Estamos cada vez mais próximos das férias, dos dias que acabam com uma imperial no bar da praia ou daqueles jantares em que podemos beber mais um copo que o habitual, porque não temos de trabalhar no dia seguinte. Mas que efeitos tem o álcool no nosso organismo?
Segundo Domingos Neto, psiquiatra e especialista em dependências e comportamentos aditivos, “todo o álcool é prejudicial ao organismo, mesmo com 0,01%”. Em entrevista à VISÃO, o psiquiatra referiu estudos dinamarqueses que descobriram, associadas ao álcool, “doenças que nunca tínhamos imaginado”, como “cancros do útero, da cabeça e do pescoço, doenças de fígado e de rins”, sendo o fígado e o cérebro os dois órgãos mais afetados.
“No cérebro há verdadeiras demências alcoólicas, porque o álcool adora destruir as bainhas dos nervos”. Tal acontece, explica o especialista, pois estas bainhas são feitas de uma substância, a mielina, “que é basicamente gordura”, e, portanto, algo que o álcool “gosta de dissolver”.
Outro problema é ainda o atrofio dos sulcos cerebrais, “por fora e por dentro, dando uma espécie de perda de conhecimento, memória e atenção generalizadas”.
Os jovens não deviam beber álcool, no mínimo até aos 21, porque o cérebro ainda está em formação e, portanto, há prejuízos para a evolução do mesmo
domingos neto – psiquiatra e especialista em dependências e comportamentos aditivos
Apesar de assegurar que “ninguém é alcoólico aos 18 anos”, o psiquiatra explica que estes efeitos em cérebros jovens, que ainda se encontram em desenvolvimento, são mais perigosos. “Os jovens não deviam beber álcool, no mínimo até aos 21, porque o cérebro ainda está em formação e, portanto, há prejuízos para a evolução do mesmo”.
Quem é considerado alcoólico?
“Para haver um alcoolismo é preciso que o álcool se transforme no interesse dominante da pessoa”, explica Domingos Neto. Se esta condição é mais difícil de verificar-se nos jovens, “que normalmente têm mais interesses e, na maior parte dos casos, não se embebedam diariamente”, o mesmo não se pode dizer de pessoas a partir dos 26 anos, “ou mesmo aos 60 anos, com a reforma, quando não têm nada para fazer”.
Apesar de todo o consumo ser prejudicial, Domingos Neto reforça a mensagem que tantas vezes ouvimos no final de anúncios de televisão: “Beba com moderação”. E moderação é, explica o especialista, quatro unidades por semana. Ou seja, “quatro imperiais, quatro copos de vinho meio cheios, quatro wiskys ou quatro gins”, independentemente do volume de álcool que cada uma destas bebidas tenha.
A propósito de volume, os famosos 4,5% das sidras ou das águas gaseificadas com álcool e sabor a fruta não convencem o psiquiatra, que defende que “essas bebidas embriagam tanto e provocam tanta adição como a cerveja que tem 6% de álcool”.
É difícil perceber quem está a desenvolver um vício, porque, certos alcoólicos, ao contrário dos fumadores que têm de fumar todos os dias, podem só beber uma vez por semana ou mesmo por mês. Outras vezes, o alcoólico até pode beber com moderação em eventos sociais e “acabar de beber quando chega a casa ou quando os convidados se vão embora”.
Na tentativa de fazer um auto-exame, os sinais de alerta a não ignorar, segundo Domingos Neto, são sentir necessidade de cortar no consumo, sentir culpa por achar que bebe de mais, sentir que alguém se zanga pelos seus consumos ou começar a beber de manhã, ainda antes do almoço.
O essencial é atacar a doença no início, defende o especialista, alertando que um alcoólico não tem necessariamente de ficar bêbado. “Pode ficar apenas virado, ali entre os 0.8 e o 1.5, fica eufórico e não tem noção do perigo”.
Auto-exame: estou em risco de desenvolver uma dependência do álcool?
Alguma vez sentiu necessidade de cortar no consumo?
Alguma vez sentiu que alguém se zangava pelos seus consumos?
Alguma vez se sentiu culpado por achar que bebe de mais?
Alguma vez bebeu de manhã ou antes do almoço?
Caso as respostas sejam afirmativas, Domingos Neto aconselha a procurar ajuda junto de um profissional de saúde especializado.
Ajudar na recuperação
Perante a identificação de uma adição, o primeiro passo é procurar um médico. Domingos Neto alerta para a importância de a avaliação da quantidade de álcool consumida por dia não ser apenas feita com base na palavra do paciente, mas também da família, “que até pode falar com o médico em separado”.
Quanto aos tratamentos, o psiquiatra sugere um antagonista do álcool, um comprimido que, após ser tomado, fará com que o paciente fique muito mal disposto, caso beba. Convencer o alcoólico a tomar o medicamento pode não ser fácil e o psiquiatra reforça a importância de a família reunir com o médico e procurar estratégias em conjunto. Nestes casos, uma das hipóteses é confrontar a pessoa “com um problema maior que o álcool, que é a família que fica para trás, por exemplo”.
Domingos Neto defende ainda que as pessoas que vivem com um alcoólico ou os amigos não devem alterar a vida por causa do doente. É antes este que deve aprender a divertir-se sem beber. “A vida continua para todos”.
5 Mitos sobre o álcool
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Um copo de álcool por dia faz bem ao organismo: apesar de diminuir o colesterol, “os outros efeitos nefastos do álcool ultrapassam este eventual benefício”, assegura o médico
O álcool dá energia: “espero que este mito desapareça rapidamente”, refere Domingos Neto
O consumo moderado depende da tolerância de cada um: o consumo moderado consiste em quatro unidade por semana, isto é, “quatro imperiais, quatro copos de vinho meio cheios, quatro wiskys ou quatro gins”, independentemente do volume de álcool que cada uma destas bebidas tenha.
O efeito do tabaco não tem relação com o do álcool: Domingos Neto explica que a nicotina que fica na saliva dos fumadores acaba no estômago o qual, se tiver de digerir também álcool, fica em maior risco de desenvolver doenças como cancro.
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