Existem mais de 100 milhões de biliões de microrganismos, entre bactérias, vírus, fungos, protozoários, parasitas e leveduras a viver dentro de nós e que desempenham um papel importante na saúde e bem-estar.
A especialista em medicina integrativa Alexandra Vasconcelos escreve sobre como a forma como vivemos, nos alimentamos e nos relacionamos com o ambiente “permite o crescimento e a manutenção destes microorganismos que alteram, influenciam e ludibriam o nosso sistema imunitário”.
A este conjunto de microrganismos que existem nomeadamente nos tecidos, peles e fluidos humanos, chamamos microbioma.
No livro “As bactérias que nos curam”, a autora promete ajudar a equilibrar o microbioma e a prevenir doenças, através de um plano de 14 dias, com receitas, dicas de suplementos e estratégias para limpar, reparar e regenerar o intestino e, desta forma, manter as suas bactérias controladas.
Que alimentos devemos eliminar ou reduzir
Uma dieta baseada em alimentos processados, fast food, fritos, comida embalada e cheia de químicos, que infelizmente é a preferida de muitas pessoas, tem sido associada a menor diversidade e quantidade de microrganismos intestinais. Este tipo de escolhas tem um impacto muito negativo na microbiota e na inflamação intestinais, impedindo que os grupos bacterianos benéficos assumam concentrações ótimas.
Vamos agora conhecer quais os piores alimentos e que, por isso, devem ser retirados ou diminuídos na sua alimentação.
Glúten (gliadina e glutenina)
O glúten resulta de uma mistura de proteínas (gliadina e glutenina) que existe nas sementes de vários cereais, como o trigo, a cevada e o centeio. Neste livro, interessa-nos perceber a relação que o glúten tem com a microbiota intestinal. Não é difícil entender que o ser humano não está geneticamente preparado para comer, digerir e absorver substâncias químicas inventadas pelo homem. O trigo que comemos atualmente nada tem que ver com o original; hoje tem muito maior concentração nestas duas proteínas do que o trigo originário.
Este processo de hibridação conferiu ao trigo e a outros cereais com glúten a capacidade de interferir com o sistema imunitário e originar reações de intolerância com manifestações intra e extraintestinais.
Nos adultos, essa manifestação intestinal pode assumir a forma de inchaço abdominal, cólicas, inflamação, diarreia, obstipação, flatulência. Mas o impacto extraintestinal do glúten é enorme. Quase todas as doenças estão associadas a alterações intestinais e o glúten é sempre um dos fatores presentes.
A gliadina, a proteína do glúten, é a principal responsável pelas reações de sensibilidade ou, pelo menos, a mais estudada. Esta proteína tem uma ação no aumento da produção de uma outra, a zonulina, responsável pela ação negativa na integridade da barreira intestinal. Os fragmentos indigeríveis da gliadina acumulam-se por baixo da parede do intestino, fazendo com que os enterócitos (célula intestinal) libertem um fator inflamatório (IL-8, interleucina-8), provocando também inflamação na parede do intestino. Assim, localmente, o glúten pode contribuir para a alteração da permeabilidade intestinal, com desequilíbrio da flora, inflamação e, muitas vezes, situações de candidíase intestinal associadas. Se não retirar o glúten da sua alimentação, este processo de alteração da permeabilidade intestinal induz um círculo vicioso de difícil saída. Hoje dispomos de muita informação científica que nos faz acreditar que todas as pessoas beneficiariam com a eliminação ou redução do glúten, mesmo que não sofram de intolerância ou alergia à gliadina.
Lácteos
Hoje estão muito estudados os mecanismos através dos quais o leite provoca distúrbios nos adultos. Não apenas devido à lactose (açúcar presente no leite), mas, especialmente, a um conjunto de proteínas que podem interferir com o nosso metabolismo e sistema imunitário.
Muitas pessoas pensam que o leite pode constituir uma boa fonte de Lactobacillus e outras bactérias importantes para a nossa microbiota. Mas, infelizmente, o leite que compramos no supermercado foi alvo de um processo de pasteurização. Este método permite a sua conservação durante meses e ao mesmo tempo destrói as bactérias benéficas existentes, que seria mesmo o único ponto positivo que atribuímos a esta
bebida. Tal como já abordámos, o leite da mãe é fundamental e determinante para uma microbiota saudável, não é pasteurizado e provém da mesma espécie de mamífero.
Como apenas uma percentagem mínima da população adulta produz lactase em quantidades suficientes para digerir a lactose (açúcar do leite), então este açúcar permanece no sistema digestivo, onde é fermentado por bactérias. Este processo exagerado de fermentação leva à produção de gases, que causam sintomas associados à intolerância à lactose. Como já está a imaginar, este açúcar não digerido, para além de provocar desconforto intestinal, gases, diarreia, obstipação e outros sintomas, vai alimentar um grupo especial de bactérias em detrimento de outros. Esta desregulação dos vários grupos funcionais bacterianos conduz à doença a longo prazo.
Um outro problema do leite tem a ver com a sinalização imunitária provocada pela proteína dos lácteos. O leite atual contém uma quantidade enorme de betacaseína A1, associada ao aumento de marcadores inflamatórios e sinalização imunitária.
