num voo matinal e, nessa mesma noite, serviu-a para conhecedores. No jantar especial, explicou que o nome do produto em destaque vinha de burro, que significa manteiga em italiano e que remete para a cremosidade deste queijo. Com esta iniciativa, Tanka Sapkota ajudou os portugueses a conhecerem melhor a burrata e a exigi-la mais vezes à mesa. Hoje, não há restaurante italiano (e não só) que não a ponha na ementa (em alguns casos, pedindo exorbitâncias por um prato com tomate-cereja e manjericão), e até os supermercados mais conhecidos já a disponibilizam nas suas prateleiras – será uma versão mais industrial, mas, como o preço é comportável (a partir de €1,79), cumpre bem o papel de saciar a vontade em casa.
Ludovica Rocchi Brandão, 35 anos, abriu o Fiammetta, em Campo de Ourique, há pouco mais de um ano, com a ideia de ser apenas uma mercearia com produtos italianos. O sucesso foi tão veloz que a obrigou a expandir o negócio para um restaurante simples, em que pudesse dar a conhecer o que ali vende. A burrata, que importa duas vezes por semana, está na ementa, servida com legumes grelhados (€12), mas também se pode comer numa tábua ou levar para casa. A normal, de 125 gramas e que muitos chamam “burratina”, custa 4,50 euros. A sua versão fumada fica a 5,10 euros. “Trata-se exatamente do mesmo queijo, só que passa umas horas no fumeiro, ficando, assim, menos húmido e ganhando um sabor mais forte”, explica, a partir de Roma, onde está, agora, a tratar do seu bebé recém-nascido. Estas burratas – o seu produto-estrela na mercearia –, por serem artesanais, têm uma validade de cerca de seis dias. “Encomendo 30 quilos por semana, e vai tudo”, garante. Por nós, e se não se importar, pode trazer mais umas quantas!
Receitas

Burrata com pesto de hortelã, por Joe Wicks, do livro Cozinha Fitness (Clube de Autor)
Ingredientes
Para 2 pessoas
• 1 ramo grande de manjericão, apenas as folhas
• 1 ramo grande de hortelã, apenas as folhas
• ½ ramo de cebolinho grosseiramente picado
• 17 g de pinhões
• 4 colheres de sopa de azeite
• 1 ½ colheres de sopa de vinagre de cereja
• 15 g de queijo parmesão ralado
• 2 bolas de queijo burrata
• Rúcula e 2 fatias de presunto de Parma (para servir)
Preparação
Para fazer o pesto, coloque o manjericão, a hortelã, o cebolinho, os pinhões, o azeite, o vinagre de cereja e o queijo parmesão num pequeno processador de alimentos e triture até ficar uma pasta sem grumos.
Pegue em dois pratos e coloque uma bola de burrata em cada um, depois espalhe algumas folhas de rúcula. Ponha uma fatia de presunto em cada um e finalize com o pesto.
Pode guardar o pesto de hortelã que sobrar e juntá-lo a uma salada de frango grelhado, ou misturá-lo na massa para uma refeição pós-treino rápida.

Gaspacho de morangos com burrata e poejos, por José Avillez, do livro Combinações Improváveis (Esfera dos Livros)
Ingredientes
Para 4 pessoas
Para o gaspacho de morangos
• 300 g de tomate-chucha
• 45 g de pepino, sem casca e sem sementes
• 20 g de pimento encarnado, sem sementes
• 30 g de cebola-roxa
• 15 g de miolo de pão alentejano, sem côdea
• 200 g de morangos, sem pedúnculo
• 13,5 ml de vinagre de vinho tinto ou Xerez
• 30 ml de sumo de tomate
• 20 ml de azeite
• 2 pedras grandes de gelo
• poejo q.b.
• sal marinho q.b.
• pimenta-preta q.b.
Para a finalização
• 1 burrata
• pão alentejano migado e frito q.b.
• poejo q.b.
• azeite q.b.
• sal marinho q.b.
• pimenta-preta q.b.
Preparação
Corte o tomate em pedaços e lamine o pepino, o pimento encarnado e a cebola-roxa. Numa taça grande, junte o tomate, o pepino, o pimento encarnado, a cebola-roxa, o pão, o vinagre, o sumo de tomate e os morangos. Tempere tudo com pimenta, sal e azeite. Acrescente algumas folhas de poejo, os cubos de gelo e envolva muito bem. Se pretender sabores mais intensos, poderá deixar a marinar, no máximo até 6 horas (no entanto, não deve juntar logo o gelo). Num copo misturador, triture muito bem todos os ingredientes. Parta a burrata em pequenos pedaços e tempere com sal, pimenta e azeite. Sirva o gaspacho com os pequenos pedaços de burrata e um pouco de pão alentejano frito. Finalize com um fio de azeite, sal, pimenta e algumas folhas de poejo. Sirva de imediato.
José Carlos Carvalho
Às compras
Nos principais supermercados do País, já se encontram burratas (a partir de €1,79), em alguns casos até com trufa. Mas é nas mercearias e queijarias que estas têm outro sabor, por serem mais artesanais
Affettato, Lisboa
Nesta charcutaria italiana, as burratinas custam €2,90 no take away, mas também é possível comê-las numa tábua. Av. 5 de Outubro, 51A, Lisboa > T. 308 812 229 > seg-qua 10h-21h, qui-sex 10h-22h, sáb 16h30-22h
Fiametta, Lisboa
No restaurante e mercearia da italiana Ludovica Rocchi, em Campo de Ourique, serve–se burrata com legumes grelhados (€12). Para levar para casa, há uma versão fumada (€5,10) e outra normal (€4,50). R. Almeida de Sousa, 20, Lisboa > T. 21 385 0679 > ter-qua 10h30-21h, qui-sáb 10h30-23h30, dom 10h30-18h
Il Mercato, Lisboa
Aqui, a burrata vende-se em caixas de duas unidades. A simples custa €10,90 e a com trufa €12,90. Páteo Bagatela > Rua da Artilharia 1, 51, Lisboa > T. 21 193 0941 > ter-dom 12h-15h, 19h-23h
Mercearia Criativa, Lisboa
Há que perguntar pela burrata caseira (€3,50), feita por italianos residentes em Portugal. Avenida Guerra Junqueiro, 4A, Lisboa > T. 21 848 5198 > qua-sáb 10h-20h, seg-ter 11h-20h
Pizzaria Zero Zero, Lisboa
Vendem apenas uma burrata de 100 gramas, por 6 euros. R. da Escola Politécnica, 32, Lisboa > T. 21 342 0091 > seg-qui, dom 12h-24h, sex-sáb 12h-1h > Al. dos Oceanos, Lote 2.11.01H, Lisboa > T. 21 895 7016 > seg-dom 12h-24h
Queijaria do Almada, Porto
Vende burrata feita com leite de vaca (€4,50/250g), além da versão fumada, de búfala Spinosa (região de Campânia, Itália), por €5,50/250 gramas. R. do Almada, 348, Porto > T. 22 208 0453 > seg-sáb 10h-19h