A confiança é um ovo: quando estala, estala para sempre e não há volta a dar. Os diversos barómetros da confiança dos últimos anos mostram que os níveis de confiança no futuro, no sistema e nas instituições são cada vez mais baixos. Em graus e por motivos diferentes, o século passado estalou com os ismos, isto é, com o fascismo, os marxismos e o neoliberalismo. Estalou, também, com a nossa confiança nos media e na informação, bem como no papel das empresas – pelos impactos ruinosos que, em muitos casos, provocavam na vida das pessoas e do planeta. Até a admiração, algo universal, que se sentia por algumas pessoas no século passado – políticos, cientistas ou artistas –, que tinham a capacidade de nos mobilizar e dar esperança, estalou. Talvez Obama tenha sido a última dessas figuras. Em suma, o século passado é um ovo que estalou para sempre.
Hoje, do século XX prevalece a consolidação de algumas democracias, algumas conquistas científico-tecnológicas e artístico-culturais importantes, a invenção da social-democracia e do Estado providência, e a criação da ONU e da União Europeia.
Pode parecer pueril, mas sem as Nações Unidas, não teríamos nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da sua Agenda 2030 uma das poucas utopias consensuais que nos restam. Aprovados por todos os países, adotados pela generalidade das empresas e elogiados pela sociedade civil e os cidadãos em geral, neles se encontram as 169 metas que é necessário atingirmos para garantirmos um mundo sustentável, do ponto de vista social e ambiental, até 2030. Sem essa transição, a qualidade de vida na Terra ficará seriamente ameaçada num futuro próximo – e, depois, será a própria viabilidade da espécie humana a estalar.
O que fizermos até 2030 será decisivo para o mundo que seremos em 2050. Mais do que nunca, é fundamental que haja determinação política e capacidade do Estado para ajudar a desenvolver os ecossistemas necessários para a rápida transição que se impõe nos próximos anos para um modelo de desenvolvimento sustentável. Sem essa determinação e amplas parcerias entre o setor público, o setor privado, a sociedade civil e a academia, não será possível alcançarmos o Acordo de Paris, o Pacto Ecológico Europeu e a Agenda 2030 das Nações Unidas.
Como bem lembra Mariana Mazzucato, em The Entrepreneurial State, o investimento público foi decisivo, no século passado, para a invenção da internet, do GPS, da tecnologiatouch screen e da inteligência artificial. O Estado não só investiu, como ajudou a criar os ecossistemas de cooperação necessários. Também agora, em resposta à pandemia Covid-19, as seis empresas farmacêuticas que desenvolveram vacinas receberam fundos públicos num valor superior a 10 mil milhões de euros – motivo pelo qual, aliás, se esperava maior solidariedade para com os países mais pobres, e que estas fossem obrigadas a cumprir certas metas sociais e ambientais.
Em Portugal, ao fim de seis anos de governação, há uma estabilidade política e orçamental de longo prazo como nunca antes houve. Não faltam, também, referenciais estratégicos recentes, do Roteiro para a Neutralidade Carbónica, ao Plano de Recuperação e Resiliência. Agora, é só uma questão de saírem do papel, sem demoras, nem disfarces.
A palavra sincero vem do latim sincerus, que significa puro. Em Roma Antiga, alguns escultores menos qualificados usavam cera para disfarçar imperfeições nas esculturas, ao que o Senado editou um decreto que regulamentava que todas as esculturas produzidas em Roma deveriam ser sine cera, isto é, sem cera, sem disfarces.
É chegada a hora de Costa mostrar que merece a confiança que lhe foi dada pelos portugueses, que sabe governar para o longo prazo, sem desculpas, nem ilusionismos – por exemplo, sem cativações, nem a desculpa da geringonça, nem a chantagem do Chega ou do regresso de Passos. Se falhar, falhamos todos – e não haverá volta a dar, nem cera que nos valha. É a teoria do ovo. O ovo é a cena.