No campeonato São Gabriel, estamos na primeira divisão. E, como tal, um menu degustação não se faz para fraquinhos. Há que contar com um bom par de horas à mesa, para apreciar e dar vazão à dúzia de iguarias que o chefe Leonel Pereira demorou muito mais do que isso a idealizar. Algumas delas terão nascido na sua “garagem de criação”, mas chamemos-lhe Lab, porque espelha melhor o que se passa lá dentro. O laboratório pode estar na cave, ser pequeno e não ter janelas – era onde antes se guardavam os cerca de dois mil vinhos que agora se acomodam na garrafeira envidraçada à entrada do restaurante –, mas se há coisa que circula por lá são ideias e experiências gastronómicas explosivas, que depois acabam na mesa, quase disfarçadas, em pratos que misturam xarém com carabineiro e alga tetraselmis (ainda em fase de investigação na Universidade do Algarve). Além da parceria com os académicos de Ciências do Mar, o chefe anda encantado com a sua máquina destiladora a baixa temperatura, e até já aplicou essa técnica à caldeirada. “Fica com uma concentração única de sabor.”
Larguemos o ambiente laboratorial, que pode tornar-se bolorento (na melhor aceção da palavra), para ascendermos à sala de jantar. Já sabemos que o ADN do chefe é o mar e, por isso, não estranhamos quando nos manda começar a refeição com uma dose de plâncton – um crocante verde que corresponde exatamente a um pirolito de água salgada. No centro da mesa, em vasos, há folhas de “pão” de alga esverdeadas. “Os catos não se comem”, avisam-nos, ufa! – já estávamos preparados para o fazer. Podíamos continuar a prosa, referindo os tipos de pão e de manteigas que alegram qualquer refeição, mas isso seria perder espaço precioso para momentos mais originais. Como a estrela-do-mar crocante que traz no seu dorso um pedaço de lagostim, para ser comido com pinças antes de se acabar o serviço com as mãos. Para apreciar a vieira norueguesa que se segue, há que procurá-la dentro do sal em que se cozinhou, desembrulhar a alga que a protege de ficar salgada e, depois, parti-la ao meio para ser degustada, ora com molho emulsionado de rábano ora com alface-do-mar e caviar. “Podíamos fazer tudo na cozinha, mas as pessoas gostam de trabalhar um pouco o produto”, defende Leonel Pereira. Aquilo que vem anunciado no menu como canja de amêijoas e ostra da ria Formosa está acomodado numa taça de cerâmica lindíssima, e começa a revelar-se imediatamente pelo aroma: um creme de bivalves em Bulhão Pato com uma ostra lá mergulhada. Voltamos a precisar das mãos para chupar a cabeça do tal carabineiro que leva alga tetraselmis – apesar da molhanga do mar que se espalha, apreciamos bastante a experiência.
Os vinhos apresentam-se como desafios, propostos por Victor d’Avó, sendo o mais impressionante um branco velho da Bairrada, de 1994, servido em copo-túlipa, para abrir lentamente. Se estivéssemos de olhos fechados, juraríamos que era um tinto, assim como, quando comemos porco-bísaro com feijão-preto, laranja e cogumelos, ele nos sabe a presunto pata negra. Se há coisas que não resistem a este campeonato de primeira divisão, essas são as certezas e as ideias feitas à mesa.
Leonel Pereira faz notar que no São Gabriel não servem gelados, porque se cansou deles. “Faço cremes que ligam, com leite, e por ebulição. Não uso estabilizantes ou espessantes”, garante. Sabem mesmo bem, garantimos nós.
São Gabriel > Estr. de Vale do Lobo > T. 289 394 521 > ter-sáb 19h-22h30, dom 12h30-14h30 > menu degustação €120