Apesar de a pasteurização eliminar as bactérias do leite, também destrói muitos outros nutrientes essenciais, enzimas como a lípase e a fosfatase, indispensáveis para a digestão do leite e absorção do cálcio. Pelo contrário, a pasteurização e a ultrapasteurização mantêm os níveis das seguintes proteínas do leite: BTC (betacelulina), aquela que é capaz de interferir com o nosso sistema imunitário ligando-se a alguns genes; IGF-1 (insulin-like growth factor) e miRNAs exossomais, relacionadas com doenças metabólicas, diabetes e alguns tipos de cancro.
Refinados
Hidratos de carboidratos refinados são alimentos em que o grão inteiro foi submetido a processos de refinamento. Durante este processo, a maior parte do valor nutricional da planta é perdida, incluindo vitaminas, gorduras e fibras. O processo usado para refinar os hidratos de carbono faz com que a população de bactérias Firmicutes aumente, enquanto se reduzem os Bacteroidetes. Alimentam também fungos e
outros microrganismos patogénicos que desequilibram a nossa flora intestinal e intensificam a putrefação.
O consumo de alimentos refinados está intimamente ligado à desproporcionalidade entre os vários grupos de bactérias intestinais.
Devemos optar por hidratos de carbono de origem vegetal e integrais de forma a manter o microbioma saudável e alimentar as bactérias mais necessárias.
Aditivos alimentares
Muitos aditivos são agressivos para a mucosa intestinal e, apesar de estarem sempre escondidos na maioria dos alimentos que compramos já elaborados, vão provocando inflamação e maltratando a nossa microbiota. Os emulsificantes (polissorbato 80, carboximetilcelulose, ramnolipídeos, soforolipídeos, lecitina), aditivos do tipo detergentes usados para melhorar a textura dos alimentos e prolongar a sua vida, alteram a composição da microbiota do intestino.
O monolaurato de glicerol é um dos emulsificantes mais utilizados pela indústria alimentar, com evidência comprovada na redução de espécies como a Akkermansia muciniphila e no aumento da Escherichia coli.
Edulcorantes e açúcares refinados
O açúcar é o grande vilão da atualidade, está escondido por todo o lado e a lista dos efeitos prejudiciais que lhe são atribuídos não para de crescer. Existe uma relação direta entre a ingestão de açúcar e as infeções por Staphylococcus e por alguns fungos como a Candida albicans. Quando come açúcar está a permitir que estes «bichos» perigosos cresçam dentro de si.
Os adoçantes artificiais, como a sacarina, o aspartame e a sucralose, para além de criarem uma falsa sensação de doce, são ainda mais viciantes do que o açúcar, para além de lhes ser atribuído uma enormidade de efeitos prejudiciais. Estas substâncias químicas alimentam também as bactérias más e conduzem a quadros disbióticos. O uso destes produtos é completamente desaconselhado e deve por isso substituí-los, mas caso seja mesmo necessário adoçar algo use adoçantes naturais como mel, agave, estévia de folha verde, eritritol ou açúcar de coco.
Carragenina − E407
Este aditivo continua no mercado apesar de no site da ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) constar a seguinte descrição na lista dos aditivos alimentares: «mistura complexa de polissacáridos portadores de grupos sulfato na forma de sais de cálcio e magnésio, produzida por algas vermelhas (p. ex., Chondrus crispus e Gigartina stellata), é utilizada como emulsionante, espessante e gelificante; tem sido referida como causadora de colite ulcerosa e, quando degradada no intestino, pode ter ação carcinogénica».
A carragenina é um aditivo usado como espessante. É encontrado em muitos produtos, incluindo leite em pó para bebés, iogurte, leite de soja, leite de amêndoa, leite de coco e sorvete. Este aditivo é obtido a partir de algas vermelhas e recentemente tornou-se um tema polémico.
Embora possa ainda ser controversa a sua ação cancerígena, por talvez não haver estudos suficientes em humanos, a resposta imunológica que desencadeia já é unanimemente aceite. A carragenina causa inflamação no tubo digestivo mesmo em pessoas sem problemas intestinais.
Verifique os rótulos, especialmente de leites, iogurtes e cremes, mesmo os de origem vegetal. A única maneira de evitar a carragenina é fazendo os seus próprios leites, cremes e iogurtes ou ser muito cuidadoso com os produtos que compra. Assim, verifique sempre se na lista de ingredientes não consta este aditivo, que pode estar mencionado também como E407.
Carnes e pré-embalados
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a carne deve ser consumida em pequenas quantidades, sobretudo a carne vermelha (cerca de 100 g a 120 g por dose), e não mais do que três a quatro vezes por semana.
Abordámos anteriormente a importância do microbioma na prevenção de doenças cardiovasculares. As bactérias intestinais podem produzir metabolitos que estão associados a estas doenças. Falamos na trimetilamina (TMA), que se oxida em N-óxido de trimetilamina (TMAO). Esta molécula é formada pelas bactérias do intestino ao metabolizar a L-carnitina e a colina presentes nos produtos de origem animal, nomeadamente as carnes. Ao ingerirmos carnes vermelhas em maiores quantidades, aumentamos a concentração de N-óxido de trimetilamina, a qual poderá aumentar o risco de doença inflamatória, afetar a coagulação do sangue e a atividade plaquetária. Por essa razão, quando aumentam as suas concentrações no sangue, aumenta o risco de trombose.
