“Muito mais provavelmente, as mulheres vão morrer de uma doença cardiovascular do que de um cancro”, assegura a cardiologista Cristina Gavina, ainda que reconheça que o medo que estas têm do cancro da mama ou dos ovários seja maior do que das doenças cardíacas.
No dia da mulher, a VISÃO conversou com a vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, que relembrou como as doenças cardiovasculares matam mais do que todos os cancros juntos e não hesitou em relacionar a inconsciência deste facto com uma atitude de desleixo, por parte das mulheres, que, “na maior parte das vezes, desvalorizam os sintomas e vão procurar ajuda muito mais tarde”. O resultado é, segundo a cardiologista, uma chegada mais tardia ao hospital, em estados muito mais avançados de doença que fazem com que as mulheres acabem por morrer mais do que os homens, por exemplo, de doença coronária.
Não só o atraso com que chegam ao hospital, mas também o facto de a maioria dos ensaios clínicos de medicamentos para as doenças cardiovasculares contar com mais participantes do sexo masculino faz com que, nestes casos, as mulheres sejam pior tratadas. “Acabamos por prescrever-lhes menos medicamentos do que, se calhar, deveríamos e acabam por sair do hospital com menos medicação do que aquela que é dada aos homens”, revela Cristina Gavina, acrescentando que as mulheres têm mesmo “uma mortalidade intra-hospitalar duas vezes superior à dos homens”. No entanto, assegura que 80% destas mortes poderia ser prevenida, mas que tal “implicaria uma mudança enorme de estilos de vida”. Segundo a cardiologista, tem de haver uma atenção especial aos fatores de risco, nomeadamente a existência de diabetes, excesso de peso, tensão alta e tabagismo.
No caso específico das mulheres, existem ainda outros sinais de risco acrescido, nomeadamente durante a gravidez, “que podem, de certa forma, sinalizar quais as mulheres com maior risco de vir a ter problemas”. O desenvolvimento de diabetes gestacional, a ocorrência de um parto prematuro ou o nascimento de um filho que está abaixo do peso para a idade gestacional “são manifestações de pior saúde cardiovascular e querem dizer que, no futuro, estas mulheres vão ter maior risco de complicações”, explica Cristina Gavina.
Prevenir é melhor que remediar
Neste sentido, a prevenção ganha redobrada importância, sobretudo com a vigilância, controlo e evicção de certos fatores de risco, através da alteração de hábitos de vida. Do controlo da tensão arterial e valores de colesterol à prática regular de exercício físico, passando pela manutenção de uma alimentação saudável com preferência por fruta e verdura, várias são as atitudes que, independentemente da idade, as mulheres podem adotar.
Relativamente ao exercício físico, Cristina Gavina explica que bastam 30 minutos, cinco vezes por semana e tanto vale uma caminhada como algum tempo a pedalar numa bicicleta estática. “Seja em casa, seja fora de casa, o que é preciso é fazer”, defende a cardiologista, sublinhando que o exercício escolhido deve aumentar a frequência cardíaca e “colocar-nos numa zona de desconforto, mas sem entrar numa zona de exaustão”.
Cristina Gavina assegura ainda que “as intervenções nas fases mais precoces são as que podem ter mais influência no futuro” e pede que as mulheres não deixem a diminuição do número de filhos, que também aumenta o risco cardiovascular, e as diversas pressões sociais afastarem-nas do controlo médico regular.
“As coisas ainda não são iguais para mulheres e homens”, comenta a cardiologista que apelida a famosa capacidade de multi-tasking, da qual muitas mulheres se sentem até orgulhosas, de “uma verdadeira multi sobrecarga” que pode levá-las a colocarem constantemente a própria saúde em segundo lugar, depois da do marido e dos filhos. “Quantas mulheres deixaram de estar alerta e nunca mais foram ao médico de família depois de terem tido os filhos? Muitas”.
Mitos
Apesar de, tradicionalmente, a doença coronária aparecer em idades mais jovens nos homens, Cristina Gavina refere que o mito que as doenças cardiovasculares atacam apenas as mulheres mais velhas é exatamente isso: um mito. “Há muitas mulheres que têm enfartes aos 30 e 40 anos, nomeadamente mulheres fumadoras, sobretudo se estiverem também a seguir medidas contracetivas orais”, sublinha a especialista.
Ainda que o período da menopausa possa representar um risco, Cristina Gavina considera que o período peri-menopausico, a partir dos 40 anos, com alterações hormonais muito marcadas, dará origem à subida da tensão arterial e dos níveis de colesterol. “Há alterações nas próprias artérias que fazem com que estas estejam muito mais predispostas a acumular gordura e levam à progressão da doença”.
A médica refere que as mulheres desta faixa etária, frequentemente, deixam-se levar pela azáfama diária e “não ouvem o próprio coração”, além de estarem convencidas que, por serem novas, não precisam de ir ao médico de forma regular. “Ainda vão ao ginecologista, porque se lembram do cancro do colo do útero, mas estas seriam também oportunidades para verem como estão as suas análises e o seu risco cardiovascular”, defende Cristina Gavina.
Sintomas e sinais de alerta
Quanto aos sintomas que as mulheres não devem ignorar, Cristina Gavina elenca, no caso da angina de peito, a dor no centro do peito com irradiação para as costas e ombros, cansaço incompreensível ou a sensação de falta de ar.
Já no caso de AVC, como as pessoas se assustam com os sintomas, “porque podem ter dificuldade em falar, em mexer um membro ou andar, estão mais ou menos preparadas para pensar que podem estar perante um Acidente Vascular Cerebral”. A fim de não chegar a este ponto, é preciso então, explica Cristina Gavina, estar atento a queixas de insuficiência cardíaca e arritmias, que aumentam o risco de AVC. Quando aparecem palpitações rápidas, as pessoas devem procurar o médico, sobretudo se forem “hipertensas, tiverem mais de 65 anos, excesso de peso e apneia do sono”. Também o cansaço extremo, que impede alguém de completar tarefas básicas como estender a roupa, a falta de ar ou o inchaço nas pernas, são sinais de alerta, “que devem fazer com que eu procure o meu médico de família”.
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