Existem cada vez mais pessoas a correr: por exemplo, de acordo com a aplicação Strava, o número de maratonistas praticamente duplicou entre 2021 e 2022 e, no ano passado, a Parkrun, organização que promove eventos de caminhada e corrida em mais de 20 países, divulgou que mais de 8,5 milhões de corredores se tinham inscrito em algum destes eventos.
Outros dados confirmam que, nos últimos anos, tem havido um aumento significativo da prática de corrida, não só por ser uma atividade bastante acessível, mas também pelo aparecimento de cada vez mais aplicações onde é possível partilhar as rotas, os tempos e as conquistas pessoais, que servem como incentivo.
Contudo, é muito mais fácil para certas pessoas serem bem sucedidas do que outras no que diz respeito à corrida e há estudos que ligam uma maior ou menor capacidade de corrida a fatores genéticos.
Na verdade, a investigação científica tem concluído que existe influência da genética na capacidade de corrida, com várias caraterísticas genéticas a serem associadas à aptidão física e ao desempenho atlético, tais como musculares – variações genéticas podem afetar a composição muscular, como a proporção de fibras musculares de contração rápida e lenta, influenciando a resistência e a velocidade -, a capacidade cardiovascular, já que os genes desempenham um papel importante na eficiência do sistema cardiovascular, incluindo o transporte de oxigénio para os músculos durante o exercício, ou o metabolismo (fatores genéticos podem influenciar o metabolismo e a eficiência na produção de energia durante a corrida).
Também a resposta ao treino pode ter uma base genética, ou seja, determinados tipos de treino podem ser mais benéficos para certos desportistas, tendo em conta a sua genética; da mesma forma, certas predisposições genéticas podem estar relacionadas à suscetibilidade a lesões ou à capacidade de recuperação após o exercício físico.
O gene da velocidade existe mesmo?
Pode haver, de facto, um “gene da velocidade”, que faz algumas pessoas correrem mais rápido do que outras? A existência desse gene é estudada há mais de duas décadas, com os investigadores a determinarem que mais de 200 variações genéticas diferentes podem influenciar o desempenho desportivo.
A alfa-actinina 3 faz parte da família de proteínas conhecida como alfa-actininas, componentes estruturais das fibras musculares, e desempenha um papel importante no músculo esquelético. O gene responsável pela produção da alfa-actinina 3 é denominado ACTN3, sendo que as variações genéticas nesse gene podem influenciar a presença ou ausência da proteína. Ou seja, algumas pessoas possuem uma variante do gene que resulta na produção de alfa-actinina 3, enquanto outras têm uma variante que leva à ausência dessa proteína.
Essa variação genética tem sido associada ao desempenho atlético, especialmente em desportos que requerem força explosiva, como sprints de curta distância e levantamento de pesos. Ou seja, a presença ou ausência da alfa-actinina 3 pode influenciar a composição das fibras musculares de contração rápida e, consequentemente, afetar a capacidade de criar força rapidamente.
Investigadores da Universidade de Exeter, no Reino Unido, analisaram recentemente milhares de genes do ADN de 45 britânicos entre os 20 e os 40 anos que, durante 30 minutos, ao longo de oito semanas, três vezes por semana, fizeram treinos de corrida.
A equipa, orientada por Henry Chung, analisou mais de 3 mil genes e encontrou 19 genes específicos que “insistiam em aparecer – todos eles relacionados com algum tipo de variável de condicionamento” cardiorrespiratório, que se refere à capacidade de o sistema cardiovascular e respiratório fornecer oxigénio aos músculos durante atividades físicas prolongadas e de remover eficientemente os subprodutos metabólicos resultantes desse processo.
“As pessoas que melhoraram [o condicionamento] em cerca de 20% tinham todos esses 19 genes positivos, enquanto as pessoas que não melhoraram tanto tinham apenas um ou dois”, explica Chung. Dentro desse grupo de quase 20 genes, a equipa identificou o gene monoamina oxidase A (MAOA), conhecido como “guerreiro”, associado à agressividade e aos comportamentos de risco. “O gene guerreiro permite acionar o instinto de sobrevivência, dizendo-lhe ‘preciso de correr, preciso de me mexer”, acrescenta o investigador.
Apesar desta influência da genética, o desempenho na corrida e em qualquer outro tipo de treino não é determinado apenas pelos genes. Fatores ambientais, relacionados com o estilo de vida e de nutrição, por exemplo, também desempenham papéis significativos.
A presença ou ausência da alfa-actinina 3 é apenas um aspeto de toda essa equação e realizar treinos adequados, com dedicação e consistência, é crucial para melhorar a capacidade de corrida, independentemente da predisposição genética. Ou seja, a genética por si só não nos torna atletas de topo, nem o contrário; pode ser apenas uma vantagem para algumas pessoas, diz a ciência.