O excesso de consumo de carne também altera a nossa flora intestinal, desequilibrando a proporção entre bactérias fermentativas e proteolíticas.
Como sabemos, existem bactérias benéficas que necessitam de alimentos de origem animal, mas estas cepas bacterianas devem existir em quantidades bem controladas.
Opte por carnes orgânicas oriundas de animais alimentados ao ar livre, em pastos, e não sujeitos a hormonas, cortisonas, antibióticos e outros químicos que também matam a sua flora. Em Portugal temos carne nacional de ótima qualidade e que respeita todos estes requisitos.
Óleos e gorduras vegetais
Alguns óleos vegetais, como os de girassol, de milho ou de canola, oxidam rapidamente e quando os ingerimos podem ser responsáveis pela morte de bactérias no nosso trato digestivo. Quando as bactérias morrem, libertam para o sangue toxinas que vão exigir um esforço adicional do seu sistema de limpeza interno. Muitas destas toxinas estão também associadas a doenças e sinalização imunitária, caso não sejam devidamente eliminadas.
OGM (organismos geneticamente modificados)
Todos já ouvimos falar de organismos geneticamente modificados. Apesar de muito polémicos, a lista de efeitos nocivos ao organismo causados pelos OGM continua a crescer.
Várias entidades a nível mundial que se dedicam aos OGM, levando a cabo pesquisas continuadas, mostram que em estudos com animais estes produtos podem causar infertilidade, problemas imunológicos, acelerado envelhecimento, regulação deficiente da insulina, alterações nos principais órgãos, especialmente no sistema gastrointestinal.
Há indícios de que os OGM são metabolizados de maneira diferente no intestino relativamente aos alimentos não-OGM. Apesar de haver ainda dúvidas, se quer ter um intestino saudável, comece a pensar em evitar os OGM.
Agrotóxicos
Existem vários pesticidas, herbicidas e outros produtos tóxicos usados na produção agrícola de alimentos. O glifosato, herbicida usado para impedir o crescimento das ervas daninhas, é ainda hoje largamente utilizado apesar das evidências suficientes para o considerarmos altamente tóxico. O seu consumo está associado a inúmeros problemas de saúde.
Alimentos onde este tipo de produtos está presente têm também um impacto negativo na composição do microbioma intestinal por prejudicarem as bactérias boas e na permeabilidade intestinal.
O glifosato inibe uma via metabólica que conduz à produção de aminoácidos aromáticos, como o triptofano. As bactérias intestinais dependem desta via.
Lectinas
São proteínas presentes nas leguminosas e nalguns vegetais e que têm a capacidade de se ligarem aos hidratos de carbono formando glicoproteínas. Para além de equilibrarem o nível de proteína no sangue, podem ajudar no controlo do crescimento excessivo de vários tipos de bactérias, como a E. coli, e infeções fúngicas e virais. Mas a ingestão exagerada de alimentos ricos em lectinas pode provocar dano da parede
intestinal e mesmo constituir um dos vários fatores relacionados com o aumento da permeabilidade do intestino. Se já existir esta condição de porosidade do intestino, especialmente em doentes portadores de autoimunidade, é importante retirar este tipo de alimentos ou pelo menos reduzir drasticamente a sua ingestão até ser possível restabelecer a estrutura da mucosa.
Fodmaps
A dieta pobre em fodmaps (alimentos oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis), apesar de não ser a mais aconselhada, é importante em determinados períodos, quando o objetivo é melhorar sintomas intestinais. Assim, deve ser introduzida por um período de 4 a 6 semanas. É fundamental durante esse tempo tratar, limpar e regenerar o intestino, para depois ser possível reintroduzir paulatinamente os alimentos. Limpezas, controlar o SIBO, o crescimento anormal de alguns microrganismos, a inflamação e a permeabilidade das mucosas são aspetos a ter em conta nesta fase. Os alimentos com álcoois fermentáveis devem ser introduzidos o mais cedo possível, mas pouco a pouco, em pequenas quantidades, e com intervalos de 72 horas.
Quando existe síndrome do intestino irritável, em que normalmente as pessoas apresentam crises de diarreia com obstipação, acompanhada de dor e desconforto abdominal, deve mesmo considerar a hipótese de retirar algum destes alimentos.
Em contexto de disbiose, há uma desconfiguração dos recetores específicos dos açúcares simples. O intestino não os absorve e acumulam-se, criando diarreia, peristaltismo, inflamação e obstipação alternada com diarreia.
Uma restrição absoluta de fodmaps durante muito tempo origina uma enorme restrição de fibra que a longo prazo não é o desejado, devido ao impacto que provoca no crescimento de bactérias benéficas. É importante avaliar se há intolerância à frutose ou a outro elemento e resolver essas intolerâncias específicas.