Deixámos Tanger para trás, pouco passava das três da tarde. Iniciámos nova jornada, desta vez, em direção a Chefchaouen. Optámos por arrepiar caminho rumo a Tetuão e, de lá, seguimos pela estrada paralela ao mar, que acompanha o recorte da costa, entre o mediterrâneo e as encostas montanhosas da cordilheira do Rife.
Fomos fazendo paragens pontuais, pelo caminho. As praias estavam apinhadas de famílias e o areais, insuficientes para tanta gente, quase nem se viam. À medida que nos fomos encaminhando para o interior as montanhas tornavam-se mais acidentadas, escarpadas e rochosas. Em Oued Laou, o vale verdejante intervala a secura dos abismos e encostas que o ladeiam. A tarde foi ficando mais laranja e junto às bermas, paravam dezenas de turistas de outras bandas de Marrocos. As panorâmicas justificavam-no e as cores do dia, quase noite, pediam uma fotografia neste ou naquele ponto de paragem.
Chegámos à cidade já ao fim do dia. Chefchaouen fica numa encosta suave. As ruas apertadas desenvolvem-se num sistema radial que rasga a malha urbana densa e confusa. Ainda estávamos a tentar fintar o trânsito nos primórdios da povoação, quando nos apareceu o Mohamed. O homem, magro, já na meia idade, depressa adivinhou de onde vínhamos. Quis vender droga para fumar, sem sucesso. Ainda assim acabou por entrar no carro e acompanhou-nos até ao centro de Chefchaoen.
Parecia conhecer todos com quem se ia cruzando e acabou por nos levar a conhecer o Youssef, que foi quem nos arranjou sítio para dormir. Ficámos alojados num terraço, protegidos por uma lona azul, com um colchão para cada um e com uma vista privilegiada para o casario, de onde sobressaem, à noite, janelas iluminadas e fumos das chaminés. Ao jantar, comemos tajine de cafta e cuscuz com frango e verduras. Antes de voltar ao terraço ainda bebemos chá de menta, uma constante nos sítios por onde temos passado.
Até agora tem sido difícil encontrar álcool, pois os marroquinos são rigorosos no que toca ao seu consumo e não é socialmente bem visto beber este tipo de bebidas no país, por motivos culturais. Nota-se, mais uma vez, a enorme afluência de turistas internos, vindos de várias partes de Marrocos.
Do alto do terraço onde passámos a noite, vimos o amanhecer, à medida que a neblina descobria a cidade e o sol surgia das montanhas que a ladeavam. O azul é a imagem de marca de Chefchaouen. A cor domina as portas, janelas e fachadas dos edifícios da medina – explicaram-nos que ajuda a afugentar os mosquitos.
As casas são características e têm, a maior parte delas, dois pisos. O edificado é gasto, antigo e pontua pelos pormenores: o ferro forjado nas grades das janelas, os terraços onde há estendais com a roupa a secar e as portas de vários tamanhos e feitios, de madeira.
Quanto à população que “faz” Chefchaouen, vive tranquila, no seu espírito amigável e hospitaleiro. Todos os que nos abordaram falaram em Lisboa, Porto e Cascais, depois de constatarem que vínhamos de Portugal. Mas o que mais nos surpreendeu foi a associação que fazem aos turistas portugueses e ao seu gosto por batatas fritas.
Perdemo-nos nos meandros da velha medina durante toda a manhã. As ruas são sinuosas, muitas delas pejadas de arcos em ferradura. Há videiras carregadas de uvas que dão sombra às vielas.
A arquitetura das casas, a luz e a malha de ruas fazem muito lembrar as aldeias do sul de Portugal. Há no Alentejo e no Algarve um pouco de cá também.
À tarde tomámos a estrada em direção a Tetuão e contámos com a ajuda de um outro automobilista para chegar às cascatas de Akchour.
Por lá ficámos até ao crepúsculo. Há famílias, grupos de amigos que enchem o local para se refrescarem nestes dias mais quentes. Existem restaurantes improvisados e muitos recantos inesperados onde se podem dar mergulhos e apanhar uns banhos de sol, sempre rodeados por montanha e verde.
Durante a madrugada, já no terraço, em Chefchaouen, acordámos às cinco da manhã, com a chamada para a primeira oração do dia, designada Adhan, em árabe. Os muçulmanos cumprem pelo menos cinco diárias. À oração, chamam Fajr. Foi impressionante ouvir, daquele ponto elevado da cidade, este momento que nos tocou em particular.