O direito à amamentação está consagrado na lei portuguesa, mas nem sempre é fácil de manter pela mãe que está de regresso ao trabalho e acaba por se tornar motivo de angústia para a mulher que tem agora um filho nos braços e se vê dividida entre as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e o tempo diário que tem agora disponível para o seu bebé e sua alimentação.
Conversámos sobre este tema com Carmo Prucha, Enfermeira-Chefe do serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário de São João. Defensora da amamentação a benefício do bebé e da mãe, a especialista explicou-nos os seus benefícios, deu recomendações e ainda falou sobre a necessidade de se proteger e apoiar a família que escolhe a amamentação quando se dá o regresso à vida ativa.
Quais os benefícios do leite materno que não têm substituto?
O leite materno (LM) é um alimento completo e natural adequado à grande maioria dos recém-nascidos e, com inúmeros benefícios, para a mãe, para o bebé, para a comunidade e para o meio ambiente. Fornece ao bebé todos os nutrientes que necessita, de forma segura, para um crescimento e desenvolvimento saudáveis e permite uma melhor adaptação do bebé ao regime alimentar, porque são expostas a uma maior variedade de sabores de acordo com a alimentação materna.
Os benefícios do LM têm sido associados a diminuição do risco de morte súbita do bebê, enterocolite necrosante, diarreia, infeções respiratórias e otite média. Descobriu-se que os benefícios continuam muito além da infância e mesmo na idade adulta, tendo sido associados à diminuição da obesidade e de sobrepeso, diabetes tipo 2 e aumento do quociente de inteligência.
Até quando se deve amamentar um bebé?
A OMS e a UNICEF recomendam o início da amamentação dentro da primeira hora de vida, e a amamentação exclusiva até os 6 meses de idade. Após este período, recomendam a introdução de alimentação complementar segura, nutritiva e apropriada para a idade, juntamente com a amamentação até os 2 anos ou mais.
Existe pressão para as mães não exercerem os seus direitos no que toca à amamentação?
Provavelmente pode existir, mas se os benefícios do leite materno fossem amplamente conhecidos e divulgados, a amamentação seria globalmente protegida devido aos ganhos em saúde pública, a diminuição de absentismo por crianças mais saudáveis.
Apesar de todos os benefícios conhecidos e das mortes que poderiam ser evitadas, as taxas de prevalência do AM são ainda muito baixas face à alta incidência. Isto demonstra que a maior parte das mães não consegue cumprir o desejo inicial de amamentar, pois não tem o apoio necessário para ultrapassar as situações de insegurança, ansiedade e stresse. Além disso, é comum, as mães serem aliciadas com ofertas de leite artificial, o que contraria o Código de Ética dos Substitutos do Leite Materno (OMS) ao qual Portugal aderiu há cerca de 20 anos e o regulamento do Parlamento Europeu, relativo aos alimentos para lactentes. Além disso, a indústria investe ativamente em publicidade a biberões, tetinas e chupetas.
Quais as maiores dificuldades sentidas pelas mães que acompanha?
O regresso ao trabalho de uma mulher que amamenta pode ser exigente devido ao facto de conciliar a atividade profissional com a vida familiar e a manutenção do aleitamento materno. Os apoios nalguns dos locais de trabalho para a amamentação são complicados, devido a ausência de locais com conforto e privacidade para extração e conservação do leite materno, bem como o cumprimento dos horários de amamentação, a que as mães têm direito.
Existe uma verdadeira proteção da mãe que amamenta?
Do ponto de vista legislativo existe proteção, no entanto era crucial que existisse uma “cultura de aleitamento materno” de modo a garantir a flexibilidade de horário e o apoio familiar e/ ou social efetivo. A criação de um ambiente favorável para as mães amamentarem, permite reduzir o absentismo laboral relacionado com a maternidade, aumentar a retenção das trabalhadoras e reduzir os custos de contratação e preparação de novos funcionários (OMS).
De que forma o Centro Hospitalar Universitário de São João apoia as mães que amamentam no regresso à vida profissional?
Cumprindo a lei, e criando espaços reservados para a extração de leite materno. Além disso, o serviço de Obstetrícia disponibiliza um Cantinho de Amamentação que pode ser utilizado por profissionais e utentes. O Serviço de Obstetrícia possui mais de 60 enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica detentores do Curso De Conselheiros em Aleitamento Materno.
