“A diabetes é silenciosa”, avisa, desde logo, Mário Rui Mascarenhas. O endocrinologista preocupa-se sobretudo com a forma discreta como o tipo 2 desta doença entra na vida das pessoas. É que, como explica João Raposo, presidente da Associação Portuguesa de Diabetologia e diretor clínico e pedagógico da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), se a diabetes tipo 1 é muito sintomática, concentrando, no espaço de uma semana, uma série de sintomas alarmantes, na diabetes tipo 2, “os sintomas são lentos, muitas vezes associados à idade e acabam por passar muito mais despercebidos”.
A diabetes tipo 1 causa vários sintomas que podem chamar a atenção para a desregulação nos níveis de açúcar, mas a tipo 2 pode ser silenciosa
Mário Rui Mascarenhas refere que tal acontece, porque a destruição das células produtoras de insulina, que ocorre no tipo 1, provoca um súbito aparecimento de sintomas, sobretudo na fase de diagnóstico, enquanto que, no tipo 2, o aparecimento dos mesmos sintomas pode significar a presença de um estádio mais avançado da doença. Além disso, neste tipo de diabetes, acrescenta João Ségio Neves, endocrinologista no Hospital de São João e docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, os sintomas podem voltar a surgir após o diagnóstico, “sempre que o doente tiver a diabetes muito mal controlada”.
Seja como forma de precaução, de alerta para uma desregulação da diabetes tipo 2 ou como forma de detetar a diabetes tipo 1, os médicos consideram fundamental conhecer os principais sintomas. Até porque, como relembra Ana Filipa Lopes, endocrinologista da APDP, “mesmo níveis discretamente elevados de açúcar no sangue, que podem causar poucos sintomas, são responsáveis pela progressão das complicações da diabetes”.
1. Urinar muito
O excesso de urina (poliúria) é um dos primeiros sinais da diabetes. O açúcar que temos no sangue vem essencialmente da alimentação e, normalmente, entra para dentro das células graças à ação da insulina. “Não tendo nós a insulina a funcionar bem, o açúcar fica no sangue e o organismo só tem um modo de tentar descartá-lo, que é através da urina”, explica João Raposo. Para que este processo ocorra, o médico refere que os rins têm de diluir a glicose a fim de conseguir eliminá-la, “como se estivéssemos a diluir pacotes de açúcar, juntando muita água”. Desta forma, conclui o diretor clínico da APDP, “a pessoa urina muito, porque está a eliminar o açúcar que tem a mais no sangue”. O médico avisa ainda que, eventualmente, crianças que já não urinavam na cama, poderão voltar a fazê-lo.
2. Ter muita sede
A sede, afirma João Raposo, surge como mecanismo de compensação por causa da urina. “É como um alarme do próprio organismo que percebe que está a perder água e precisa que esta seja reposta. Estamos a falar de beber mesmo muitos litros de água e urinar esses mesmos muitos litros.”
O médico alerta para o facto de, muitas vezes, as pessoas deixarem de beber água por estarem a urinar muito. Esta é uma atitude que deve ser evitada, sublinha, pois os doentes podem começar a desidratar, “e a desidratação na diabetes descompensada pode matar”, relembra.
3. Fome excessiva
Os médicos partilham da opinião que a fome é o sintoma mais predominante nas pessoas com diabetes tipo 1, sobretudo na fase do diagnóstico, quando a diabetes ainda não está compensada. No entanto, nota Mário Rui Mascarenhas, a fome excessiva também pode ser sentida por pacientes com diabetes tipo 2 que tenham a doença muito descompensada, “em que os níveis de açúcar no sangue estejam muito elevados”.
O que acontece, explica João Raposo, é que, apesar de a pessoa estar a comer muito, as células têm fome, dado que o açúcar permanece no sangue e não entra nas células.
4. Perda de peso
João Sérgio Neves explica que, quando a diabetes está muito descontrolada, o organismo não consegue aproveitar a glicose que está no sangue, pois esta não entra para as células, fica em circulação e é eliminada na urina: “Ao perder muita glicose na urina, é como se a pessoa estivesse a eliminar calorias através dessa via.”
O que acontece depois é que, sem açúcar, “as células continuam a morrer, a encolher e a pessoa vai perdendo, inicialmente, as reservas de alguns açúcares, depois, as reservas de gordura e, por fim, os músculos”, conclui João Raposo.
5. Cansaço extremo
Ao perder peso, líquidos e açúcar, o corpo perde energia e sente-se mais cansado. “A energia não consegue chegar aos locais que precisam dela, como o cérebro e os músculos”, diz João Raposo. Ou seja, “há uma falta de energia global que dá origem ao mecanismo do cansaço”.
6. Visão turva
A visão turva, refere Mário Rui Mascarenhas, é um sintoma comum na fase de diagnóstico da diabetes tipo 1. Segundo João Raposo, os olhos têm um componente líquido que dependente, entre outros, dos níveis de açúcar no sangue. “Quando o níveis estão muito altos, entra mais açúcar para esse gel, logo terá de entrar mais água e o olho fica sob tensão, obrigando-nos a focar de uma maneira diferente da que usamos quando os níveis baixam e a água sai.” Este problema pode ser resolvido com uma boa compensação da doença. “É só um sinal de alerta”, diz o médico, avisando que não deve ser confundido com a retinopatina, uma complicação da diabetes que leva à perda de visão.
7. Infeções
As subidas da glicemia inibem o sistema imunitário e deixam quem sofre de diabetes mais suscetível a qualquer tipo de infeção, diz João Sérgio Neves, assegurando, no entanto, que quem tem a doença controlada, à partida, não tem risco aumentado de infeções.
As infeções urinárias e as de pele são as mais frequentes entre os diabéticos, diz, por seu lado, a endocrinologista do Hospital Lusíadas Lisboa Joana Costa. Já Mário Rui Mascarenhas sublinha a capacidade deste tipo de infeções para descompensarem os valores dos doentes.
Notando que qualquer infeção causa uma subida dos níveis de açúcar no sangue, João Raposo admite que, se este processo ocorrer numa pessoa com diabetes não diagnosticada pode causar uma descompensação maior.
8. Cicatrização deficiente
O tipo de células envolvido na cicatrização e no sistema imunitário tem alguma ligação, afirma João Sérgio Neves, e portanto, tal como o risco de infeção é aumentado quando há uma subida da glicemia, da mesma forma a capacidade de cicatrização é inibida. A par deste processo, Joana Costa refere a desidratação, causada pelo excesso de urina, que provoca uma maior secura na pele, que pode dar origem a prurido e feridas.
9. Cetoacidose
A cetoacidose diabética é uma complicação da diabetes tipo 1, sendo muitas vezes o primeiro sinal da doença. A elevação da glicemia e a falta de insulina podem conduzir à produção de corpos cetónicos, substâncias químicas que se acumulam na corrente sanguínea e reduzem o pH do sangue, tornando-o ácido. “O aparecimento destas substâncias no sangue pode originar uma falência generalizada de órgãos”, alerta Ana Filipa Lopes.
Ou seja, explica Mário Rui Mascarenhas, “o corpo é fortemente consumido, como se a pessoa não estivesse a comer”. O médico explica que este sintoma pode ainda levar os doentes a entrarem em coma. Náuseas, vómitos e dores de barriga são os principais sinais da cetoacidose diabética, diz Joana Costa.