Inicie-se esta experiência gastronómica com o ritual japonês de limpar as mãos a uma toalha aquecida, de onde se soltam aromas a lavanda, antes de bebermos o chá de alga kombu que, garante o chefe Ricardo Costa, nos vai “preparar o metabolismo para a refeição que virá a seguir”. E o que se segue não é só uma simples refeição, é uma viagem gastronómica desde a Ásia à Europa. Nesta nova carta primavera/verão do restaurante Gastronómico do The Yeatman Hotel, em Gaia, notam-se influências da viagem que Ricardo Costa fez ao Japão, no ano passado, do Atlântico e das tradições da sua Aveiro natal, mas também das muitas latitudes geográficas dos clientes estrangeiros que percorrem quilómetros só para experimentar a cozinha deste restaurante que conquistou as duas estrelas Michelin em 2017.
Ainda nas entradas com cheiro e sabor a Ásia, vem para a mesa o cannelloni de wagyu e caranguejo real, acompanhado por nabo – no prato, colocado como se fosse uma vieira – matcha e yuzu. Nesta experiência que Ricardo Costa quer que seja “descontraída e divertida”, chegam-nos uns pedaços de frango picante numa arepa de milho (o sabor faz lembrar o de um churrasco), que acompanham com umas espetadas de ostras também de frango (e que nos sabem a nuggets, com estrela, claro!). A refeição já vai longa e ainda nem sequer chegámos aos pratos principais. A fechar estes primeiros “aperitivos”, o sabor a mar de que o chefe natural de Aveiro tanto gosta: percebes, mexilhão e camarão da costa, espuma de cerveja artesanal, puré de amendoim e pérolas geladas de tremoço – a mostrar os resultados dos “treinos com nitrogénio” que Ricardo Costa tem andado a praticar na sua cozinha.
Chegados, finalmente, aos pratos principais do novo menu, surgem os chocos – “que as pessoas mais pedem”, revela o chefe – e acompanham com soro de leite, enguia fumada e fermento frito. “Tem muito umami, o que leva as pessoas a viajar”, diz, referindo-se ao quinto gosto do paladar (para além do doce, salgado, azedo e amargo), palavra de origem japonesa (outra vez o Japão, pois) a significar ‘gosto saboroso e agradável’.
O lavagante, cozinhado ao sal, surpreende. Talvez seja pelo acompanhamento da sopa tailandesa de galanga (gengibre de Laos), com um toque de kimuchi, mistura de pimentos japoneses e óleo de sésamo. Ou pelas tripas à moda de Gaia, que nos põe à frente quando o nosso palato ainda está a viajar até à Tailândia, cozinhadas dentro de uma película de cozinha (a carta fata) resistente a altas temperaturas. Depois de cortado este espécie de “saco”, soltam-se os aromas do feijão, com lavagante e cebolinho, regado com molho de aves diretamente de um tachinho. Divinal, concorda quem está à mesa.
E como, diria Amália, Numa casa portuguesa fica bem/pão e vinho sobre a mesa, chega o pão de alfarroba e malte, de fermentação natural, feito pela equipa de Ricardo Costa, para acompanhar com azeite da Quinta de Vargellas e manteiga da ilha do Pico 100% vaca.
Depois da raia de inspiração francesa, glaceada em beurre blanc, surgem dois pratos de sabor bem português: ovos com presunto que acompanham com uma sopa de cocochas de bacalhau e coentros a fazer lembrar o Alentejo, e o leitão – iguaria que há muito acompanha Ricardo Costa. Desta vez, o chefe diz ter descoberto uma técnica de o cozinhar no forno que o deixa “com a pele mais dura e tostada” muito semelhante ao da Bairrada. “Temos de o cortar à tesoura, porque não dá com a faca”, conta. Pepino e saké dão-lhe um toque fresco e asiático. O arroz caldoso de pombo à antiga – as aves, criadas com milho, vêm de França – é o remate final nesta longa refeição.
A já célebre sobremesa de mirtilos, inspiração na região de Sever do Vouga, mantém-se no menu, agora enriquecida com esfera e gelado de mascarpone, apontamentos de baunilha e lima kaffir. Mas, a pensar nos dias quentes, chega-nos um coco (verdadeiro) cortado a meio, recheado com um cocktail de piña colada, chá verde e ananás que nos leva literalmente de Gaia até aos Açores.
Já não chegámos a provar – porque o estômago não aguentava mais, senhores! – a trilogia da tripa de Aveiro, pipocas e caramelo, numa ode à terra natal de Ricardo Costa e à célebre bolacha americana vendida nas ruas da Costa Nova. O restaurante, com duas estrelas Michelin, só funciona ao jantar e se não tiver apetite para este menu completo, pode optar pelo de seis pratos. E, claro, poderá (e deverá) harmonizar a refeição com vinho (a copo ou garrafa) – ou não estívessemos num hotel vínico.
Gastronómico do The Yeatman Hotel > R. do Choupelo, Vila Nova de Gaia > T. 22 013 3100 > seg-dom 19h30-21h30 > Menu completo: €160, Menu seis pratos €130; suplementos vinhos: €60 a €70