O que leva a que não se fale tanto de sexo como antes? O novo coronavírus deixou a sexualidade suspensa, numa espécie de “sexopausa”? Talvez não seja bem assim. Talvez tenha deixado de ocupar menos lugar na esfera pública, trazendo ao de cima a dimensão privada. “Quem já tinha uma relação estabelecida e a vida privada era boa, o confinamento foi bom, mas se a vida privada era má, com o confinamento passou a ser péssima”, afirma a psicóloga e sexóloga Ana Alexandra Carvalheira, que é também investigadora do William James Center for Research, no ISPA – Instituto Universitário, em Lisboa.
O receio de falar sobre a sexualidade deve-se, provavelmente, ao facto de estarmos a viver uma fase nova e de não sabermos muito bem o que dizer sobre isso, mas a vida sexual existe, na sua diversidade. Há quem arrisque, quem transgrida normas de segurança, pessoas frustradas com a privação da proximidade física e a sensação de isolamento, e outras que estão mais ansiosas e com medo do outro.
No caso dos solteiros, especialmente os mais velhos, que fazem parte dos grupos de risco e têm menos competências digitais, o novo cenário tende a ser mais crítico, já que podem “ficar mais desligados e privados da conexão com o outro e do prazer sexual”. Porém, fiquemos tranquilos, pois apesar de a ameaça do contágio ser real, o beijo e o abraço não vão ficar hipotecados: “Temos é de decidir melhor com quem o fazemos”, esclarece.
Esta é ainda uma oportunidade para aprender a negociar com o outro e cultivar expressões de afeto com mais significado “Eu escolho abraçar as minhas pessoas sem máscara, com a cara para o lado, ou então não abraço de todo”. No contexto clínico, a psicoterapeuta optou por deixar de lado, temporariamente, o registo presencial: “A máscara tapa a cara e eu prefiro fazer as consultas online.”
Não ao sexo asséptico
Quando surgiu o VIH, o preservativo era o pré-requisito para “brincar”. Com a Covid-19, até que ponto é legítimo sondar as práticas de potenciais parceiros, desinfetar-se antes e depois ou escolher posições sexuais que não impliquem face a face, como sugerem os guias de associações inglesas e norte-americanas? “O sexo asséptico proposto por estas recomendações destrói um erotismo já ameaçado e precário, deixando-o pelas ruas da amargura.”
A investigadora, que em 2005 concluiu uma tese de doutoramento sobre comportamentos sexuais online e relações interpessoais pela internet, assegura que o sexo à distância não substitui a presença física. Mesmo tendo em conta as limitações atuais impostas pela pandemia, importa lembrar que antes dela nem tudo corria bem na esfera do erotismo.
“Na sociedade moderna há muita dificuldade no investimento relacional pelo elevado número de solicitações”. À realização profissional e familiar juntam-se a realização sexual, amorosa, cultural, social, académica… e se o potencial parceiro não encaixa, a tendência é mudar, passar a outro. É certo que as ferramentas digitais – as redes sociais, os sites e apps de encontros – facilitaram muita coisa, mas têm um lado menos positivo, o de tornar mais fácil objetificar as pessoas: iniciar e acabar (ou descartar) um relacionamento online, por exemplo.
Cultivar o desejo: dá trabalho mas vale a pena
Se “o sexo é uma vitamina conjugal”, a rotina, a familiaridade e a longevidade de um casamento ou união de facto aniquilam o erotismo, sobretudo no feminino. “Aconselho as mulheres a avaliarem se a sexualidade é para elas uma prioridade e, se sim, a perseguirem ativamente o desejo sexual.”
Outro aspeto a ter em conta é a necessidade de descobrir o corpo, tomar contacto com ele indo além das preocupações estéticas, já que “muitas são as mulheres que têm dificuldade em se conectarem com as sensações de prazer, até em coisas tão simples como desfrutar de um bom um banho de mar, do sol no corpo ou apreciar estímulos olfativos”.
No caso dos homens, a história é outra: é preciso que deixem de estar excessivamente centrados no prazer da parceira e na performance sexual, fatores que eles associam à masculinidade. “É importante estarem mais atentos à pessoa com quem estão e retirar a atenção do sexo performativo, que é muito pobre e pouco interessante.”
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