No Livro “As Cidades Invisíveis” de Ítalo Calvino, o autor apresenta várias ideias de como as cidades podem ser vistas, concluindo-se que não há duas cidades que sejam conhecidas pelas mesmas razões, nem a mesma cidade é conhecida duas vezes pela mesma razão.
Guimarães tem na sua alma a vontade da conquista que advém da sua própria história, desde que Afonso Henriques sonhou pela independência de um país. Contra tudo e contra todos, inclusive contra os seus ameaçadores vizinhos e contra a Igreja.
Ao longo de nove séculos, as pessoas daquela região foram forjadas pelo trabalho, num esforço diário de serem os melhores na indústria, nas artes, na ciência, quer na região, quer na Europa e no Mundo.
Beneficiando de toda a simbologia imposta pelo Estado Novo, Guimarães foi rapidamente reconhecida oficialmente como o Berço da Nação, passando a ver os seus principais monumentos recuperados e valorizados. Ainda assim, 50 anos depois do 25 de abril e ao longo de mais 30 anos de planeamento e execução, numa visão holística e alargada, esta cidade soube trabalhar a sua recuperação e reabilitação urbana, a partir do Centro Histórico, que num valor incalculável vê elevado este trabalho a Património Cultural da Humanidade, em 2001, e estendida a área classificada, em 2023, de 19,4 hectares para a área de 38,2 hectares, passando a abranger o conjunto denominado como “Zona de Couros”, relativo à área de manufaturas de curtumes ao longo do Rio de Couros. Área classificada essa cujas medidas de adaptação às alterações climáticas (construção de sistema de bacias de retenção) também tornaram possível a classificação, e que integra hoje o Bairro C, que Guimarães ambiciona tornar um bairro climaticamente neutro, como projeto-piloto para o objetivo de Guimarães se tornar neutra até 2030..
Em simultâneo, Guimarães não é, nem nunca foi, uma cidade que tenha vivido de apoios ou de beneficiação exclusivamente pública. Ao longo de décadas, e com atos verdadeiramente empreendedores, filantrópicos e de abnegação, os próprios empresários, sobretudo industriais, souberam sempre estar à frente do seu tempo e investirem os seus rendimentos na cultura, como é exemplo o Teatro Jordão, ou bem característico daquele território, nas mais de 400 associações culturais, sociais, juvenis, desportivas e cívicas. Noutro excelente bom exemplo desta característica marcadamente altruísta é a ação desenvolvida na Montanha da Penha, que desde o século XIX, foi transformada de um monte sem vegetação, com os seus penedos a descoberto, para uma floresta praticamente autóctone e extraordinariamente resiliente, visitável através do teleférico que liga o Centro Histórico à Montanha em 8 minutos, podendo ver variados ex-libris, nomeadamente o primeiro jardim suspenso.
No livro “Porque falham as nações” (2012), de Daron Acemoglu e James Robinson, prémios Nobel da Economia 2024, trazem a comparação entre instituições (territórios) inclusivos e pluralistas vs extrativos e centralistas, em que os autores argumentam que a prosperidade de uma nação está profundamente ligada às suas instituições. Basicamente as inclusivas promovem a participação económica e política de todos, enquanto as extrativas concentram poder e riqueza numa elite restrita, concluindo que a distribuição do poder político é crucial para a criação de territórios inclusivos e sustentáveis. Assim, os territórios extrativos concentram o poder, inibem a criatividade e o progresso, prejudicando o desenvolvimento social e económico.
É neste contexto, na minha opinião, que Guimarães, em 2012, torna-se mais cosmopolita, celebrando a sua conquista e o seu reconhecimento como Capital Europeia da Cultura, tendo sido projetada para toda a Europa e o resto do Mundo. Passando a ser um dos principais ativos Turísticos da Região Norte e mesmo do País, este concelho ombreia com Lisboa, Porto e o Douro, bem como outras capitais europeias, sendo os seus principais ativos o Castelo, o Paço dos Duques, o próprio Centro Histórico, a Citânia de Briteiros, bem como a atividade termal entretanto recuperada na Freguesia Caldas das Taipas, além de uma invejável atividade cultural permanente desenvolvidas pelas associações, mas sobretudo pelas entidades gestoras do Centro Cultural Vila Flor, do Centro Internacional das Artes José de Guimarães, da Casa da Memória, do Multiusos de Guimarães (um dos primeiros do País), no qual já se destaca a marca do Guimarães Jazz, como exemplo.
Guimarães é inconformista por natureza, por isso, como se não bastasse, em 2013, Guimarães celebrou a conquista e o reconhecimento como a primeira Cidade Europeia do Desporto do país e por sinal reconhecida como a melhor até àquela data. Numa capacidade de mobilização única da população, aquele território, como Jorge Sampaio dizia existir um Patriotismo de Cidade, ou como outros apelidam de aldeia gaulesa, como a do Asterix, em que foi possível, após um ano de exaustão de mais de mil eventos, seguir-se mais um, numa correria louca e única.
Esta é uma cidade cujo percurso nos últimos 10 anos é acompanhado pela formação e ação do Laboratório da Paisagem, estrutura essencial e indissociável do caminho de sustentabilidade de todo aquele território. Baseado num ecossistema de governança integrado, multidisciplinar e multinível, o Laboratório da Paisagem foi e é a peça do puzzle que liga o território (administração local e regional), à sociedade (escolas e freguesias), à economia (empresas) e à academia (universidades e centros de investigação). Numa década, o Laboratório da Paisagem tornou-se mais do que um centro de educação ambiental e de investigação aplicada. Na verdade, transformou verdadeiramente a sociedade vimaranense, produziu conhecimento, induziu a adoção de novos comportamentos e alavancou investimentos rumo a uma cidade climaticamente neutra até 2030 e de uma Cidade de um só Planeta.
Como disse Duarte Cordeiro (antigo Ministro do Ambiente), Guimarães é a cidade do país que queremos ver daqui a 20 anos, e é por essa razão que está mais uma vez na final de uma candidatura a Capital Verde Europeia para 2026. Depois de três processos de candidatura, seguido de uma final sofrida, em que no espaço de um ano, Guimarães demonstra bem à Europa, de que é feito o sangue luso, que em cada obstáculo, em cada barreira, nunca desistem, nunca viram a cara à luta, tornando-se antes cada vez melhores e mais fortes.
No final deste mês de novembro será anunciado publicamente o resultado, na cidade de Valência, Capital Verde Europeia 2024, recentemente fustigada por uma catástrofe natural, resultado de um evento climático extremo, no qual consta a cidade de Águeda como outra cidade finalista à corrida do prémio Green Leaf, para cidades acima dos 20 mil habitantes e abaixo dos 100 mil.