Os casos de hepatite aguda, de origem desconhecida e que estão a afetar crianças, sobretudo, entre os dois e os cinco anos, começaram por ser detetados no Reino Unido, mas já foram identificados, também, em quatro países da União Europeia. Desde que, no passado dia 12, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla inglesa) emitiu um alerta no sentido de “aumentar a atenção dos pediatras de outros países para casos semelhantes”, Dinamarca, Irlanda, Países Baixos e Espanha já reportaram o mesmo tipo de hepatite entre a sua população infantil, aos quais se juntaram os Estados Unidos da América. Em Portugal, o presidente da Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia (SPG) disse à Lusa não ter conhecimento de casos similares até ao momento.
Esta forma de hepatite, que já obrigou a seis transplantes de fígado em crianças no Reino Unido, está a intrigar médicos e cientistas porque não é provocada por nenhum dos vírus conhecidos como causadores da doença, seja ela do tipo A, B, C, D ou E. É uma hepatite nova, com origem diferente das que se conhecem, e evolui de forma agressiva, por vezes sem sintomas que possam levar a um diagnóstico precoce, mas já com grandes alterações ao nível da função hepática. A maioria dos pacientes não apresenta febre, um dos sinais comuns nas hepatites conhecidas.
Há casos, no entanto, em que é possível perceber mais cedo que algo não está bem. Pais, cuidadores e pediatras devem estar atentos a alguns sintomas, em especial a olhos e pele amarelos, a chamada icterícia, observada em “muitos casos” no Reino Unido. Segundo o ECDC, “problemas gastrointestinais, incluindo dor abdominal, diarreia e vómitos”, são outros sintomas que surgiram nas semanas anteriores em “alguns” pacientes em Inglaterra, Escócia e País de Gales. Os níveis altíssimos das transaminases, detetáveis através de análises ao sangue, significam que o fígado está em défice e confirmam o diagnóstico.
Prioritário determinar a origem
“A hepatite ligeira é muito comum em crianças na sequência de um conjunto de infeções virais, mas o que se está a assistir neste momento é completamente diferente”, salientou, à Sky News, Graham Cooke, professor de doenças infecciosas na universidade Imperial College London.
O Reino Unido reportou um total de 74 casos de hepatite aguda de causa desconhecida, 59 em Inglaterra, 13 na Escócia e 12 no País de Gales e Irlanda do Norte. O ECDC, a agência sanitária da União Europeia, não revelou a dimensão do problema na Dinamarca, na Irlanda, nos Países Baixos nem em Espanha, mas nos EUA são nove as crianças afetadas até ao momento, todas no Estado do Alabama.
Em todos estes países decorrem investigações com o objetivo de encontrar a origem deste novo tipo de hepatite, de acordo com o ECDC. No Reino Unido, as autoridades de saúde estão a solicitar testes ao sangue, à urina, à garganta e às fezes para se avaliarem possíveis causas virais, tóxicas ou químicas.
Um questionário realizado a vários pacientes sobre hábitos alimentares excluiu a comida como fonte do problema. As vacinas contra a covid-19 também estão descartadas, uma vez que nenhuma das crianças afetadas foi inoculada, assim como a pista das viagens internacionais já foi desconsiderada com elo de ligação entre os casos nos dois lados do Atlântico. Nesta fase inicial da investigação, a principal suspeita aponta para um agente infeccioso.
Talvez os adenovírus. Alguns dos pacientes escoceses e norte-americanos testaram positivo a estes vírus, responsáveis por “sintomas de uma constipação, faringite, amigdalite ou otite média”, segundo a Direção-Geral da Saúde portuguesa. “A maioria das infecções não requer qualquer intervenção terapêutica”, mas “em crianças muito pequenas podem ocorrer, ocasionalmente, situações mais graves como infecção disseminada, pneumonia grave, meningite e encefalite”. O Reino Unido avalia agora uma possível relação com esta nova hepatite que parece afetar especialmente crianças.
“Atendendo ao que aconteceu nos últimos dois anos, em que houve uma menor exposição das crianças a determinados vírus, nomeadamente ao adenovírus que é um vírus entérico e respiratório, pode haver agora um ressurgimento e uma maior gravidade destas infeções por adenovírus”, afirmou à Lusa Guilherme Macedo, presidente da SPG.
Por outro lado, também houve pacientes que acusaram positivo ao SARS-CoV-2, o vírus da covid-19, alguns dos quais os mesmos que testaram positivo aos adenovírus, sem que sejam claras possíveis implicações na misteriosa hepatite aguda, refere a Organização Mundial de Saúde. De acordo com a autoridade máxima da Saúde, “tendo em conta o aumento de casos reportados no último mês”, é previsível que essa tendência continue a verificar-se “nos próximos dias” e antes que os peritos consigam decifrar qual a origem do problema, definida como a grande prioridade. Até lá, os estados são “fortemente encorajados a identificar, investigar e reportar” casos que se enquadrem neste tipo de hepatite.