Na sua opinião, o que precisaria de ser melhorado para se garantir uma amamentação sem pressões e protegida?
O regresso ao trabalho é também muitas das vezes um dos principais motivos para o abandono da amamentação. Deste modo, a disponibilidade de espaços para amamentar no local de trabalho, a licença de maternidade prolongada (sem penalizações), assim como a discussão de estratégias com as mães para a possibilidade de extração e conservação do leite.
No que se refere aos serviços e políticas de saúde, as intervenções realizadas no período pré e pós-natal, parecem ser mais eficazes do que as intervenções concentradas num único período. Deveria ser criada consulta de aleitamento materno, no 3º trimestre de gravidez para ser discutido o plano de aleitamento materno, de forma a elucidar conhecimentos sobre a prática e técnica do aleitamento, esclarecer dúvidas existentes e desmistificar algumas crenças, bem como promoção e aconselhamento sobre aleitamento materno a cada contato de vigilância preconizado após o nascimento, já que o período crítico de abandono ocorre entre o 1º e o 2º mês. O aconselhamento em grupo, bem como os programas de preparação para o parto e parentalidade durante a gravidez, deverão fazer parte da rotina da futura mãe, no sentido de a familiarizar com o início da amamentação.
Países onde a amamentação é protegida, promovida e apoiada através de políticas alimentares e de saúde, as mães tendem mais a amamentar exclusivamente os seus filhos, sendo que parece haver um maior efeito com múltiplas intervenções.
É realmente possível conciliar uma vida profissional ativa com as recomendações da OMS sobre a amamentação?
Segundo a OMS e a Unicef, nos últimos 10 anos, verificou-se um aumento significativo no aumento das taxas de aleitamento materno exclusivo, mas consideram ser possível atingir um crescimento ainda maior, garantindo que a amamentação deva ser protegida e apoiada, particularmente no local de trabalho e na comunidade. Nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas é estabelecida a meta de atingir 70% de aleitamento materno exclusivo até 2030. Para tal os serviços de saúde e a sociedade em geral devem aliar-se em prol da promoção, manutenção e apoio ao aleitamento materno.
O que diz a Lei portuguesa sobre a amamentação no regresso ao trabalho
Artigo 47.º – Dispensa para amamentação ou aleitação
1 – A mãe que amamenta o filho tem direito a dispensa de trabalho para o efeito, durante o tempo que durar a amamentação.
2 – No caso de não haver amamentação, desde que ambos os progenitores exerçam atividade profissional, qualquer deles ou ambos, consoante decisão conjunta, têm direito a dispensa para aleitação, até o filho perfazer um ano.
3 – A dispensa diária para amamentação ou aleitação é gozada em dois períodos distintos, com a duração máxima de uma hora cada, salvo se outro regime for acordado com o empregador.
4 – No caso de nascimentos múltiplos, a dispensa referida no número anterior é acrescida de mais 30 minutos por cada gémeo além do primeiro.
5 – Se qualquer dos progenitores trabalhar a tempo parcial, a dispensa diária para amamentação ou aleitação é reduzida na proporção do respetivo período normal de trabalho, não podendo ser inferior a 30 minutos.
6 – Na situação referida no número anterior, a dispensa diária é gozada em período não superior a uma hora e, sendo caso disso, num segundo período com a duração remanescente, salvo se outro regime for acordado com o empregador.
7 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo.
Artigo 48.º – Procedimento de dispensa para amamentação ou aleitação
1 – Para efeito de dispensa para amamentação, a trabalhadora comunica ao empregador, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa, que amamenta o filho, devendo apresentar atestado médico se a dispensa se prolongar para além do primeiro ano de vida do filho.
2 – Para efeito de dispensa para aleitação, o progenitor:
a) Comunica ao empregador que aleita o filho, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa;
b) Apresenta documento de que conste a decisão conjunta;
c) Declara qual o período de dispensa gozado pelo outro progenitor, sendo caso disso;
d) Prova que o outro progenitor exerce atividade profissional e, caso seja trabalhador por conta de outrem, que informou o respetivo empregador da decisão conjunta.