Há dias em que Sandro Guerreiro não tem tempo para dormir. Começa no supermercado às 11h30 e deixa o serviço pelas 21h30, para depois entrar no hotel à meia-noite e completar uma segunda jornada de trabalho até às oito da manhã.

Não ter tempo para dormir é força de expressão, na perspetiva deste algarvio de 47 anos, natural de Tavira. O Minipreço, onde é subgerente, fica em Olhão e o hotel, na Manta Rota, local de residência. As viagens pela Estrada Nacional 125 demoram 40 minutos, mas ainda lhe sobram uns pozinhos na ampulheta das 24 horas diárias para descansar. Depois de jantar, em casa, tem hora e meia até se apresentar no Praia da Lota Resort, onde é rececionista. Após sair do hotel, faltam três horas e meia para voltar ao trabalho no supermercado. Escusado será dizer que dorme em todos os “intervalos”, aproveitando, também, as preciosas duas horas de almoço.

“Descobri um centro comercial próximo, com um parque de estacionamento pouco iluminado, e vou para lá dormir no carro”, conta, sobre o seu mais recente improviso para enganar o sono. Está habituado a tirar o máximo benefício destas pausas de curta duração. Afinal, desde 2001 que Sandro se desdobra nestes dois trabalhos, na certeza de ter dois salários e contas pagas ao fim do mês. “Ninguém tem dois empregos porque quer. Tem porque precisa deles para não viver mal”, salienta.

Precariedade e custos da habitação

Em 2023, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de trabalhadores em Portugal com dois ou mais empregos chegou a 251 mil. Um novo máximo anual, pelo menos desde 2011, ano a partir do qual o Inquérito ao Emprego adotou sempre a mesma metodologia, permitindo a comparação direta – no caso dos empregados domésticos, por exemplo, são contabilizados “tantos empregos quantas as casas onde trabalham”. E a tendência parece apontar para este número continuar a crescer, uma vez que, no primeiro trimestre de 2024, a fasquia já ultrapassou as 262 mil pessoas com mais do que um emprego.

De 2022 para 2023, mais 16 200 trabalhadores (um aumento de 7%) viram-se na inevitabilidade de encontrar uma segunda fonte de rendimento. O impacto da inflação, a subida sucessiva das taxas de juros e os salários baixos compõem a trilogia explosiva de muitas famílias.

“É surpreendente haver este aumento. Seria de esperar que o número de pessoas até diminuísse, já que as empresas estão a oferecer postos de trabalho”, diz Pedro Martins, professor da Nova SBE e ex-secretário de Estado do Emprego. Mas a realidade é, como se vê, bem diferente.

Fotos: José Carlos Carvalho

Inês Santos, 37 anos
+ Administrativa
+ Massagista

Três operações ao joelho obrigaram-na a submeter-se a muitas sessões de fisioterapia. Tantas que acabou por ganhar o “bichinho” das reabilitações físicas. Tirou formações e, em 2018, começou a estagiar em clubes de futebol, depois saltou para clínicas e hoje, aos 37 anos, dá massagens por conta própria – ao sábado numa esteticista e, durante a semana, no horário de almoço, no local de trabalho principal. Das 9h às 18h, é administrativa na Adecco e não esconde a alegria por, finalmente, poder viver com “um certo desafogo financeiro”.

Os estudos, tanto “qualitativos como quantitativos”, mostram “uma relação entre precariedade laboral e duplo emprego”, nota Renato do Carmo, sociólogo e investigador do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa (IUL). O também coautor do livro O Mundo do Trabalho a partir de Baixo – Retratos e Percursos (Editora Mundos Sociais, CIES, Iscte – IUL) sustenta que os “salários não aumentaram muito e o custo de vida está demasiado alto”. Muitos trabalhadores que até “tinham uma remuneração razoável”, concretiza, tiveram de socorrer-se de outro emprego devido ao aumento dos “custos da habitação”.

Por outro lado, nas entrevistas que fez para o livro, Renato do Carmo verificou uma “estratégia” para fazer face à insegurança. “Quem tem contrato a prazo ou a termo certo recorre à possibilidade de ter mais um emprego no cenário de perder um deles.” É uma forma de prevenir o futuro, uma salvaguarda “caso se fique sem um deles, e cair na pobreza”. Toda esta incerteza laboral, observa, agravou-se muito com a pandemia. “Muitas pessoas perderam o trabalho e ficaram sem rendimento de um dia para o outro.”

56 horas semanais

Ter duas atividades não é novidade no nosso país, como o exemplo de Sandro Guerreiro o demonstra. Há 23 anos que passou a conjugar um segundo emprego no hotel, duas noites por semana (e outras mais em períodos de férias de colegas), com o do supermercado durante o dia, no qual tem duas folgas semanais rotativas. Ao início, recém-casado e “com a hipoteca da casa às costas”, foi esta a solução encontrada para poder ter filhos. Desde que se divorciou, já passou uma década, e tendo ficado com os dois filhos menores a seu cargo (hoje, com 24 anos, o mais velho já trabalha), ainda mais importante se tornou preservar a situação de duplo emprego.

“Sobrar nunca sobra, mas habituamo-nos a que nunca falte dinheiro ao fim do mês”, confessa o algarvio, que todos os meses leva para casa cerca de €1 200 líquidos. “Sempre com um sorriso na cara”, como nos relatam colegas de trabalho, orgulha-se de ter conseguido juntar o suficiente para pintar a casa, apontando como “maior extravagância” uma ida com os filhos a Lisboa, para assistir à convenção de cultura pop Comic Con. Apesar de nunca ter férias de verdade, na sua cabeça estamos perante outra força de expressão. “Não consigo tirar férias dos dois trabalhos ao mesmo tempo, mas, mesmo que conseguisse, não ia querer. Assim, tiro à vez e é quase como se estivesse de férias durante dois meses”, raciocina, à gargalhada.

Numa semana normal, acaba por completar 56 horas de trabalho, 40 no supermercado, a tempo inteiro, mais 16 no hotel, a tempo parcial. No segundo emprego, posiciona-se um pouco acima da média nacional, que em 2023 se fixou nas 13 horas por semana, segundo o INE. Quer isto dizer que a segunda atividade se caracteriza, regra geral, por um emprego em regime de part-time.

Sandro Guerreiro, 47 anos
+ Subgerente de supermercado
+ Rececionista de hotel

A escala semanal deste algarvio de Tavira é rotativa, na medida em que trabalha cinco dias por semana num supermercado do Minipreço, em Olhão, incluindo sábados e domingos. Uma vez que está sempre na receção do Praia da Lota Resort, em Manta Rota, nas madrugadas de sexta e sábado, há dias em que consegue ter folgas completas e outros em que trabalha sem parar. Anda nesta vida desde 2001 e não pensa parar tão cedo, porque sabe que se sustenta com €1 200 líquidos por mês. “É chapa ganha, chapa gasta. Não sobra, mas também não falta”, salienta.

Nas palavras do sociólogo Renato do Carmo, o duplo emprego, sendo um fenómeno que “sempre marcou” o mercado de trabalho, tem agora “novas roupagens”, mas mantém a mesma finalidade de sempre: fazer face a despesas. “Se antes se trabalhava em fábricas e no setor agrícola ao mesmo tempo, agora é mais na área dos serviços”, indica, suportado nos registos do INE (ver infografia). E em momentos de crise, já se sabe, este “recurso aumenta”.

Bernardo Peixoto, de 30 anos, é disso exemplo. Durante os confinamentos ditados pela pandemia ficou sem trabalho. Enviou currículos “para todo o lado”, lembra, incluindo para cadeias de supermercados, mas não conseguiu nada. Teve de recorrer aos pais.

Bernardo define-se como “contador de histórias reais” e “natural dos bastidores”. Em televisão, teatro, espetáculos e eventos, pode estar na pele de assistente de produção – fez parte da equipa de programas como Portugal Tem Talento e Vale Tudo – ou de entrevistador ou de apresentador, como nas “conferências” para a Fundação Gulbenkian, a fazer Comunicação de Ciência. Fez formação na área do teatro, um curso de Jornalismo e Comunicação Audiovisual e é mestre em Engenharia e Gestão Industrial. A sua lufa-lufa de eventos e apresentações esfumou-se com a chegada da Covid-19. “Para comprar uma cebola tinha de pedir aos meus pais”, ilustra, a rir. A estabilidade financeira haveria de chegar no ano passado, altura em que começou a dar aulas de Matemática.

Os mais qualificados

A maioria dos trabalhadores que acumulava dois empregos, em 2023, tinha formação superior (141 900), tal como Bernardo, seguindo-se os que têm o Ensino Secundário (55 800) e o Ensino Básico (53 300).

Estes números não surpreendem o economista Pedro Martins. “É a ilustração do fenómeno de o mercado de trabalho ter dificuldade em absorver os mais qualificados.” Não conseguem encontrar empregos ajustados à sua formação e o custo de vida está a “subir mais” do que as ofertas salariais.

O ex-secretário de Estado chama a atenção para um problema estrutural de falta de ligação entre o Ensino Superior e o mercado de trabalho. “Os cursos que têm mais vagas não são aqueles que as empresas mais procuram. É preciso ajustar a oferta e a procura.”

Maria José Chambel, pró-reitora da Universidade de Lisboa e professora de Psicologia do Trabalho e das Organizações, põe a tónica no investimento que as famílias fizeram para terem os filhos a estudar na universidade, o que, depois, não é compensado com a atividade profissional. “Mesmo aqueles que encontram trabalho têm um salário relativamente baixo, e a alternativa é procurar um segundo emprego.”

Hoje, Bernardo Peixoto divide-se entre a Escola Secundária Rainha Dona Leonor e a Escola Agrícola da Paiã (vertente técnico-profissional), ambas em Lisboa, e os trabalhos que vai arranjando como assistente de produção ou contador de histórias. “Não consigo dizer qual é o primeiro e o segundo emprego. Tenho a sorte de gostar muito de ambas as coisas que faço.”

Juliana Ferreira, 39 anos
+ Lojista
+ Empresária

Ao se ver de baixa médica, por complicações pós-parto, Juliana Ferreira decidiu procurar um rendimento extra. Por mero acaso, quando procurava uma recordação para assinalar o batizado da filha mais nova, apercebeu-se de como os preços estavam acima das suas expectativas e criou um negócio de brindes e de lembranças para ocasiões especiais. Com a pandemia, o marido ficou desempregado, mas o orçamento familiar equilibrou-se à custa das vendas online dos artigos que os dois produzem. Agora, com os dois empregados por conta de outrem, ela há mais de 20 anos numa loja da Zara, o trabalho por conta própria “proporciona algum conforto financeiro”.

Em termos de horário, dar aulas será o primeiro emprego, já que é o que lhe “ocupa mais tempo”. Tem 26 horas letivas (o horário completo de professor são 22 horas) para sete turmas de alunos, mas tem pudor em assumir-se como docente. “Tenho muito respeito pelos professores, sempre tive admiração pela profissão e estou a contribuir para aquilo a que mais dou valor, que é a Educação. Mas prefiro dizer que estou como professor.”

O salário como professor não chega para a sua “independência”. “Dos €1 700 que ganho nas duas escolas, mais de metade é para pagar a renda” da casa (vive sozinho). “Só este trabalho não dava para viver, o custo de vida em Lisboa é caro.” Por isso, acumula dois empregos, mas “trabalharia menos horas se pudesse”. Nos próximos meses, tem um segundo trabalho já garantido: a bordo de um cruzeiro no Douro, vai contar “as histórias por detrás de alguns produtos locais, enquanto os turistas os provam”.

Bernardo trabalha desde os 17 anos e tenta seguir sempre a máxima transmitida pela mãe: “Comer bem, dormir bem e fazer tudo com amor.” Fala com orgulho de todos os trabalhos que já teve, como servir às mesas, lavar copos numa discoteca ou vender e “apregoar” numa feira de artesanato, sublinha, com humor. “Gostei de todos e aprendi com todos, adoro o contacto próximo com as pessoas.”

Por vezes, sente-se cansado, claro, são muitas horas de concentração e de deslocações que tenta compensar com o que lhe dá mais prazer, “ir ao teatro e estar à mesa a comer e a ouvir histórias”.

Impacto na saúde

A Grande Lisboa é a segunda região do País com mais pessoas que têm dois ou mais trabalhos – cerca de 62 mil (24,9% do total, no final de 2023). No Norte, ascendem a 79 mil – ou 31,5%. Para a bracarense Juliana Ferreira, de 39 anos, a necessidade aguçou o engenho. Ao procurar uma lembrança para o batizado da segunda filha, deparou com “preços muito caros” e decidiu meter mãos à obra. Sem nada saber sobre o ofício das molduras, caixas ou canetas de bambu, abriu uma empresa de presentes para acontecimentos ou dias especiais, que ela própria produz em casa e vende online.

Na época, Juliana encontrava-se de baixa médica, devido a complicações pós-parto, e logo chegou a pandemia, que empurrou o marido para o desemprego. Com um rombo no orçamento, ela aprenderia em vídeos do YouTube a fazer os presentes personalizados, em MDF (um derivado da madeira), enquanto ele estudava como criar sites, até conseguir desenhar e operacionalizar, no ano passado, o julianaferreirastore.com. As encomendas nunca pararam de crescer – primeiro, destinadas a amigos e a pessoas próximas; agora, com selos que já chegam a países como a Austrália, o Japão e os Estados Unidos da América.

