O café pode ser responsável por alterações a longo-prazo no cérebro, indica um novo estudo publicado no The Journal of Clinical Investigation. De acordo com os resultados obtidos, o café, “a substância psicoativa mais consumida em todo o mundo”, como indica o próprio estudo, pode ter impacto em várias atividades cerebrais, nomeadamente naquelas realizadas no hipocampo, uma região do cérebro crucial nos processos de aprendizado e memória.
A cafeína, conhecida pelas suas capacidades de aumento dos níveis de concentração e alerta, pode ter outras consequências no organismo humano, ainda que não tão imediatas. Um grupo de investigadores de várias instituições europeias, incluindo três portuguesas, reuniu-se para explorar os efeitos do café no hipocampo do cérebro utilizando, para isso, ratos.
A investigação ocupou um total de quatro semanas e dividiu os roedores em três grupos. Um dos grupos consumiu água durante duas semanas e café durante outras duas, outro dos grupos submeteu-se ao mesmo procedimento embora tenha começado primeiro com café e só depois com água e um terceiro grupo consumiu sempre água e café apenas durante 24 horas.
Os animais foram, durante do período de tempo de administração de água e café, submetidos a vários testes que incluíam, por exemplo, o cumprimento de determinada tarefa num labirinto. Posteriormente, todos os ratos foram sacrificados para que pudessem ser retirados e analisados os seus respetivos hipocampos.
Os resultados indicam que os cérebros dos animais que receberam cafeína sofreram alterações na atividade genética em vários tipos diferentes de células cerebrais o que teve repercussões no modo de aprendizagem e memória dos ratos. Algumas das mudanças verificadas persistiram, inclusive, depois de o grupo que começou por consumir café ter ficado duas semanas a ingerir apenas água.
Durante as atividades realizadas, nomeadamente a que envolveu o labirinto, os grupos que consumiram cafeína exibiram um aumento mais significativo na atividade dos genes, o que se assume como um indicativo positivo no que toca à memória e capacidade de aprendizagem. De acordo com os autores, essas descobertas indicam que a cafeína poderá ser a causadora de alterações a longo-prazo no cérebro, algumas das quais capazes de explicar a capacidade da substância de melhorar a função cognitiva.
O cérebro é dotado de neuroplasticidade, ou seja, a capacidade de se reestruturar ou reconectar quando reconhece a necessidade de adaptação, o que lhe permite continuar a desenvolver-se e a mudar ao longo da vida. O estudo provou-se pioneiro por ser o primeiro a associar o café a alterações diretas nessa capacidade de reorganização das células celulares. A associação entre o café e, por exemplo, melhorias na memória não são uma novidade. Vários estudos anteriores já estabeleceram, inclusive, ligações entre o consumo regular de café e a diminuição do risco de Alzheimer ou o consumo de café e o declínio cognitivo associado à idade. A novidade conhecida neste estudo está, não na associação do café a este tipo de benefícios, mas antes na confirmação de que o café pode de facto alterar a organização cerebral permitindo que este órgão consiga mais facilmente responder aos estímulos do exterior.
Rodrigo Cunha, professor catedrático na Universidade de Medicina de Coimbra e um dos autores do estudo, contou à VISÃO que, apesar dos seus quase 200 trabalhos sobre o tema, este não deixa de ser “sem dúvida o mais relevante” até porque pode ter um impacto real na farmacologia e no desenvolvimento de medicamentos que procurem explorar estas vantagens porque permite perceber as mudanças concretas que ocorrem no hipocampo após o consumo de cafeína.
Ainda assim, é importante salientar que as doses administradas aos animais durante o estudo eram controladas e mantinham-se próximas do valor de 03 g/L o que corresponde, em doses humanas, a valores entre os 200 e 400 mg diários, ou “duas a três chávenas de café”, como explica o professor, “a média de consumo”. Doses superiores podem apresentar resultados diferentes e, inclusive, negativos para o organismo até porque vários estudos anteriores já provaram que doses elevadas de café podem trazer vários malefícios para o organismo.
Rodrigo Cunha relembra ainda que o estudo não quer dizer que “se beber café vou ficar mais inteligente”, nem “se beber vou ter mais memória”. O café, ou concretamente, a cafeína, têm impacto na reorganização do cérebro e na rapidez com que este pode responder a dada situação, retardando, eventualmente, a perda natural dessas capacidades.