A cimeira da NATO em Haia, a 24 e 25 de junho de 2025, surge num momento de viragem histórica para a Aliança Atlântica e para a própria arquitetura de segurança europeia. Com Donald Trump de regresso à presidência dos Estados Unidos da América, o futuro da NATO encontra-se numa encruzilhada: entre a reafirmação do compromisso transatlântico e a possibilidade de um novo paradigma, mais europeu, para a defesa coletiva.
O grande elefante na sala de Haia será, sem dúvida, a exigência de Trump de que os aliados aumentem as suas despesas de defesa para 5% do PIB. Esta proposta, que mais do que duplica a já ambiciosa meta dos 2%, é vista por muitos na Europa não como um apelo à partilha de encargos mas como uma prova de lealdade transacional. A Europa enfrenta, portanto, um desafio que implicará escolhas políticas difíceis e, possivelmente, impopulares.
A lógica de Trump é simples: os EUA querem libertar-se do fardo da segurança europeia para focar-se no Indo-Pacífico e nas suas fronteiras. Ao questionar o compromisso norte-americano com a NATO, sobretudo face a aliados que investem pouco em defesa, reabre-se o debate sobre a fiabilidade do guarda-chuva nuclear dos EUA.
Perante a imprevisibilidade de Washington, cresce na Europa a urgência de uma NATO mais autónoma, menos dependente dos EUA. A famosa “autonomia estratégica” está no centro do debate; ambígua para uns, essencial para outros. Já não basta gastar mais, é preciso gastar melhor. É preciso reforçar a produção industrial, a logística, a inteligência e o comando europeus. França, Reino Unido e outros países europeus lideram esforços para apoiar a Ucrânia e, no futuro, garantir a defesa europeia, mesmo sem envolvimento total de Washington.
Este cenário traz riscos e oportunidades. Por um lado, uma NATO mais europeia pode reforçar a coesão e a resiliência do continente, tornando-o menos vulnerável a mudanças de políticas em Washington. Por outro lado, a ausência dos EUA significaria perder, a curto prazo, acesso a recursos, inteligência e capacidades militares sem paralelo, o que poderia enfraquecer a dissuasão face à Rússia.
Mas será que Paris e Londres estarão verdadeiramente disponíveis para complementar, ou, em último caso, substituir, a dissuasão nuclear dos EUA na Europa? E qual será o papel da Alemanha neste contexto? São tudo questões que a curto e médio prazo não têm uma resposta concreta.
Não obstante, no passado dia 5 de junho, em Bruxelas, e no âmbito da preparação da próxima Cimeira da NATO, os ministros da Defesa da Aliança acordaram, em princípio, aumentar a despesa relacionada com a segurança para 5% do PIB até 2032. Deste montante, 3,5% serão alocados diretamente a despesas militares, enquanto os restantes 1,5% serão destinados a áreas conexas, como infraestruturas e cibersegurança. Esta decisão constitui uma resposta direta às exigências dos EUA e à pressão exercida pelo Presidente Donald Trump.
Para Portugal, membro fundador da NATO, o dilema é claro: alinhar com as exigências norte-americanas, mesmo à custa de pesados investimentos, ou apostar numa maior integração europeia na defesa, sem perder o vínculo transatlântico. A resposta não é simples. O País depende do equilíbrio entre a solidariedade atlântica e a construção de uma Europa da Defesa, capaz de responder autonomamente às ameaças do século XXI.
Se a NATO confirmar, na próxima cimeira, a meta de destinar 5% do PIB à Defesa até 2032, uma expectativa do secretário de Estado Marco Rubio nas felicitações do Dia de Camões aos portugueses, Portugal enfrentará uma transformação profunda na gestão orçamental. Este esforço exigirá mais do que vontade política. Será preciso implementar reformas estruturais, investir em projetos na área da Defesa e aumentar a eficiência. Além disso, será essencial alinhar-se de forma mais estreita com a estratégia europeia para a Defesa.
Um instrumento que poderá ser relevante neste contexto, como solução imediata, é a Cláusula de Escape Nacional do novo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Ao abrigo do artigo 26 do Regulamento (UE) 2024/1263, os Estados-membros poderão aumentar temporariamente a despesa em defesa até 1,5% do PIB por ano, mesmo ultrapassando o défice de 3%, sem incorrer em sanções. Portugal já sinalizou a intenção de recorrer a este mecanismo.
A defesa nacional está, assim, a emergir como prioridade orçamental. Mas o verdadeiro desafio será garantir que este investimento não compromete outras áreas sociais fundamentais. Um equilíbrio delicado que exigirá, por parte de Portugal, uma maior coordenação entre parceiros europeus, sem comprometer a sua relação transatlântica.
Além do aumento da despesa em defesa, não se pode ignorar como a Aliança lidará com as ameaças. Destaca-se, em particular, a aproximação sino-russa no xadrez geopolítico global. Esta transição de poder desafia a preeminência dos EUA e do Ocidente na ordem mundial, bem como a sua influência em regiões como a África e a América do Sul. À luz de possíveis negociações de cessar-fogo entre Washington, Kiev e Moscovo, importa ainda perceber como a Rússia continuará a ser classificada. Qual é o grau de ameaça à segurança euro-atlântica? E a China? Passará a integrar essa mesma avaliação? A resposta poderá estar no Communiqué final da Cimeira de Haia.
Neste contexto, a questão do apoio à Ucrânia continuará a ser central. A relutância de uma administração Trump em manter o nível de ajuda a Kiev é uma preocupação palpável. A Europa terá de demonstrar em Haia, se assim o quiser, que está preparada para assumir uma maior fatia do fardo, não apenas financeiramente mas também no fornecimento de equipamento militar e no treino das forças ucranianas. A cimeira de Haia será portante um teste decisivo à capacidade europeia de transformar discurso em ação.
Por último, urge uma reflexão estratégica sobre os novos desafios tecnológicos. O que decidirá a Aliança sobre a ameaça aos sistemas de defesa de mísseis, especialmente em relação aos mísseis hipersónicos adversários? Qual será o impacto da Inteligência Artificial e da tecnologia quântica nos processos de tomada de decisão no futuro próximo? E nas rules of engagement da NATO (ROE)? Que resposta dará a cimeira a estas questões? Ou se dará de todo.
A cimeira de Haia será, portanto, um momento decisivo para a NATO responder a estas questões e pôr à prova a sua capacidade de se reinventar num mundo cada vez mais multipolar e imprevisível. Embora não se esperem respostas definitivas, as discussões e decisões ali tomadas irão moldar de forma determinante o rumo da Aliança para a próxima década.
O destino da Aliança Atlântica joga-se, mais do que nunca, na encruzilhada entre Trump e a Europa. Haia será o palco onde se decidirá se os EUA continuarão a ser o pilar quase exclusivo da segurança e defesa coletiva europeia, ditando as suas regras, ou se a NATO se transformará, finalmente e progressivamente, numa verdadeira aliança de iguais entre os EUA e a Europa.
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