“A nossa capacidade está sempre próxima do seu limite máximo de ocupação”, começa por dizer a infeciologista Margarida Tavares, que está na linha da frente do tratamento de doentes com Covid-19 no hospital de São João, no Porto.
No entanto, a médica sublinha que, com cerca de uma centena de pessoas infetadas com o SARS-CoV-2 internadas (um terço delas nos cuidados intensivos), o São João não está à beira da rotura. “Vivemos uma situação estável que começa a dar sinais de grande pressão”, sintetiza.
Margarida Tavares explica que uma das estratégias do hospital tem sido garantir que só ficam internados os doentes agudos, ou seja, aqueles que realmente precisam de cuidados hospitalares.
A infeciologista relembra que as unidades de cuidados intensivos não “esticam eternamente”
Com uma capacidade de 1 100 camas, a infeciologista admite que, no limite, todas elas poderiam estar afetas aos doentes com Covid-19. Porém, uma das prioridades é garantir que se mantém, o máximo possível, o atendimento dos doentes com outras patologias. “O nosso limite é definido pela necessidade de tratar todas as pessoas com doenças urgentes”, afirma.
A infeciologista relembra que as unidades de cuidados intensivos não “esticam eternamente”, até porque não dependem apenas de equipamentos médicos, mas também de recursos humanos altamente especializados e cada vez mais escassos.
Contudo, tem confiança de que a solidariedade entre os vários hospitais do País seja eficaz a dar resposta à “pressão enorme” que já se sente em vários locais. E recusa um cenário de rotura no SNS: “Acredito que vamos encontrar soluções antes disso”.
O Natal e as novas estirpes
Margarida Tavares não hesita em estabelecer uma relação “inevitável” entre as celebrações do Natal e do Ano Novo e o aumento do número de casos no início do ano, ultrapassando as dez mil infeções diárias em várias ocasiões. Mas acredita que outros fatores poderão ter contribuído para esta situação, como o frio extremo. “As pessoas acabam por partilhar mais espaços fechados e não arejam tanto as divisões”, comportamentos que potenciam a transmissão do vírus.
Também a nova variante do SARS-CoV-2 identificada no sul de Inglaterra poderá estar a desempenhar um papel. “Ainda não sabemos qual é a sua expressão em Portugal, mas sabemos que se transmite de forma mais efetiva”, alerta.
Até agora, não existe evidência de que as novas estirpes do vírus causem doença mais grave mas, a partir do momento em que sejam mais transmissíveis, aumentará a mortalidade provocada pela Covid-19, em números absolutos.
Quanto ao debate sobre se a estirpe inglesa facilitará a transmissão do vírus entre as crianças e jovens, a infeciologista avança que não parece ser esse o caso. “Não é um argumento para fechar escolas”, defende.
E também a eficácia da vacina não parece estar em causa, por enquanto. “Poderão surgir novas estirpes capazes de escaparem à vacina e, nesse caso, teremos de a adaptar, mas não será o mesmo que desenvolver uma nova vacina, será muito mais fácil”, assegura.
Sequelas sob investigação
À VISÃO Saúde, Margarida Tavares revelou que está ser desenvolvido um estudo no hospital de São João com o objetivo de analisar as sequelas da doença, entre seis a nove meses após a infeção. De acordo com os resultados preliminares, depois de analisados os dados de mil doentes, cerca de 30% afirmam que alguns dos sintomas da doença não desapareceram. “E não são necessariamente aqueles que estiveram em estado mais grave”, esclarece. A chamada “Covid prolongada” parece afetar cerca de um terço dos doentes. “Ainda é cedo para saber se os sintomas vão desaparecer ou se serão crónicos”, admite a infeciologista.
Perda de paladar e de olfato, problemas de memória ou de concentração, indícios de depressão, distúrbios cardiovasculares (como arritmias) ou fadiga são alguns dos sintomas persistentes. A médica defende que será necessário refletir sobre as terapêuticas de reabilitação que poderão vir a necessitar estes doentes.
Depois de analisados os dados de mil doentes, cerca de 30% afirmam que alguns dos sintomas da doença não desapareceram ao fim de seis ou nove meses
Margarida Tavares não tem dúvidas relativamente à eficácia do confinamento geral previsto para esta semana, mas defende estratégias “mais modernas”.
“Estamos a combater a pandemia com isolamentos e quarentenas, que são respostas de outros séculos, devíamos procurar soluções do nosso tempo”, afirma. A aposta na testagem é uma das sugestões da especialista. “Se conseguirmos disseminar testes fáceis, rápidos e baratos, eles podem ser altamente eficazes”, vaticina. E acredita que não é apenas a escassez de recursos financeiros, mas também de recursos humanos que limita esta opção, daí a importância de apostar em testes fiáveis que permitam às pessoas testarem-se sozinhas.
Também a aplicação Stayaway Covid lhe parece ter um enorme potencial desperdiçado, no sentido de contrariar medidas “altamente restritivas da liberdade” dos cidadãos.
Ao fim de quase ano de combate à pandemia, Margarida Tavares sublinha a importância de “manter a esperança” num regresso à normalidade (ou quase). “Agora, a vacina dá-nos essa esperança”, acredita. Mas os seus benefícios, sublinha, só serão evidentes no segundo semestre ou mesmo no final do ano.
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