O aumento dos níveis de stresse e de problemas psicológicos nos últimos anos levou a Organização Mundial da Saúde a priorizar a saúde mental e o bem-estar de todos à escala global. O psiquiatra e docente nas Universidades da Maia e do Porto, bem como investigador no i3S, lembrou que as perturbações depressivas e ansiosas aumentaram 25% no primeiro ano da pandemia e que há mil milhões de pessoas no mundo a braços com transtornos mentais.
Das crises, pandémica e climática, aos medos e incertezas gerados pela guerra e as suas consequências a vários níveis, são muitos os obstáculos, grandes e pequenos, com que temos de lidar. A forma de responder a essas vicissitudes varia em função da gravidade da situação e das estratégias (mecanismos de coping) de cada um e, além disso, as pessoas reagem de formas diferentes a uma mesma situação, quer se trate de uma doença oncológica, uma separação, a perda de um emprego ou quebras no desempenho profissional ou pessoal.
Na hora de enfrentar situações difíceis sem ir ao tapete, o apoio social e familiar contam bastante, mas os fatores de personalidade também entram na equação: “Por exemplo, uma pessoa obsessiva terá mais dificuldade em lidar com uma situação de humilhação porque vai ficar a ruminar no problema.”
Quando o desconforto, a insegurança, a perceção de falta de controlo e o sofrimento subjetivo deixam de ser estados passageiros e se instalam ao ponto de comprometer as nossas rotinas, há que levá-los a sério, “para que a situação difícil não se torne insuportável nem seja vivida com sentimentos de culpa”.
O cérebro precisa de endorfinas
Hoje recorre-se mais aos serviços de saúde mental e há cada vez mais figuras públicas a falarem das vantagens de procurar ajuda. Embora o acesso às consultas no Serviço Nacional de Saúde ainda esteja longe de ser ideal, é preciso não fechar os olhos a situações que carecem de acompanhamento, sobretudo nas faixas etárias mais jovens, as mais vulneráveis ao sofrimento psicológico.
“Estudos em mamíferos revelam que as adversidades vividas desde cedo, no ambiente familiar, se repercutem de forma negativa no desenvolvimento, até no plano neurobiológico, e resultam na menor produção de endorfinas (substâncias que geram bem-estar ou prazer)”, assegura o clínico. E acrescenta: “Quando um jovem começa a ter comportamentos anómalos, enigmáticos e que possam levar a pensar que ele tem doença mental grave, é muito importante que os pais o levem a procurar ajuda profissional.” Há uma razão para isso: “Quanto mais tempo o cérebro estiver em sofrimento, mais difícil vai ser recuperar plenamente.”
Cultivar o bem-estar mental
Mesmo na ausência de situações adversas, é possível que, ao longo da vida, se padeça de doença mental e nesse caso não adianta evitar a procura de ajuda por vergonha ou pensando que vai passar: “Uma pessoa que tenha depressão major vai andar meses em sofrimento quando pode, em muitos casos, resolver o problema com medicação durante dois meses.”
Porque não há saúde sem saúde mental, preservá-la e promovê-la é uma tarefa que cabe a todos e a cada um. O especialista deixa algumas pistas: “É importante estarmos esclarecidos em relação ao que se passa à nossa volta, sermos sensatos face ao que exigimos dos outros e cuidarmos da nossa autoestima e autoconfiança, sem permitir que nos humilhem ou desrespeitem, exigindo que nos tratem bem”.
Não menos relevante, para o nosso bem-estar com a vida, é sabermos quem somos e a forma como nos conduzimos, no dia a dia, de forma a prevenir problemas futuros ou, nas palavras de Fernando Almeida, “perceber quais são as nossas capacidades e fazer escolhas em função daquilo que fazemos melhor e nos dá prazer.”
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