A artrite reumatoide é uma doença crónica que se caracteriza pela inflamação das articulações – como as mãos, punhos, joelhos e pés – e que tem impacto significativo na qualidade de vida de cada doente. De dores intensas, fadiga ou inchaço à rigidez da articulação são muitos os efeitos desta doença que, estima-se que afete cerca de 70 mil portugueses, na idade adulta, sobretudo mulheres. A VISÃO falou com Fernando Pimentel, médico e Membro do Conselho Consultivo da ANDAR (Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatóide), sobre as especificidades desta patologia.
Quem pode ser afetado por esta doença?
A artrite reumatoide é uma doença que pode vir a afetar pessoas de todas as idades, mas que tende a ser mais comum durante a idade adulta, entre os 35 e os 50 anos. É mais frequente o seu diagnóstico em pessoas do sexo feminino do que no sexo masculino, afetando um homem para cada 3 mulheres. Não existem, contudo, dados suficientes que revelem com certeza o que determina essa maior frequência da patologia nas mulheres. “Há várias hipóteses que ajudam a explicar o porquê de a doença ter mais prevalência nas mulheres, uma delas é a perspetiva hormonal, que poderia estar aqui subjacente, mas isso é apenas uma das hipóteses, não há nada que nos diga seguramente o que é que determina a maior frequência nas mulheres”, explicou Pimentel.
Esta doença também pode afetar alguns adolescentes, que até aos 16 anos podem desenvolver artrite idiopática juvenil. Não sendo exatamente igual à doença no adulto, é muito semelhante e muitas dessas crianças, na idade adulta, desenvolvem podem desenvolver quadros semelhantes à artrite reumatoide.
Quais são os sintomas a que se deve estar atento?
A artrite reumatoide caracteriza-se sobretudo pela dores e rigidez das articulações, fatores de alerta que devem ser avaliados por um médico reumatologista para que possa ser feito um diagnóstico. “É uma dor inflamatória, o que quer dizer que as pessoas sentem mais dor quando estão em repouso do que quando estão em atividade”, contou.
Para além da dor, é muito típico na artrite reumatoide um fenómeno de rigidez da articulação, que dificulta a mobilidade, sobretudo após os períodos de descanso. “Estas pessoas quando estão com a doença muito ativa têm uma rigidez matinal muito prolongada, claramente superior a uma hora e às vezes de duas ou três horas ou toda a manhã. Obviamente, em pessoas de idade adulta que trabalham tem muito impacto naquilo que é o despachar-se e chegar ao local de trabalho”.
Podendo começar por apenas uma articulação, a artrite reumatoide tende a evoluir, à medida que o tempo passa, e a afetar outras articulações, evoluindo para uma poliartrite – referente a cinco ou mais articulações. Esta doença tende ainda a ser simétrica, ou seja, todas as articulações afetadas no lado esquerdo do corpo tendem a ser também afetadas no lado direito. Ocasionalmente, a inflamação pode ainda vir a atingir outros órgãos. “Estamos a falar de um ponto de vista articular, mas estas doenças reumáticas e reumatoides são doenças sistémicas, portanto qualquer sistema do nosso corpo – como o pulmão ou o rim – pode ser envolvido no curso da doença”, explicou.
Fernando Pimentel sublinha ainda a importância do diagnóstico precoce, que pode alterar completamente o quadro clínico de uma pessoa com artrite. “Sabemos que existe uma janela de oportunidade, que é um período no início da doença em que se for feito o diagnóstico e se for feita uma terapêutica eficaz, há maior possibilidade de estas pessoas entrarem em remissão, ou seja, ficarem sem sintomas da doença e de não haver progressão da doença”, referiu.
Desse modo, o especialista apela às pessoas que sejam “os promotores da sua própria observação” ao identificar o tipo de dor que têm, a duração da mesma e quando esta se intensifica. “É muito importante que os doentes percebam por si que tipo de dores é que têm, que tipo de desenvolvimento é que têm. As pessoas devem encarar estas dores como sendo um sinal que é necessário ir ao médico de família e serem possivelmente referenciadas à reumatologia para se fazer o diagnóstico respetivo e começarem rapidamente uma terapêutica eficaz”, explicou.
Que tratamentos existem?
Segundo o especialista, a área da reumatologia tem vindo a ter, desde o ano 2000, grandes desenvolvimentos de possibilidades terapêuticas, através de, primeiramente, fármacos biotecnológicos e, mais recentemente, os “synthetic targets”, uma nova classe de imunossupressores orais mais “específicos em termos de diálogo terapêutico”. Quando mais cedo for feito o diagnóstico, mais existem hipóteses de os medicamentos serem eficazes na remissão da doença.
No entanto, segundo o médico, existem em Portugal algumas restrições no acesso a medicamentos inovadores. “Temos medicamentos em vários países europeus que não chegam a Portugal, que não são aprovados e que não são comparticipados e temos também cada vez mais problemas no sentido de os médicos prescreverem medicamentos que depois são barrados nas comissões de farmácia e terapêuticas a nível hospitalar”, referiu.
Para o médico, são os profissionais de saúde quem melhor conhecem as particularidades e dificuldades dos seus pacientes e é fundamental que não sejam impostas barreiras à prescrição de medicamentos. “É muito importante que não se criem barreiras há prescrição destes medicamentos sobre pena de deixarmos a doenças progredir e perdermos o momento ideal para os darmos a estas pessoas”, sublinhou.
Que implicações tem na vida dos doentes?
Com as dificuldades e limitações impostas por esta doença, o especialista sublinha que é necessário estar especialmente atento à componente psicológica. “Hoje em dia, a ansiedade e a depressão têm níveis muito mais altos na população com artrite reumatoide do que na população em geral. É estimado que 58% dos doentes com artrite reumatoide sofram de ansiedade quando a percentagem de população geral é de 18% e os níveis de depressão são de 42%, que é duas vezes e meio o valor registado na população em geral”, reforçou.
O reumatologista defende que é necessária uma maior flexibilidade do trabalho na integração destes doentes. Segundo as estatísticas, estima-se que as pessoas afetadas pela patologia faltem, em média, 28 dias por ano ao trabalho, num claro contraste com as pessoas saudáveis que apenas faltam 4 dias. Está também estudado que cerca de 35% das pessoas com artrite reumatoide se reformam antes dos 55 anos. Para o médico, a medicina no trabalho deveria ter uma maior intervenção, de forma a manter as pessoas com artrite reumatoide ativas.
“Tenho alguns doentes que me dizem que têm de se levantar uma ou duas horas mais cedo para estar a determinada hora no local de trabalho porque não conseguem gerir a dor e a rigidez. Portanto, alguma flexibilidade no trabalho, em termos de horários, é desejável, e também que as pessoas não sejam sujeitas a posições muito manuais em que tenham de fazer muitos esforços”, defende.