
O “rascunho da decisão da COP proposta pelo Presidente”, conhecido esta manhã, é escrito com grande cortesia e subtileza, como acontece sempre com estes documentos diplomáticos, para reunir o consenso de todos. Os eufemismos de descontentamento, no entanto, ajudam a revelar onde a COP26, em Glasgow (que termina, se não houver prolongamento, esta sexta-feira), assume as dificuldades. Por exemplo, o texto inclui, a certa altura, as expressões “notes with regret” (nota com pesar) e “notes with serious concern” (nota com grande preocupação) – em ambos os casos em temas associados ao financiamento.
Mas talvez o ponto mais significativo do rascunho seja o número 19, no capítulo da Mitigação: “Exorta as Partes a acelerarem a eliminação progressiva do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis”. Ou seja, assume que o carvão é para acabar, mas não faz o mesmo para o gás nem para o petróleo, referindo apenas a eliminação progressiva dos apoios ao setor. Esta é, aliás, a única menção a combustíveis fósseis do documento.
E não há garantias de que passe: países como a Índia, a Austrália e a China, enormes consumidores e produtores de carvão, ou Rússia e Arábia Saudita, do lado do gás e do petróleo, podem não concordar com esta declaração e obrigar a reformulá-la. É muito possível que esta versão do rascunho seja o ponto ótimo, e que as alterações sejam no sentido de retirar (ainda) mais força ao documento.
Assumido o falhanço do financiamento
No que respeita a propostas concretas, o rascunho “acolhe com satisfação” a contribuição de 413 milhões de dólares para um fundo de apoio aos países menos desenvolvidos, para se adaptarem às alterações climáticas. Esse fundo, anunciado esta terça-feira, conta com as contribuições de 11 países e serve para ajudar as 46 nações mais pobres a lidarem com os fenómenos extremos e o aumento do nível médio das águas do mar.
No mesmo capítulo (“Financiamento de adaptação”) há ainda uma admissão do falhanço de um objetivo do Acordo de Paris: “[A Conferência das Partes] Nota com grande preocupação que a atual oferta de financiamento climático para adaptação é insuficiente para responder ao agravamento dos impactos das mudanças climáticas nas Partes países em desenvolvimento.”
Mais à frente, esse mea culpa é reforçado, no capítulo dedicado a “Finanças, transferência de tecnologia e capacitação para mitigação e adaptação”: “Nota com pesar que o objetivo das Partes dos países desenvolvidos de mobilizar em conjunto 100 mil milhões de dólares por ano até 2020 no contexto de ações significativas de mitigação e transparência sobre a implementação ainda não foi cumprida.” Na primeira semana de Glasgow, ficou definido que esses 100 mil milhões de dólares anuais seriam atingidos em 2023, com o compromisso de um esforço suplementar para antecipar para 2022. Ainda assim, na melhor das hipóteses, dois anos mais tarde do que o prometido.
O rascunho “exorta” ainda os países mais desenvolvidos a aumentar a “provisão de financiamento climático”, para ajudar os menos desenvolvidos. Um relatório da ONU, publicado a semana passada, estima que as nações mais pobres precisem de 140 mil milhões a 300 mil milhões de dólares por ano para lidarem com as alterações climáticas, a partir de 2030. Esta estimativa não é referida no documento. Além de não ser adiantado nenhum objetivo quantificável, a expressão utilizada é “aumentar urgentemente” a provisão de financiamento – e não “aumentar significativamente”.
O setor financeiro é também “chamado” a aumentar a mobilização de recursos financeiros para atender às necessidades de adaptação dos países às alterações climáticas.
“Compensações” estão ausentes do documento
No tema da “Mitigação”, o documento “reafirma” o compromisso de Paris de manter a subida de temperatura “bem abaixo” dos 2 ºC e perseguir o objetivo de 1,5 ºC, admitindo que os impactos de um e outro aumento são muito diferentes. E reconhece que, para limitar o aquecimento a 1,5 ºC, será necessário reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 45% até 2030 e a neutralidade carbónica até 2050.
Talvez um dos capítulos mais positivos do diploma seja o dedicado às “Perdas e danos” – um tema a que os países mais desenvolvidos têm tentado escapar, com receio de que possam vir a ser responsabilizados pelos impactos das alterações climáticas nos países mais pobres, e tenham de vir a compensá-los. “[A Conferência das Partes] Reitera a urgência de intensificar a ação e o apoio, incluindo finanças, transferência de tecnologia e capacitação, para a implementação de abordagens para evitar, abordar e minimizar as perdas e danos associados aos efeitos adversos das mudanças climáticas em Partes de países em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas.”
Este ponto, no entanto, está escrito com particular cuidado: o texto não fala em ajudas diretas a países mais pobres na sequência de fenómenos extremos, mas sim de apoios para “evitar e minimizar” os seus impactos, numa perspetiva de prevenção. As palavras “abordar”, “evitar” e “minimizar” são repetidas várias vezes. Mas a palavra “compensar” e qualquer uma das suas derivações está ausente do documento.