São muitos os fatores que podem servir de gatilho para uma maior ou menor sensação de dor, e a alimentação é um deles. O que se come diariamente tem um impacto direto na algesia e pode mesmo ser a chave para o sucesso – ou insucesso – de um tratamento. Embora seja “importante realçar que não se trata dor aguda ou crónica unicamente com alimentação/nutrientes só per si”, diz Telmo Barroso, nutricionista e membro da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), há já evidência de que “a alimentação saudável tem um impacto significativo na prevenção e no tratamento da dor”, esclarece o nutricionista João Silva Martins, da Clínica Lusíadas Sacavém.
De acordo com a nutricionista Lillian Barros, a nutrição faz parte da “visão holística” que se deve ter da dor, uma vez que “a alimentação contribui para melhorar as funções dos sistemas nervoso, imunitário e endócrino, o que impacta diretamente nas experiências de dor”. Além disso, a alimentação, quando saudável e equilibrada, consegue mesmo ser um escudo protetor contra um dos fatores que mais contribuem para a dor: o excesso de peso. “Um índice de massa corporal (IMC) elevado e a massa gorda estão fortemente associados a episódios de dor lombar, a uma maior intensidade da dor e a um nível de incapacidade superior”, exemplifica a especialista, também autora do livro A Comida que Vai Mudar a Sua Vida, editado pela Manuscrito.
Segundo a nutricionista Maria Antónia Ruão, do Hospital CUF Porto, “há vários tipos de dor que são associados a alguns triggers [gatilhos] alimentares; alguns tipos de alimentos podem provocar alguns tipos de dor”. Em causa estão as características inflamatórias e anti-inflamatórias que alguns alimentos podem ter. Embora saliente que “não há uma alimentação inflamatória” – nem tão pouco dietas milagrosas contra a dor – e que é na variedade, no equilíbrio e na personalização que está o ganho, Maria Antónia Ruão explica que “há alimentos que podemos consumir que atenuam a dor crónica, pois evitam a libertação de citocinas pró-inflamatórias, de componentes que aumentam a inflamação, e aumentar a inflamação, no limite, aumenta a dor”. Na prática, frisa Telmo Barroso, “a diminuição da expressão anti-inflamatória cursa com a diminuição da dor e melhoria da qualidade de vida”.
João Silva Martins, nutricionista na Clínica Lusíadas Sacavém, aponta os alimentos ricos em ómega-3 e antioxidantes como “os campeões” com propriedades anti-inflamatórias, enumerando alguns: “peixes, como salmão, atum, sardinha e cavalinha; nozes, amêndoas, castanhas em geral; tomate; morango, mirtilos, abacate, cereja, laranja, maçã; folhas verdes, como espinafre e couve; gengibre e açafrão”. Mas, se por um lado, estes alimentos apresentam uma ação anti-inflamatória atuando positivamente na sensação de dor, há também alimentos que servem de trampolim para o agravamento da algesia, caso dos “hidratos de carbono refinados, como pão branco ou massas não integrais; comidas processadas, como bolachas, nuggets, salsicha e outros alimentos industrializados que tendem a conter um alto índice de gorduras não saudáveis (como gorduras saturadas e gordura trans); frituras; refrigerantes; margarina e carnes vermelhas”, diz o nutricionista. A esta lista, Maria Antónia Ruão acrescenta o açúcar, que é um pró-inflamatório. “Todos os alimentos ricos em açúcar, o açúcar simples, são de evitar, sem dúvida alguma”, sugere.
Em casos específicos e sob aconselhamento de um profissional, a suplementação pode também ser uma aliada no combate à dor. Para Maria Antónia Ruão, “em pessoas com alguns tipos de doença”, pode fazer sentido fazer suplementação de ómega-3, “que vai resultar num mecanismo central, vai fazer uma modulação, por assim dizer, que vai interferir na transcrição de mediadores inflamatórios. Ou seja, se conseguirmos ter uma boa quantidade de ómega-3, vamos conseguir uma atenuação ou um alívio da dor, uma hipoalgesia, que é proporcionada por essa suplementação”. Também a vitamina D é apontada pela especialista como um nutriente ao qual se deve dar uma “atenção positiva”, pois “está associada a este tipo de ação, acaba também por ajudar a modular porque aumenta a atividade serotoninérgica. Se tivermos mais serotonina, há um aumento da boa-disposição, uma melhoria do humor e uma melhoria da dor”, explica. Lillian Barros destaca ainda “suplementação com curcumina”, que, a par da suplementação de ómega-3, “tem demonstrado efeitos positivos na redução do estado inflamatório e, consequentemente, na atenuação da dor”.
No combate à dor a água deve igualmente estar no centro das atenções, visto que “o mau aporte hídrico, ou seja, uma ligeira desidratação aumenta a sensibilidade à dor”, alerta Maria Antónia Ruão.
A importância de cuidar do microbioma intestinal
“Uma vez que o microbioma intestinal é um modulador crucial da dor visceral, o futuro do tratamento da dor certamente passará também pela exploração da relação entre a microbiota intestinal e a dor crónica”, diz a nutricionista Lillian Barros. Sobre a importância do microbioma (ou microbiota), a nutricionista Maria Antónia Ruão não deixa de destacar que, “a cada dia, há mais estudos acerca deste tema, que se tem revelado de muita importância e que poderá ser chave na melhoria da saúde e ajudar no controlo da dor”. Na prática, explica a nutricionista da CUF, “um bom equilíbrio da microbiota intestinal ajuda na saúde em geral. Se não tivermos uma boa microbiota, há uma destruição de nutrientes, há menos enzimas”. Além disso, continua, “a microbiota é responsável pela síntese de vitaminas como a K e a D”.
Ao nível científico, Maria Antónia Ruão diz que “o intestino está a ser alvo de grandes estudos e na sua importância no controlo da dor”, uma vez que “a disbiose, uma microbiota não equilibrada, pode levar à dor, como a cólica intestinal e o intestino irritável”. A inclusão na alimentação de probióticos e prebióticos pode ser a chave do sucesso, sendo que, alerta, “se temos alergia ou intolerância, deve-se evitar, porque as intolerâncias aumentam a disbiose”. Para Maria Antónia Ruão, cuidar do microbioma intestinal é uma forma de garantir “que não só os nutrientes como os fármacos são absorvidos da melhor maneira”.
Os melhores alimentos para cada problema
Seguir uma alimentação saudável, variada e equilibrada, preferencialmente sob o olhar atento de um nutricionista ou médico, é meio caminho andado para evitar picos de dor à boleia do que se come. Os alimentos, por si só, não fazem milagres, mas importa prestar atenção àqueles que são considerados amigos e inimigos.
Dor crónica: salmão, atum, nozes, tomate, morango
“Peixes como salmão, atum, sardinha e cavalinha; nozes, amêndoas, castanhas em geral; tomate; morango, mirtilos, abacate, cereja, laranja, maçã; folhas verdes, como espinafre e couve; gengibre e açafrão” são alimentos com propriedades anti-inflamatórias que, segundo João Silva Martins, nutricionista da Clínica Lusíadas Sacavém, podem ajudar a combater a dor crónica. Telmo Barroso, nutricionista e membro da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor, acrescenta ainda chás, que são “ricos em compostos fenólicos e catequinas”, “alecrim, anis, cacau, canela, coentro, gengibre, hortelã, menta, orégano, pimenta, salsa e tomilho”, bagas frescas ou congeladas, pois são uma “fonte de fitonutrientes como os polifenóis e antocianinas” e ainda legumes e hortaliças, por serem uma “fonte de fibras, vitaminas, minerais e fitonutrientes, como bioflavonoides e carotenoides, com ação antioxidante e protetora da membrana celular”, e frutas “de preferência da estação e frescas, mas a opção congelada (polpas) também pode ser considerada”.
Dor menstrual: frutas, vegetais, cereais e fruto secos
Uma alimentação rica em frutas, vegetais, cereais integrais, sementes e frutos secos pode ser benéfica, devendo haver ainda uma especial atenção à ingestão de água. Uma revisão sistemática de estudos observacionais, publicada há dois anos na revista Gynecologic and Obstetric Investigation, associa ainda o consumo de peixe e laticínios a um melhor controlo da dor menstrual e revela que “a maioria dos estudos mostrou uma associação negativa entre dismenorreia e saltar refeições e seguir dietas para perder peso”. O nutricionista Telmo Barroso diz que “a carne vermelha em elevada quantidade e a carne vermelha processada/curada” são alimentos a evitar, assim como o “elevado consumo de queijo”. Para Lillian Barros, “a suplementação com ómega-3 pode ajudar”.
Dor de costas (lombar e cervical): sementes, nozes, leguminosas, vegetais, cereais e leite
A nutricionista Lillian Barros aconselha garantir “o aporte correto de vitamina D e magnésio”, mineral com ação positiva ao nível muscular e que pode ser encontrado em alimentos como “sementes, nozes, leguminosas, vegetais de folha verde escura, cereais pouco refinados e leite”, segundo o site do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável, da Direção-Geral da Saúde. Quanto à vitamina D, os alimentos com maior teor são os peixes gordos e óleos de peixe, mas pode também ser encontrada em alimentos fortificados como leite, bebidas e cremes vegetais, cereais de pequeno-almoço e pão. Para Lillian Barros, a “alimentação saudável no geral” é o caminho a seguir, sendo que se deve ter um “défice calórico no caso de excesso de peso”.
Dor articular: curcuma, bacalhau e cogumelos
“A curcumina (princípio ativo existente na curcuma) pode ajudar a diminuir o estado inflamatório”, refere Lillian Barros. Para combater a dor articular, como a causada pela artrite reumatoide, alimentos ricos em ómega-3 (presente no salmão, atum, cavala, arenque, dourada, sardinha, algas, chia, linhaça e cogumelos) e em vitamina A, C, E e selénio (presente no bacalhau) são também aliados, diz o Instituto Português de Reumatologia. Deve-se, então, privilegiar alimentos como batata-doce, abóbora, citrinos e amêndoa. Por outro lado, são de evitar alimentos ricos em “purinas e ácido úrico como as carnes gordas, enchidos, marisco e alguns vegetais como couve-flor, espargos, ervilhas e espinafres”, lê-se no site dor.com.pt.
Enxaqueca: sementes de linhaça, chia, nozes e peixes gordos
Para o nutricionista Telmo Barroso, pode ser benéfico privilegiar alimentos como “sementes de linhaça, chia e óleos (óleo de linhaça), alguns frutos oleaginosos (nozes) e os peixes gordos”. Porém, a enxaqueca tem os chamados gatilhos alimentares, que dependem de doente para doente, mas é sabido que “o álcool, o chocolate, os queijos envelhecidos e a cafeína” podem desencadear este tipo de dor, explica Maria Antónia Ruão, acrescentando que, enquanto numa cefaleia, o café pode ser um aliado, “numa enxaqueca, o café pode piorar. Alguns frutos secos também dão, às vezes, razão para termos enxaqueca”.
Fibromialgia: a melhor dieta
No caso da fibromialgia, “a dor e a sua repercussão funcional parece melhorar com alguns planos nutricionais: hipocalórico, vegetariano ou com baixa ingestão de alimentos fermentáveis (FODMAP). Outros parâmetros, como marcadores bioquímicos: proteína c reativa (PCR) ou IL6, qualidade do sono, ansiedade e depressão, são também utilizados para avaliar a resposta”, explica o nutricionista Telmo Barroso. De acordo com o estudo “Dietary Interventions in the Management of Fibromyalgia: A Systematic Review and Best-Evidence Synthesis”, publicado no ano passado na revista Nutrients, a suplementação com clorela ou coenzima Q10, ou uma combinação de vitamina C e E mostraram também melhorar a sensação de dor, embora mais estudos sejam necessários para comprovar a ligação entre estes alimentos e suplementos ao controlo da dor causada pela fibromialgia.
E ainda, conheça os 5 alimentos que a nutricionista Catarina Sofia Correia recomenda para diminuir o risco de doenças cardíacas. Pressão sanguínea, níveis de triglicéridos, níveis de colesterol ou de inflamação – há alimentos para tudo. Veja, no vídeo: