Neste texto não pretendemos descrever exaustivamente cada dia passado em La Tuza. Assim, vamos apresentar alguns aspectos interessantes do dia-a-dia naquela comunidade e alguns episódios que nos marcaram.
Os habitantes não têm trabalho fixo, vivem do que a terra e a lagoa oferecem. São pobres, mas vivem relativamente bem.
Se houvesse vontade, poderiam cultivar a terra e produzir produtos hortícolas e frutas, mas a preguiça e o calor sobrepõe-se à vontade de trabalhar; fazem o mínimo necessário para assegurar a sobrevivência da família sem se preocuparem com o dinheiro.
A comunidade tem árvores de papaia, bananeiras, um ou outro habitante cultiva milho (para as tortilhas), plantas aromáticas, chilis e plantas para produzir a popular água de Jamaica. Alguns habitantes têm meia dúzia de cabeças de gado, galinhas e perus, e depois caçam iguanas, tatus, veados…
Graças à lagoa, cheia de camarões e de várias espécies de peixes, praticam pesca.
Pontualmente, as mulheres saem da comunidade para vender peixe ou camarão, mas grande parte dos produtos ficam no interior da comunidade.
Apesar do ritmo de trabalho ser lento, funcionam bem como comunidade e cooperam bastante entre si, trocando alimentos e trabalhando para o bem-estar de todos. A escola secundária, por exemplo, estava a ser construída pelos habitantes: todos os dias se elegia um grupo de cerca de cinco pessoas para trabalhar no dia seguinte.
Pontualmente têm alguma actividade que lhes pode proporcionar algum rendimento como a extracção de mel. Tivemos o privilégio de assistir a todo o processo e de ajudar nos vários procedimentos. Este produto é conhecido e muito apreciado nas cidades mais próximas (Pinotepa e Puerto Escondido). Durante os dois dias, 6 ou 7 pessoas trabalhavam com aquela iguaria. Vários habitantes da comunidade iam passando pelo recinto onde se trabalhava com vontade de assistir e experimentar o mel daquela temporada. As crianças saíam da escola e dirigiam-se para aquele lugar para pedir um favo de mel ou para que lhes enchessem as garrafinhas que traziam vazias.
Outros grupos dedicavam-se a caçar iguanas (carne muito apreciada) ou veados (carne utilizada para dias de festa), que depois vendiam de porta em porta, e à elaboração de tortillas ou à limpeza da praia…
As actividades de recolha de mel, limpeza da praia e o restante trabalho que a comunidade desenvolve com as tartarugas marinhas é apoiado e acompanhado pela associação “Red de los Humedales de Oaxaca”. Não só divulgam estas acções através de documentários, como também ajudam a publicitar e a encontrar compradores para o mel produzido artesanalmente, incutindo o espírito empreendedor a esta comunidade que se encontra tão isolada.
Durante este mês, tivemos um contacto muito directo com a família que nos cedeu a casa e que nos ajudou a ambientar à vida e ao ritmo de La Tuza.
As duas filhas, Flor e Sandra, respectivamente de 5 e 9 anos, desde o primeiro instante se mostraram muito curiosas, em relação a nós, e foram as nossas companheiras de passeios e professoras de espanhol. Com uma curiosidade difícil de saciar, permaneciam na nossa “casa” e apontavam de dois em dois minutos para objectos pessoais como: o repelente, os medicamentos, a máquina fotográfica, a fita-cola (inexplicavelmente, muito desejada pelas duas!) ou os óculos de sol, perguntando para que serviam e como se chamavam.
A Maria (de 38 anos), mãe das crianças, é uma mulher muito humilde e muito trabalhadora. Além de cuidar da casa, das galinhas e das duas meninas, fazia tortilhas para vender aos vizinhos, apanhava a lenha, para usar no seu rudimentar fogão a lenha, pescava com as filhas na lagoa e, muitas vezes, vendia esse peixe na cidade mais próxima. Foi a pessoa que mais satisfez a nossa curiosidade e necessidades: todos os dias cozinhava o nosso almoço (pronto às 10h) e jantar (16h30). Quase todos os dias tínhamos uma surpresa à refeição: iguana (verde ou preta) e os seus ovos, sopa de miúdos de veado, peixes voadores, óptimos refrescos de maracujá e da bonita flor de Jamaica. Quando não havia carne ou peixe, comíamos apenas feijão, arroz e tortilhas.
Para retribuir, começámos também nós a cozinhar para a família, pratos italianos e portugueses: gnochi, carbonara, caldeirada de bacalhau, carne de vaca grelhada (muito apreciada, mas pouco utilizada por ser cara).
O chefe de família é Roman tem 34 anos. Segundo a sua esposa era muito trabalhador com vários trabalhos entre mãos (o mel, campo com milho, coordenador do projecto de conservação de tartarugas marinhas…). No entanto, durante o mês que permanecemos com a família, poucas vezes o vimos a trabalhar activamente. Quando fazia algo era num ritmo muito particular e com intervalos contínuos, intercalando cervejas e cigarros. Também faziam parte da família as galinhas, os “pollitos”, fraguinhos adorados pela Flor, e dois cães muito magros, um deles especialista na caça de iguanas.
Outras curiosidades desta comunidade:
Como La Tuza é uma comunidade afro-índigena, os seus habitantes têm feições bastante características: da fusão entre traços europeus, africanos e mexicanos resultam bonitas crianças de olhos azuis, pele escura, cabelo encarapinhado e traços faciais indígenas.
A cultura indígena está bem patente: sangram-se as iguanas vivas e depois utilizam o sangue para curar as mais diversas enfermidades; falam de um vento mau (vento do diabo) que vem do mar: vira a cabeça das galinhas matando-as ou provocando irritações nos olhos das crianças. De forma a acalmar o espírito que provoca este mal-estar, sopram fumo de cigarro, como forma de oferenda . Existem também muitas lendas, personificando a natureza. A Sandra disse-nos para termos cuidado com o mar, porque é ciumento e leva as mulheres apaixonadas.
Ao contrário do que imaginávamos La Tuza é uma aldeia barulhenta. Todos os dias acordávamos ao som das cúmbias ou com os vários galos da aldeia (começavam a cantar à desgarrada, às 4h da manhã) e à noite tínhamos um barulho ensurdecedor
(mas muito agradável) provocado pelas várias espécies de animais.
Cada evento é um motivo de festa onde a comunidade se encontra para socializar e dançar toda a noite. Curiosamente, o Natal parece que passa um pouco ao lado destas pessoas: não há ceia, presentes, nem reunião familiar. No dia 25 de Dezembro, algumas pessoas deslocam-se até à praia para fazer um piquenique.
Uma das coisas a que, com pena, nos tivemos de habituar, foi a forma como passamos a tratar o lixo. Como nesta aldeia não existe recolha de lixo queimam diariamente papel e plástico e enterram o vidro e o metal.
Em La Tuza, pelo que assistimos, os homens não tratam de assuntos sérios com as mulheres, nem elas com os homens. Aqui, os problemas resolviam-se entre pessoas do mesmo sexo. Trabalhos como a limpeza de praia ou recolha de mel, são trabalhos exclusivamente masculinos. Por sua vez, cuidados com a casa, crianças ou animais, tarefas apenas da responsabilidade do sexo feminino
Apesar de ter sido uma experiência diferente daquela que esperávamos, pois pensávamos que iríamos trabalhar diariamente com as tartarugas, foi sem dúvida interessante e pessoalmente muito enriquecedora. Partimos com saudade e com a certeza de que se um dia voltarmos à costa de Oaxaca, iremos visitar La Tuza.