Agora que entrámos numa das piores fases da pandemia, com recordes em número de novas infeções e de mortes, e lidamos com o cenário “presos em casa fase II”, num registo que muitos apelidam já de “confinamento light”, Tiago Pereira lembra que já na fase pré-pandemia tínhamos contra nós cinco fatores que dificultaram os esforços de adaptação a esta crise: “Baixos níveis de competências socioemocionais e de literacia, pobreza, dificuldades de acesso aos serviços de saúde mental e níveis de solidão, em particular nos mais velhos.”
Valendo-se dos dados da Organização Mundial de Saúde, que indicam que mais de 60% da população europeia tem estado hipervigilante e cansada de vários meses de perdas e restrições associadas à pandemia, o psicólogo atribui o aligeiramento das medidas de proteção à perda do medo, à polarização social e às formas de comunicação, “mais penalizadoras, centradas no que está a correr mal e sem o mesmo efeito mobilizador das figuras públicas a que assistimos no primeiro confinamento”. A somar a isto, o afrouxar das medidas restritivas à circulação na quadra natalícia traduziram-se na diminuição da perceção de risco, como mostraram os indicadores do Barómetro Covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública.
Mudar de estratégia
“A comunicação negativa, que culpabiliza, não é geradora da adoção de comportamentos; ilegitimar o cansaço ou dizer que Portugal está a quebrar contratos de confiança também não ajuda”, adverte. Há que perceber o que correu bem e mobilizar todos para uma meta comum, pois se na primeira vaga era preciso achatar a curva, o que se pede agora, com o início da vacinação, é uma maior consciência daquilo que podemos fazer, individual e coletivamente, tendo em mente um horizonte melhor. Uma tarefa difícil, quando estamos a braços com lutos, e vulnerabilidades acrescidas: crise socioeconómica, estigma, exclusão e problemas de violência doméstica. Os tais efeitos de que se falava que viriam aí e que constituem barreiras sérias à recuperação, que pode levar muitos anos a ser alcançada, de acordo com estudo da OCDE.
Debelar sentimentos de angústia e de desamparo em todos os grupos da população está longe de ser fácil. “A primeira análise feita a partir dos dados da Linha de Apoio Psicológico da Linha SNS 24 mostra que os jovens do ensino superior e as pessoas desempregadas foram os mais afetados”, adianta. Os dados do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge revelaram que metade das pessoas que estiveram em isolamento tiveram sintomas de depressão moderada a grave e sete em cada dez pessoas confinadas acusaram sofrimento psicológico. Aqueles que estiveram, e continuam a estar, na linha da frente no combate à pandemia também estão no limite: três em cada quatro estão à beira da exaustão, segundo os dados do Barómetro Covid-19.
Em tempos de isolamento prolongado, a missão é quando nos devemos lembrar de a missão de resistir e superar é dura mas possível E que, neste novo confinamento, os decisores precisam de ter uma comunicação mais personalizada e unificadora para os grupos da população, passando a mensagem de que aquilo que lhes é pedido tem um propósito”. Só assim será possível envolver todos, a começar nos mais jovens. A esse respeito, dá o exemplo do que sucedeu na Indonésia, onde os adolescentes foram escolhidos como grupo prioritário para a vacinação: “Os influencers levaram a vacina e mobilizaram este grupo, servindo-lhes de modelos de comportamento.”
Resistir e olhar o copo meio cheio
Uma vez aqui chegados, o que está ao nosso alcance para viver os próximos tempos sem agudizar sofrimentos nem perder o ânimo? “Investir no nosso autocuidado, manter atividades que nos dão prazer e cultivar rotinas saudáveis”, sugere o especialista. Mas há outras coisas a fazer: “Disseminar informação credível sem nos ficarmos por aquela que confirma as nossas crenças e reforçar o que está a correr bem.”
Para que tudo corra pelo melhor, é determinante aceitar o que estamos a viver: “Estamos fartos, cansados e privados de uma espontaneidade que tínhamos, mas a nossa atenção deve centrar-se em prevenir conflitos em vez de criá-los, em estar mais próximos dos outros e expressar-lhes a nossa gratidão, que nos dá uma dimensão de propósito e reduz o stresse.” Disso é exemplo o trabalho das brigadas de intervenção rápida nos lares, mas que compete a todos nós, sem deitar tudo a perder: “Se mantivermos um horizonte de esperança vamos poder dizer que fomos capazes de passar por esta experiência transformadora e que os nossos esforços não foram em vão.”
Fazendo referência ao universo desportivo, Tiago Pereira deixa uma nota: “Os jogos mais difíceis são os que nos dão mais prazer.” A pensar nos dias e semanas que seguem, a Ordem dos Psicólogos lançou no seu site a Caixa de Ferramentas para o Segundo Confinamento e deixa um alerta aos governantes: “Nos centros de saúde, temos 2,5 psicólogos por cada cem mil habitantes; investir no reforço desses profissionais e apostar na saúde psicológica e na saúde mental”, até porque “sem recuperar as pessoas, dificilmente recuperaremos o nosso País.”
Para ouvir em Podcast: