Habituados a pensar em algas marinhas como um dos principais ingredientes da gastronomia asiática, e mais recentemente das dietas atlântica e mediterrânica, pode causar alguma estranheza e surpresa ouvir falar de roupa feita com algas.
Ao contrário da sua utilização na confeção de comida, em que a alga é usada inteira, nos têxteis, a planta (que apesar de não ter raiz, também faz fotossíntese) é transformada num extrato, que pode ser em pó ou líquido, com propriedades bioativas – daí a sua forte característica antioxidante, como explica Helena Abreu, bióloga marinha e diretora e cofundadora da Algaplus, empresa portuguesa produtora de algas em aquacultura.
Matéria-prima sustentável, estas plantas têm também várias funcionalidades, como substituir os pigmentos sintéticos nos tecidos por pigmentos naturais. A cor vermelha, por exemplo, pode vir das Gracilaria gracilis, conhecidas por cabelo-de-velha; os amarelos, dos carotenoides das algas castanhas.
Depois de uma carreira na indústria alimentar, Ana Osório quis arriscar no desenvolvimento de um negócio próprio e teve a ideia de explorar a área têxtil. Conheceu pessoas no setor da fiação e percebeu que havia novas fibras, mais resistentes às lavagens e ao desgaste. A Marialma surge em 2018 como uma startup incubada na UPTEC – Parque da Ciência e da Tecnologia da Universidade do Porto, produzindo lençóis, fronhas e capas de edredão utilizando fibras naturais, como o cânhamo (parecido com o linho) e a celulose, proveniente da madeira de eucalipto, que depois são combinadas com componentes ativos, como o óxido de zinco e as algas marinhas provenientes da Islândia. O resultado é um “tecido nobre, supermacio, de toque suave, com 400 fios e acabamento resistente e respirável”, explica Ana Osório. Além da roupa de cama – em larga escala exportada para o mercado americano –, a empreendedora idealizou um conjunto feminino de peças confortáveis (pijama, vestido, fato de treino e top) para estar em casa, feitas de malha (jersey).
Abrangentes e capazes de chegar a mais consumidores, são várias as marcas que começam a apostar em vestuário ecológico e com design sustentável. No ano passado, a sueca H&M lançou a coleção Conscious Exclusive, numa clara aposta para ter materiais e uma abordagem mais sustentável à moda, e neste verão repetiu a receita. Da coleção fazem parte umas sandálias produzidas com uma espuma feita de biomassa de algas (bloom foam).
Também a rede de supermercados alemã Lidl tem à venda, desde 22 de outubro, uma coleção de lingerie ecológica à base de algas marinhas. A fibra SeaCell do top de alças finas, dos soutiens e das cuecas com renda, para mulher, e dos boxers, para homem, patenteada para proteger a pele, é fabricada a partir de algas islandesas. No processo de recolha da matéria-prima, apenas são utilizadas as partes das algas marinhas capazes de se regenerar, garantindo a sua preservação.
A roupa quer-se funcional
Há 11 anos, em plena crise económica, a empresa New Textiles arriscou no fabrico de novos produtos têxteis. Assim surgiu a coleção Skin To Skin, com meias, t-shirt, roupa interior, leggings, luvas e babygros, entre as suas peças mais vendidas. E, se os primeiros anos, de 2009 a 2013, foram difíceis, agora já é procurada pela inovação do produto. Em Portugal, foi pioneira a usar fibras têxteis às quais são acrescentados extratos de algas marinhas. Com estudos clínicos realizados no Hospital de Braga, concluíram que as algas têm propriedades sedativas, com efeito calmante, de uma suavidade extrema, não irritando a pele e reduzindo comichões e alergias.
Apesar de 98% da produção – entre 60 mil e 70 mil peças por ano – ser exportada para os EUA, Canadá e Alemanha, mercados que continuam a ser nichos, a marca nunca teve tantas solicitações como este ano. “Há um despertar de consciências para produtos amigos do ambiente e as pessoas procuram produtos funcionais e não só uma peça de vestir. Hoje, as fibras podem ser modificadas, enriquecidas e passar a ter uma função”, diz Cláudio Carvalheira, fundador e diretor da empresa.
Antiodor, antitranspirante, repelente de bactérias e vírus, com medição da temperatura corporal ou proteção solar são algumas das funcionalidades que podem ser integradas nos tecidos. “As novas matérias-primas vão crescer isoladas, algumas vão perder-se pelo caminho. As que permanecerem farão parte do quotidiano. Ainda estamos a falar de nichos, mas com o design e estruturas diferenciadoras como o desporto ou a saúde, vão tornar-se o ‘novo normal’”, prevê Cláudio.
Vestir e fazer fotossíntese
Ao contrário das recomendações habituais, a etiqueta da roupa do Biogarmentry, projeto da estilista Roya Aghighi, não dá orientações sobre a temperatura a que deve ser lavada na máquina. “Esta peça contém células vivas verdes e requer cuidados. Ao usar, esta peça fotossintética purifica ativamente o ar à sua volta. Para ativar as células, deixe a roupa sob luz solar direta por duas horas após abrir a embalagem”, lê-se no pequeno pedaço de tecido.
Numa parceria com as universidades British Colombia e a Emily Carr, no Canadá, Roya Aghighi criou uma linha de roupa que é o exemplo ideal de moda ecológica e de design sustentável: utiliza um tecido 100% natural – feito com diferentes tipos de fibras à base de celulose e proteínas –, biodegradável e compostável. É a adição de algas verdes (Chlamydomonas reinhardtii) às fibras que vai depois permitir transformar o dióxido de carbono em oxigénio. Quem usar esta roupa ecológica, ao fim de um mês, um curto prazo de validade, terá de fazer a sua compostagem.
Também Charlotte McCurdy, designer nova-iorquina, assina uma capa para proteger da chuva com carbono negativo, feita de um material semelhante ao plástico, mas fabricado a partir de algas marinhas que vão absorver o dióxido de carbono à medida que crescem.
Para que cada vez mais sejam desenvolvidas peças de vestuário e de calçado com estes materiais, são necessários fios têxteis biodegradáveis. É o que faz a AlgiKnit, nos Estados Unidos, um grupo de pesquisa do New York Fashion Institute of Technology, focado na Biologia como o futuro da moda. Há quatro anos, os estudantes Tessa Callaghan, Aleksandra Gosiewski e Aaron Nesser, juntamente com os professores Asta Skocir e Theanne Schiros, desenvolveram um fio de alginato de sódio derivado de algas castanhas, totalmente biodegradável e quatro vezes mais forte do que o algodão ou a lã e com propriedades semelhantes ao nylon na sua resistência. Quando chega ao fim da sua vida útil, o biofio pode ser facilmente decomposto por micro-organismos.
Para Stephen Mayfield, professor na Universidade de San Diego e criador de um chinelo biodegradável, tipo flip-flop, os novos materiais à base de algas estão, atualmente, no mesmo patamar em que se encontravam, há dez anos, as tecnologias para os veículos elétricos. “Ficou claro que seriam o futuro do transporte e era apenas uma questão de tempo. As algas vão pelo mesmo caminho.”