Há uma pergunta que já é um clássico na minha vida: “Porque vais outra vez ao México?” Percebo o espanto. Quando fiz a minha primeira viagem a sério, conheci um casal mais velho que já viajara muito, mas ao fim de seis vezes no México continuava a falar em lá voltar. Aos 20 anos, também não entendia: para quê repetir uma viagem se o mundo é tão grande? Lembro-me sempre disso quando me perguntam porque lá vou outra vez.
Há um lado de mim que insiste no destino para se convencer de que já chega, de que está tudo visto. Mas num país onde há tanto para ver e conhecer, nunca é isso que acontece. E tem piorado: de cada vez que volto, sinto mais a vontade de voltar. Infelizmente não vou conseguir explicar o que senti quando, sentada no terraço do bar de um hotel em Holbox, me vi incapaz de perceber onde acabava o mar e começavam as nuvens. Nem de propósito, este sítio chama-se Las Nubes, e podem crer que não há palavras nem imagens que lhe façam justiça. À minha volta só havia aquele azul-caribe irrepetível, no meio de uns bancos de areia e uns vultos que parecem tornar realidade a possibilidade de um homem caminhar sobre as águas, de tão baixa que é a maré nesta ponta da ilha. À terceira vez no México, nesta mágica península do Iucatão, parece impossível acreditar que ainda posso emocionar-me com o que os meus olhos veem.

Holbox Não há cor igual nem maré que permitam andar tanto pelo mar adentro. É onde o Caribe se cruza com o golfo do México
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Bendita a hora em que descobri Holbox (lê-se Holboche) em blogues de viajantes. Situada a norte de Quintana Roo, a um ferry e três horas de autocarro de distância de Cancún, é uma daquelas ilhas onde só se anda a pé, de bicicleta ou de carro de golfe. As casas são coloridas, as pinturas nas paredes parecem autênticas obras de arte, os hotéis são quase todos especiais e eco-friendly, e de Punta Mosquito – onde fica o Las Nubes – até Punta Coco (o outro extremo da ilha), o passeio é por uma praia, que ora nos brinda com imagens de cartão-postal ora de um parque de diversões. Com os seus baloiços e camas de rede na água, difícil é não ser tentado a experimentá-los ou a fotografá-los.
Prazer do silêncio
Holbox, onde o mar das Caraíbas se encontra com o golfo do México, é ainda natureza virgem, terra de mar e mangais, pelicanos e flamingos. E, por isso, o melhor, nesta ilha com 40 km de comprimento e 2 km de largura, é mesmo não gastar tempo com telefones, aproveitar que há pouca rede e desligar. Estamos no sítio perfeito para apreciar o silêncio e o tédio.
“O que esta ilha tem de diferente? Não tem pavimento, as pessoas são sorridentes, os miúdos andam descalços, o meu cunhado ainda vai pescar de manhã o marisco que come à tarde. Não há maldade nem insegurança”, diz-me um funcionário do Las Nubes, que me explica como na sua infância não havia turismo nem terrenos a preços impossíveis, apenas pescadores que chegavam do mar com lagostas gigantes.
Há qualquer coisa de tão especial em Holbox que muitos estrangeiros se renderam à ilha: foram para lá trabalhar ou compraram um pedaço de terra, ergueram um pequeno hotel e fizeram desta a sua casa. Max, que conheci no Holbox Dream, um hotel simpático e barato, cheio de mexicanos e muito perto do centro, veio de Itália – e mais à frente nesta viagem, por uma grande coincidência, descobri porquê, mas já lá iremos. Sandra Perez, uma artista plástica cubana, descobriu Holbox há mais de 15 anos e de lá já não quis sair: “Vim em busca de um refúgio e senti que esta ilha nos dá a possibilidade de apreciar o silêncio e que nos põe à prova. Não fazer nada, dedicarmo-nos ao tédio, a ler um livro ou a descansar numa cama de rede, é uma utopia nos nossos dias.” Foi por isso que construiu o Casa Sandra, um hotel requintado, situado mais ou menos a meio da ilha, onde os quartos têm mobílias diferentes e rústicas, champôs e cremes biodegradáveis e onde todos os hóspedes podem agarrar numa bicicleta para assistir ao maior acontecimento da ilha: o pôr do Sol.
