A maioria das análises feitas sobre o impacto da Covid-19 na vida dos cidadãos surgiram muito próximas do fenómeno. Agora, com maior distância temporal, é possível fazer uma outra análise. Um novo estudo, liderado por investigadores da Universidade McGill, no Canadá, e publicados no British Medical Journal, fez exatamente isso. Depois de uma revisão de 137 estudos, a equipa conclui que a pandemia resultou em mudanças “mínimas” nos sintomas de saúde mental entre a população em geral.
“As alegações de que a saúde mental da maioria das pessoas se deteriorou significativamente durante a pandemia foram baseadas principalmente em estudos individuais que são ‘instantâneos’ de uma situação específica, num local específico, num momento específico. Estes normalmente não envolvem nenhuma comparação de longo prazo com o que existia antes ou veio depois”, afirma Brett Thombs, professor de psiquiatria da Universidade McGill e autor do estudo. “A [questão da] saúde mental na Covid-19 é muito mais subtil do que as pessoas imaginam”, conclui.
Apesar disso, durante o estudo, os investigadores da Universidade McGill reconheceram que as mulheres pioraram os sintomas de ansiedade, depressão ou sintomas gerais de saúde mental durante a pandemia. As causas variam, desde mais responsabilidades familiares, a mais trabalho, ou, em alguns casos, devido à violência doméstica. “O agravamento significativo dos sintomas entre as mulheres ou membros do sexo feminino da população é motivo de preocupação”, lê-se no estudo.
Além disso, os especialistas notaram que os sintomas de depressão pioraram em “quantidades de mínimas a pequenas” em adultos mais velhos, estudantes universitários e em pessoas que se identificaram como parte de um grupo minoritário.
Os investigadores explicam que as suas descobertas abrangiam a maioria dos grupos, incluindo diferentes idades, sexos, géneros e se as pessoas tinham condições pré-existentes. Três quartos da investigação recaíram sobre a adultos, principalmente de países desenvolvidos.
Peter Tyrer, professor emérito de psiquiatria comunitária do Imperial College London, enfatizou que o trabalho era “de boa qualidade e reflete muito do que sabemos agora”. Mas há vários especialistas que consideram que esta conclusão pode ser problemática para os grupos que sentiram na pele o agravamento dos seus sintomas.
Gemma Knowles, do Centro para Sociedade e Saúde Mental do King’s College London, que não participou no estudo, diz que as descobertas ecoam outras pesquisas, incluindo a sua, demonstrando que a saúde mental de algumas pessoas melhorou e a de outras piorou durante a pandemia, o que pode significar que não houve nenhum aumento geral.
“ [O estudo] corre o risco de obscurecer efeitos importantes entre os grupos mais afetados e desfavorecidos e, a partir disso, obscurecer o possível alargamento das desigualdades no sofrimento mental que ocorreram devido à pandemia”, afirma Knowles.
“Ainda não temos o quadro completo e são necessários mais estudos sobre o impacto da pandemia em grupos que sofrem desigualdades sociais e no âmbito da saúde a longo prazo. Sabemos que os serviços de saúde mental sobrecarregados e subfinanciados não conseguiram atender à crescente demanda nos últimos anos” concorda Roman Raczka, presidente da divisão de psicologia clínica da British Psychological Society, que também não fez parte da investigação.
A equipa da Universidade McGill concluiu, ainda assim, que os governos e os agentes de saúde precisam de produzir dados de saúde mental de melhor qualidade e mais oportunos para direcionar melhor os recursos, e que os governos devem continuar a financiar adequadamente os serviços, especialmente para os grupos mais afetados pela pandemia.