Em Portugal, em cada 100 casamentos que existem, há 64 divórcios. Em 1960, a proporção era de uma separação para uma centena de matrimónios. Os dados, da Pordata, colocam o País no topo da lista dos que registam mais divórcios na Europa.
O fenómeno está a levar a que sejam tomadas medidas um pouco por todo o mundo. Na Dinamarca, por exemplo, foi aprovada este ano uma lei que obriga os casais a fazerem terapia antes de se divorciarem. Terapia esta que está também a aumentar entre os portugueses que sentem o casamento em crise. “Não é uma solução mágica. Mas pode ajudar o casal a reencontrar o seu caminho conjunto, a resolver conflitos, a comunicar melhor, a relembrar sentimentos, mas não é uma solução milagrosa”, explica a psicóloga clínica Catarina Lucas, garantindo que é “necessário um forte empenho do casal para a mudança”.
A especialista deixa ainda um dado importante: não se deve esperar pela fase limite, onde por vezes a intervenção já é difícil. Aí, diz, “é comum que a terapia de casal passe à terapia de divórcio, que visa a dissolução pacífica da relação”. Veja as respostas da psicóloga e diretora clínica do Centro Catarina Lucas a algumas das dúvidas mais comuns.
Em que consiste terapia de casal?
É uma terapia que assenta no pressuposto de que as pessoas são mais bem compreendidas no âmbito da sua dinâmica relacional. Assim, conhecer e intervir diretamente no contexto relacional permite soluções que muitas vezes não se consegue quando se intervém individualmente. É um recurso importante para solucionar problemas e promover uma comunicação mais eficaz. Além disso, permite o crescimento enquanto indivíduos.
Que tipo de casais mais recorre a este apoio?
Normalmente, são casais já em crise profunda, que veem na terapia quase um último recurso. São casais com grandes dificuldades na comunicação, normalmente já com alguns anos de relação. Mas não existe um estatuto socioeconómico predominante e surgem casais de todas as idades.
Há a ideia de que existe uma crise dos sete anos de casamento. É verdade?
Essa crise não ocorre particularmente aos sete anos, mas há um fundamento para se falar dela. Os sete anos já implicam uma longevidade na relação, a qual acarreta rotina, diminuição da paixão e do desejo sexual e ausência de novidade. É normal que nesta altura os casais se questionem acerca da continuidade da relação e daquilo que sentem, mas isto não acontece especificamente aos sete anos, pode acontecer aos cinco, oito ou dez anos. À medida que as relações se alongam no tempo, é necessário reinventar e o casal precisa de se ajustar à dinâmica das uniões longas, a qual difere da dinâmica dos primeiros tempos.
Quais as fases mais críticas?
Há três momentos que são particularmente críticos. O primeiro ocorre passados alguns meses de relacionamento, quando a paixão e o encantamento começam a diminuir e os defeitos começam a ser mais evidentes. O segundo, quando nascem os filhos e a relação de casal é colocada em segundo plano. O terceiro, quando as relações recebem o rótulo de “longas”. À medida que as relações se alongam no tempo, tendem a manifestar-se os problemas de rotina, diminuição de desejo sexual, falta de novidade, entre outros.
Os filhos são fatores de desestabilização?
São um grande desafio. A adaptação nem sempre é fácil, e os primeiros meses de vida do bebé fazem com que a relação de casal seja colocada em segundo plano. Muitas vezes, passada esta fase, o casal já não consegue reorganizar-se para voltar a viver como casal. Devem ser preservados momentos de intimidade e de tempo para o casal. Procurar suporte familiar ou de amigos para cuidar dos filhos durante umas horas, libertando o casal para se centrar em si mesmo, é essencial. Mesmo que isso não seja possível, há sempre um tempo que o casal pode reservar no seu dia a dia, por exemplo, após adormecer os filhos. O casal não pode ser deixado para trás após o nascimento dos filhos.
Qual a regra para a boa comunicação?
Há pequenos truques: empatizar, colocando-se no lugar do outro e não achar que já sabe o que o outro vai dizer; não gritar e atacar, pois o outro vai defender-se contra-atacando; ouvir atentamente o que o outro efetivamente disse ao invés de interpretar mediante os seus próprios pressupostos; ser assertivo, dizendo o que sente, sem magoar.
É possível esquecer e ultrapassar uma traição?
É impossível esquecer, mas é possível perdoar. Todavia, não é fácil para a maioria das pessoas. Uma traição quebra um dos pressupostos do “contrato implícito”. O mais difícil não é perdoar a traição, mas recuperar a confiança. Após ser quebrada, as dúvidas e inseguranças vão surgindo, o que muitas vezes acaba por minar a tentativa de reconciliação. É importante que o casal compreenda o que aconteceu, perceba o que estava a acontecer-lhe enquanto casal e o que motivou a infidelidade.
Quais os maiores entraves à intimidade?
Importa distinguir intimidade de sexualidade, já que a intimidade não se restringe à sexualidade. Por intimidade podemos entender até coisas simples como passear ou um jantar a dois. Contudo, a intimidade potencia a sexualidade e, por conseguinte, a sexualidade aumentará a intimidade. São dois conceitos diferentes, mas que se interligam e precisam de investimento do casal. Com os anos, tende a existir uma diminuição do desejo sexual, o que é comum nas relações longas. O desejo deixa de surgir de modo tão espontâneo, sendo necessária uma consciencialização de que é preciso fomentar-se a sexualidade. Se o casal não tiver este cuidado, o envolvimento sexual vai diminuindo, o que conduzirá a uma diminuição da intimidade.
Os erros mais comuns
► Não guardar tempo para si mesmos: sem tempo para a relação, os problemas começarão a instalar-se.
► Não ouvir o outro: é importante estar atento às necessidades do parceiro.
► Não investir na intimidade e na sexualidade: fatores muito importantes na relação.
► Criticar e atacar: os ataques só afastam o casal.
► Não limitar a interferência de terceiros: é importante proteger a intimidade. Não convém que todos saibam o que acontece no relacionamento e que opinem.
► Não compreender que, com os anos, a dinâmica se altera: por vezes, confundem-se essas mudanças com a falta de sentimento, o que nem sempre é real.
► Não fazer cedências: os conflitos, a discordância e a visão distinta das coisas são inevitáveis. Só é possível crescer em conjunto quando há cedências.
Dicas para resolver conflitos
Ser assertivo, respirar fundo e falar com calma são alguns dos aliados
► O maior truque de todos talvez seja mesmo a empatia, isto é, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro e moldarmos o nosso comportamento em função disso. Tudo se torna mais fácil quando esta competência é desenvolvida.
► Compreender que nem sempre estarão de acordo e que isso não tem de gerar um conflito também é essencial. É impossível que duas pessoas estejam em total sintonia, por isso o respeito pelas diferenças é crucial.
► Olhar o outro como um aliado e não como um inimigo, pois isso apenas conduzirá ao ataque mútuo e não é suposto dirigir ataques a quem se ama.
► Dizer ao outro como se sentiu em determinada situação, ser assertivo e pedir mudanças de comportamento. Muitos conflitos poderiam ser evitados dessa forma.
► Não elevar o tom de voz, pois a consequência é receber o mesmo do outro lado e o conflito vai-se alimentando.
► Respirar fundo antes de responder, para assim evitar dizer o que não sente e causar sérios danos.