Várias vozes da comunidade de psiquiatria, nacional e estrangeira, levantaram-se ultimamente para corrigir uma conclusão de um estudo recém-publicado na revista científica Molecular Psychiatry sobre a relação direta do nível de serotonina (neurotransmissor cerebral) como causa de depressão, pondo em causa a eficácia do tratamento da doença com antidepressivos.
A investigação de um conjunto de cientistas, sedeados na londrina University College, no Reino Unido, liderada por Joanna Moncrieff, psiquiatra e académica britânica, reviu 17 linhas de pesquisa sobre o assunto, já publicadas anteriormente.
Um artigo publicado no site da organização britânica Science Media Centre reúne uma série de opiniões de especialistas em saúde mental, no sentido contrário ao do estudo.
Mas, porque é que as conclusões têm causado polémica e reações contrárias às da autora? Como explica Gustavo Jesus, médico psiquiatra e diretor clínico da PIN – Partners in Neuroscience, “aquele estudo não traz nada de novo”.
Para o especialista em saúde mental, “a seleção dos estudos é enviesada – o que aliás vai ao encontro da literatura da autora, com vários livros publicados contra o uso de antidepressivos. A própria escreve na descrição da revisão que alguns dos estudos têm má qualidade e estudos mais recentes sobre a serotonina não foram incluídos.”
A saber, por exemplo: Já este ano, um estudo de David Nutt, mostra que existe uma alteração na capacidade de ligação da serotonina em alguns doentes com depressão; outra revisão, também publicada na revista científica Molecular Psychiatry, em 2021, também mostrou que há algumas alterações metabólicas no sangue periférico do metabolismo da serotonina.
Joanna Moncrieff parece não ter tido em conta a multiplicidade de causas possíveis de uma depressão, revelando uma visão simplista do problema. Para Gustavo Jesus é uma visão “sobretudo enviesada, pois quer transmitir a mensagem de que os médicos, e os psiquiatras em particular, prescrevem antidepressivos sem razão para o fazerem.”
Para o médico, o estigma contra esta classe de fármacos, ao qual se dá o nome de inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) e que inclui fluoxetina, citalopram e sertralina, entre outros, continua a existir na sociedade, muito por conta de uma corrente forte em termos de cultura popular, de opinião pública, com origem nos anos 1960, quando “os fármacos tinham de facto muitos efeitos adversos”, algo que hoje não acontece.
É preciso reforçar que existem “múltiplas linhas de investigação que mostram que a depressão é uma doença multifatorial, relacionada com os neurotransmissores, mas também com a neurodegeneração, com os mecanismos inflamatórios e com mecanismos de outra ordem, em que os medicamentos relacionados com a serotonina, indiretamente, também atuam.”
Gustavo Jesus descomplica e dá um exemplo mais ilustrativo: “Quando temos uma dor de cabeça, usamos paracetamol para a tratar. Mas, ninguém acha que a dor de cabeça seja causada por falta de paracetamol no cérebro.”
Sabendo que não há apenas um tipo de depressão, logo não pode haver apenas um único tratamento, toda a cautela é pouca nas generalizações. “A própria entidade depressão é muito heterogénea. Como o nosso conhecimento sobre o cérebro ainda carece de mais informação – conhece-se parcialmente os mecanismos da depressão, mas não totalmente – é por esse motivo que os antidepressivos não vão ter o mesmo efeito em todos os doentes”, explica o médico.
E exemplifica melhor: “Quando falamos de pneumonia, a doença pode ser causada por diversos vírus ou ter uma localização em determinada zona do pulmão”, o que não a torna toda igual.
Quando estudos como este tentam pôr em causa a eficácia dos antidepressivos, o psiquiatra é perentório: “Os antidepressivos não causam dependência, não são um fármaco com potencial de dependência. Os antidepressivos não perdem efeito. Se se tomar um antidepressivo, ao longo de dez anos, o efeito é sempre o mesmo e não se sente a necessidade de aumentar a dose. Os antidepressivos são eficazes no tratamento da depressão. É importante não confundir com os opioides, substância que causa dependência e isso é conhecido, um tipo de medicamento que tem tolerância, ou seja, faz cada vez menos efeito.”