Todos os dias, centenas de pessoas encontram-se na praia para assistir a entardeceres inesquecíveis. Andar por lá de bicicleta naquela hora de luz amarela é um espetáculo extraordinário – até para quem, como eu, demorou a atinar com aquelas “binas” que têm os travões nos pedais. Mais emocionante só mesmo entrar no mar para nadar com os tubarões-baleia, naquele que é um dos poucos lugares do mundo onde é possível fazê-lo. Como cheguei pouco antes da época, não tive essa sorte. Troquei esse programa por outro, madrugada dentro: ir em busca da bioluminescência, uma emissão de luz fria por organismos vivos. Atraída por fotos do Google que me mostravam uma praia em que a areia parecia um manto de diamantes, saí às duas da manhã preparada para uma viagem que pensava ser de barco mas que, afinal, foi de caiaque. Gostava de ter tido a leveza suficiente para apreciar o céu minado de estrelas enquanto remava. Infelizmente estava demasiado aflita a imaginar que desaparecer num mar escuro não era propriamente o meu programa de sonho para uma madrugada de férias.
Os guias bem se esforçaram, mas não vi mais do que meia dúzia de brilhantes que colei na testa. A noite não estava boa para o fenómeno, disseram. E assim me senti como aqueles turistas que são arrastados para barcos com fundo de vidro em mares em que a visibilidade é tão má que não se consegue ver nada a 30 centímetros de distância, quanto mais num quadrado de vidro. Quem nunca? As viagens também são feitas disto. No final de tudo, por um triz não perdi o ferry que me permitia chegar a Chiquilá a tempo do autocarro. Depois de três horas de chuva intensa, era impossível chamar um táxi, porque a ilha ficou sem rede. Na hora da despedida, senti que a Natureza estava a tentar dizer-me: “Sê bem-vinda a uma ilha selvagem.”

Tulum – O único lugar onde se pode dar um mergulho depois de um banho de História. Os maias tinham mesmo olho para isto
Keren Su/ Getty Images
De Tulum ao povo mágico
Depois dos transportes públicos, esta viagem segue para sul e ao volante de um Chevrolet. Paro em Xpu-ha, uma das praias de sonho do corredor Playa del Carmen-Tulum. Por umas horas esperam-me quilómetros de mar e palmeiras, mais palmeiras e mar. A condizer com o cenário, decido ficar a dormir num sítio surpreendente. Não era um hotel, mas também não era um campismo, apesar de o quarto ser uma tenda. Chama-se Serenity, e é um eco-camping virado para a meditação, rodeado de verde e tão perto da praia que à noite só não se ouvia apenas o mar, porque o Alberto, uma tempestade subtropical, veio visitar-me e com ele trouxe o vento. As tendas, essas, importadas da Holanda, sobreviveram intactas.
De manhã, depois de já todos os funcionários e hóspedes me terem dado os bons-dias, percebi por que razão o Max, italiano que conhecera em Holbox, tinha ido trabalhar para aquela ilha: foi a convite de Giuseppe Crapanzano, o diretor-geral do Serenity que se mudou para o México há 11 anos, depois de anos de trabalho no Egito e no Quénia. Como Giuseppe está a aprender português numa escola em Playa del Carmen, delicio-me a ouvi-lo contar na nossa língua como conheceu o francês que investiu neste eco-camping, enquanto trabalhava na receção de um outro hotel. Se há coincidências que podem mudar a nossa vida para sempre, ele é a pessoa certa para contá-las.
Daqui sigo viagem até Tulum, um dos poucos locais que já conhecia mas ao qual fiz questão de regressar. Porque viajar não é só fazer riscos no mapa, e porque os lugares, mal ou bem, também mudam. Tulum já não era seguramente o lugar que conheci há dez anos, e que vivia então quase exclusivamente das visitas às mais bonitas ruínas maias. Junto ao pueblo floresceram os hostels e hotéis mais acessíveis; junto ao mar os hotéis pequenos e luxuosos, com vistas de cortar o fôlego e preços altos. Bárbara, que veio de longe, do Interior do México, para trabalhar ali, no Tata Tulum, depois de se apaixonar por aquela combinação de mar e selva, explica-me porque nunca conseguirão competir com os preços dos grandes resorts de Cancún ou de Playa del Carmen. “Tulum não tem água nem eletricidade, mas os hóspedes têm água e luz durante 24 horas. As nossas águas vêm dos cenotes [lagos subterrâneos], chegam aqui em pipas. Tudo isto custa mais”, conta, enquanto enrola os seus caracóis endiabrados. Apesar dos preços mais altos, saí de lá com a certeza de que há esforços que valem a pena, nem que seja uma vez na vida. É que, ali, a beleza da vista – mesmo com o Alberto a fazer das suas – é capaz de valer bem mais.
