Alguns estudos realizados ao longo do tempo têm concluído que existem hábitos que podem ajudar a prevenir a demência, termo utilizado para definir um conjunto de doenças em que existe deterioração do desempenho cognitivo e comportamental. Em 2020, uma investigação publicada na revista científica The Lancet demonstrou que o risco de desenvolver demência podia ser reduzido em até 40%, alterando alguns fatores relacionados com o estilo de vida.
Vários especialistas têm sugerido que os padrões de sono, por exemplo, podem contribuir para o risco de desenvolvimento de demência, visto que o sono é fundamental para o um bom desempenho cognitivo e consolidação da memória.
Um estudo de 2021, realizado por investigadores da Universidade de Harvard, nos EUA, descobriu que os participantes que dormiram menos de cinco horas por noite tinham o dobro da probabilidade de desenvolver demência em comparação com aqueles que dormiram seis a oito horas por noite.
Agora, investigadores norte-americanos deram conta de que os sonos profundos podem fazer uma diferença imediata para as pessoas que têm sinais precoces da doença, ajudando os mais velhos a evitarem perdas de memória provocadas pela doença de Alzheimer, por exemplo.
A Organização Mundial de Saúde estima que, atualmente 55 milhões de pessoas sofram de demência em todo o mundo, com 10 milhões de novos diagnósticos a surgirem por ano. A demência é a sétima causa de morte em pessoas mais velhas, e o Alzheimer é sua a forma mais comum, representando 70% dos diagnósticos.
Na nova investigação, publicada na revista BMC Medicine, os investigadores analisaram 62 adultos saudáveis com mais de 65 anos, sendo que nenhum deles tinha diagnóstico de demência antes do início do estudo.
A equipa realizou Tomografias por Emissão de Positrões (PET) com o objetivo de medir a quantidade de placas amiloides nos cérebros dos voluntários. As placas amiloides são depósitos de fragmentos das proteínas conhecidas por beta-amiloides, tóxicas para os neurónios e ligadas a doenças como o Alzheimer.
Além disso, os investigadores monitorizaram a qualidade dos sonos dos voluntários a partir de eletroencefalogramas (EEG), que gravam a atividade elétrica cerebral – as ondas cerebrais alteram de acordo com as diferentes fases do sono, sendo que o sono profundo é caracterizado por ondas lentas e dura até 40 minutos por ciclo de sono (normalmente, uma pessoa tem entre quatro e seis ciclos de sono por noite).
Os investigadores explicam que as PET mostraram que metade dos participantes tinha grandes quantidades de placas amiloides e, entre esse grupo, os que tiveram um sono mais profundo também revelaram melhor desempenho nos testes de memória. A outra metade não demonstrou qualquer doença óbvia.
Além disso, a equipa afirma que apenas a fase de sono profundo do ciclo do sono ajudou a preservar a memória. Uma explicação possível “é que, especificamente durante o sono profundo, as memórias são reproduzidas no cérebro, e isso resulta numa reorganização neural que ajuda a estabilizar a memória e a torná-la mais permanente, um processo a que chamamos de consolidação da memória”, diz Zsófia Zavecz, investigadora na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e uma das autoras do estudo.
Mas também pode ser porque o sono profundo – a etapa restauradora do sono, em que o corpo é restaurado e armazena memórias do dia, sendo muito importante também pela sua ação repousante – aumenta a capacidade de o cérebro formar novas ligações neurais.
“Se acreditamos que o sono é tão crítico para a memória, pode ser uma das peças que faltam no puzzle, que explica exatamente porque é que duas pessoas com a mesma quantidade de doença têm uma memória diferente?” pergunta Matthew Walker, professor de neurociência e psicologia na Universidade da Califórnia, e autor sénior do estudo, acrescentando que, caso isso acontecesse, “seria emocionante, porque o sono é algo que podemos mudar”.
Apesar dos resultados, este estudo tem limitações, como, por exemplo, o facto de ter mostrado que o sono modifica o efeito da proteína amilóide na função da memória, não tendo, contudo, provado a causa.