Investigadores da Universidade de Cambridge, em Inglaterra, da Harvard Medical School, em Boston, Massachusetts, EUA, e de várias insitituições médicas da China concluíram, numa investigação muito inicial, que pode haver uma ligação entre o uso regular de laxantes e o risco de demência.
De acordo com a equipa, esta relação foi mais notória quando se analisou a utilização de laxantes osmóticos, muito utilizados em doentes com obstipação e hemorroidas ou fissuras anais, para amolecer as fezes e diminuir a dor com a defecação, comparativamente aos laxantes estimuladores, que aumentam a atividade motora intestinal.
A investigação incluiu dados de cerca de uma década de autorrelatos de quase meio milhão de adultos do Reino Unido, entre os 40 e os 69 anos, sendo que a equipa analisou, inicialmente, o estado de saúde e comportamentos relacionados com o estilo de vida dos participantes. Com esta análise, deu conta de que 3,6% dos voluntários utilizou laxantes de venda livre quase todos os dias da semana, nas quatro semanas anteriores, de acordo com os seus relatos.
Além disso, a equipa descobriu que 2187 participantes da investigação tinham sido diagnosticados com algum dos vários tipos de demência, incluindo Alzheimer e demência vascular, sendo que 1,3% dos participantes que utilizavam regularmente laxantes foram diagnosticados com demência e 0,4% dos que não relataram uso regular de laxantes também tiveram o mesmo diagnóstico. “O uso regular de laxantes foi associado a um risco maior de demência por todas as causas, particularmente naqueles que usaram vários tipos de laxantes ou laxantes osmóticos”, lê-se, no estudo.
De acordo com os investigadores, a explicação para estas descobertas, que devem, contudo, ser interpretadas com cautela, pode estar relacionada com a composição do microbioma humano, ou seja, a comunidade de microrganismos que vivem nos diversos habitats do corpo humano, particularmente no intestino: é, na verdade, neste órgão que se encontra a maior população de microrganismos do corpo humano, mais de 100 triliões, formando a microbiota intestinal.
A equipa explica ainda que os laxantes osmóticos podem ter um impacto duradouro no microbioma, podendo aumentar a produção de toxinas intestinais. Além disso, afirma que a produção de neurotransmissores necessários para a função cognitiva normal pode ficar comprometida e a barreira epitelial, que atua na defesa contra agentes infeciosos como bactérias e vírus, também pode romper devido ao uso constante de laxantes.
Vários especialistas de diferentes áreas estão, contudo, céticos relativamente aos resultados deste estudo, publicado esta quarta-feira na revista Neurology, não só porque são baseados em autorrelatos, mas também porque, na sua ótica, não existem ainda dados suficientes para sustentar as conclusões de forma segura, muito menos o período de tempo em que o estudo foi realizado foi suficiente, justificam. Alguns abordam, também, a falta de diversidade dos participantes (90% dos voluntários eram brancos).
Em declarações à CNN, o médico Ali Rezaie, que não esteve envolvido no estudo, diz que, apesar de o estudo comparar a quantidade de participantes que usavam regulamente laxantes com o número de pessoas com obstipação, os dois grupos podem não se sobrepor. “Como é que a prevalência de obstipação no estudo foi de apenas 3%?”, pergunta. “Isto diz-me simplesmente que eles não consideraram todos os doentes com obstipação, mas sim aqueles que mencionaram tomar regularmente laxantes sem receita médica”, acrescenta ainda, referindo que “é muito incomum encontrar apenas 3% de uma população com obstipação.”
Os investigadores alertam que os resultados da investigação não devem fazer com que as pessoas deixem de tomar laxantes por pensarem que vão sofrer de demência no futuro. Devem ser realizados mais estudos e de maneira mais extensa para se conseguir encontrar evidências concretas que possam vir a alterar, ou não, práticas médicas no que diz respeito ao problema da obstipação.