Tinha ainda mais de 200 quilómetros pela frente pela carretera federal 307 até outro sítio que há uns anos ganhou o epíteto de povo mágico: Bacalar. A caminho, deixo-me surpreender pelos condutores capazes de ultrapassar pelo meio de dois camiões e pela emissão da rádio revolucionária, dirigida às “campesinas” e aos “campesinos”, a única que conseguia ouvir nas muitas zonas sem rede. Entro em Bacalar e reduzo a velocidade para ver à minha direita as cores da lagoa que deu o nome à terra. Tão azul, perdão, de muitos azuis. Dizem os locais que há dias em que é possível ver nela sete tons. Ali da estrada, ou dentro da água quente e doce virada para o Los Aluxes – um modesto hotel que foi o primeiro a instalar na água um cais e uns baloiços que ainda hoje fazem as delícias dos mexicanos ao fim de semana –, perdi-me sempre naquela beleza antes de conseguir acabar de contar quantos azuis via.
No regresso ao Norte, ainda exploro Puerto Morelos e Isla Mujeres. Não vou dourar a história, porque não acredito em destinos que nos vendem a perfeição: desta vez apanhei uma tempestade que poderia ter virado furacão, deixei de visitar algumas praias, devido a uma invasão de sargaço, e dois polícias lembraram-se de inventar três infrações para me multar. Mas enquanto escrevo isto não é disso que me lembro, estou mas é para aqui toda roída, depois de uma longa temporada em depressão profunda, a pensar porque aquele país fica tão longe. Ao fim da terceira visita, percebo ainda melhor o casal que conheci aos 20 anos. Por muito mundo que sobre, por mais mundo que inventem, ainda não estou preparada para dizer que esta foi a minha última vez no México.
GUIA DO VIAJANTE

Bacalar
D.R.
• A maneira mais barata de chegar a Quintana Roo é através de um voo charter para Cancún, com partida de Lisboa ou Madrid. Em Cancún, jante ou dê um passeio pelo parque Las Palapas, procurado quase exclusivamente por mexicanos.
• Se o plano é ir a Holbox, não vale a pena alugar carro, porque os carros não entram lá. Por sete euros consegue uma viagem de autocarro até Chiquilá. O autocarro da Mayab parte da estação de autocarros ADO. Em Chiquilá, de meia em meia hora, há um ferry para a ilha.
• Se quer perceber porque o Las Nubes fica num sítio tão especial, vá almoçar ao restaurante (barato para a qualidade e para a vista) e peça uma margarita de tamarindo. A comida é mesmo boa.
• Se quer um hotel em conta, na praia mas perto do centro, aposte no Holbox Dream. Se procura algo mais requintado, tente o Casa Sandra ou o Las Nubes – online costumam fazer boas promoções.
• Ande de bicicleta pela ilha, de Punta Mosquito até Punta Coco. Nunca se esqueça do repelente. Passeie nos bancos de areia, relaxe nos baloiços e, claro, não pode perder o pôr do Sol, todos os dias, porque não há um igual ao outro.
• Prove a pizza de lagosta, especialidade da ilha, no restaurante Edelyn. Procure o La Cueva del Buzo, na praça central, e não se deixe iludir pelas aparências: prepare-se para os melhores e mais baratos ceviches e guacamoles.
• Pode comprar a viagem de regresso de autocarro no site da ADO. Em Chiquilá, há autocarros para Cancún ou Playa del Carmen, para Playa a viagem é mais rápida. Em Playa, pode alugar um carro, apanhar de novo um autocarro para qualquer ponto do país, ou então, um coletivo. São seguros, baratos e o meio de transporte ideal se se quer sentir um verdadeiro mexicano.
• Vá a Xpu-Ha e a Xcacel, as duas praias mais vazias e bonitas do corredor entre Playa del Carmen e Tulum. Se estiver à procura de dormida, experimente o Serenity, do grupo Xperience: conforto, boa comida, simpatia extrema.
• Tulum é obrigatório, nem que seja para passar o dia. Visite as ruínas e depois vá almoçar ou jantar ao restaurante do Hotel Tata Tulum: barato, em cima da praia e com um forno a lenha. Se procura um lugar romântico para dormir, a vista dali é única.
• Em Bacalar, não há muita oferta hoteleira, mas a que há vai chegando para o número de turistas. Se procura um sítio giro e acessível, arrisque o Los Aluxes, com uma das melhores vistas para a lagoa. Vai encontrar outra vista inesquecível no restaurante La Playita: peça uma hell margarita e uns camarões panados com molho de coco. À noite, fuja das mesas com muita luz, se não quiser ser atropelado por besouros-verdes.