Bernardo Peixoto, 30 anos
+ Professor
+ Produtor de eventos / comunicador de Ciência

Já serviu à mesa, lavou loiça e vendeu numa feira de artesanato, mas a pandemia deixou-o no desemprego e a ter de pedir dinheiro aos pais até para comprar uma cebola. Deu a volta. Aos 30 anos, está como professor de Matemática, como gosta de dizer, mas o que ganha, na soma de duas escolas, é desviado em mais de 50% para a renda da casa, em Lisboa. Completa o orçamento com trabalhos como assistente de produção ou comunicador de Ciência. A próxima atividade secundária será a bordo de um cruzeiro no Douro, a falar de produtos locais enquanto os turistas os saboreiam.

“Em 2024, nota-se uma procura muito maior por artigos personalizados, principalmente das lembranças para comunhões e batizados”, faz saber esta trabalhadora de uma das lojas da Zara, em Braga, já lá vão 22 anos. “Felizmente, voltei ao trabalho e o meu marido também já arranjou emprego, que conjugamos com o negócio por conta própria. Aproveitamos todas as horas disponíveis e não temos folgas, mas vivemos agora com um conforto que não tínhamos”, afirma, já com o aumento da prestação da casa “para o dobro” devidamente ponderado e com uma semana de férias em Espanha paga, o que seria impensável até ao ano passado.

A certa altura do processo, Juliana e o marido sentiram a obrigação de abrandar. Chegavam a prolongar o horário do segundo emprego até às três da manhã – ora a responder a emails de clientes ora a fazer inscrições a laser nos produtos personalizados –, mas não demoraram a perceber que seria “abusar da sorte”, quando despertam pelas 7h45, para levar as filhas à escola e as encomendas aos correios, antes de iniciarem a primeira jornada laboral do dia. Agora, à exceção dos dias anteriores ao Natal, os de maior azáfama, a hora-limite para o descanso é a uma da madrugada.

A ideia de não ter tempo para nada, de estar sempre a trabalhar e em ritmo de aceleração gera angústia, frustração e ansiedade. O impacto na saúde “é brutal”, salienta Jaime Ferreira da Silva, psicólogo e presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações da Ordem dos Psicólogos. “As pessoas têm de se desdobrar em mais horas de trabalho e em deslocações, por vezes demoradas.”

Os salários não aumentaram muito e o custo de vida está demasiado alto, sobretudo a habitação

Renato do Carmo Sociólogo e investigador do Iscte

Os danos colaterais são o défice de sono e, consequentemente, o “aumento da probabilidade de acidentes de trabalho”. A atenção concentrada e o raciocínio tendem a reduzir-se, quando se está cansado – estudos científicos alertam para uma correlação entre a falta de sono e o aparecimento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. Há uma “menor qualidade na tomada de decisões”, sublinha, e menos fluidez expressiva.

Além disso, pessoas cansadas “têm menos resiliência”, são mais impetuosas. O psicólogo aconselha que a opção pelo duplo emprego deve ser “temporária”, não devendo ultrapassar, “no máximo”, 12 meses. Trabalhar e descansar nos intervalos implica menos relações sociais. “Há um empobrecimento da vida”, que passa a estar muito circunscrita ao trabalho, faltando os “momentos de lazer” que geram prazer, alega Jaime Ferreira da Silva.

Ana Isabel Couto, do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, acrescenta que a “erosão do tempo passado em família” tem consequências negativas no bem-estar pessoal.

Há vida para lá do trabalho

A necessidade dita a procura por um segundo trabalho. “Ninguém quer estar longe dos filhos”, refere Maria José Chambel, da Universidade de Lisboa e docente de Psicologia do Trabalho e das Organizações. “Um casal que tenha dois ordenados baixos”, exemplifica, “tem de suportar os custos de habitação e de alimentação” e, se tiver filhos, “são mais os custos educativos”. Muitas pessoas não estão a aguentar “este esforço”. Mesmo quem tem um “chamado salário médio de €1 200 por mês” não consegue cumprir com todas as “suas obrigações”.

Numa altura em que se fala tanto na promoção da saúde mental dos trabalhadores e em novos modelos de trabalho, como a semana dos quatro dias, parece contraditório haver uma subida do duplo emprego. “É, de facto, um paradoxo. Já existe essa tendência para reduzir o número de horas de trabalho, por forma a conciliar a vida pessoal e familiar, tendo mais tempo para dedicar a outras atividades”, diz a professora, mas as condições de vida “são desiguais”.

Nos países nórdicos, precisa, é “possível optar por um horário de trabalho de 30 horas semanais, reduzindo o salário proporcionalmente”, porque “conseguem” viver com esse ordenado. Em Portugal, os trabalhadores “dificilmente conseguem sobreviver com um horário de 35 ou de 40 horas semanais e ainda vão à procura de um segundo emprego”.

Inês Santos, de 37 anos, mergulhou de cabeça nessa realidade, em 2018, não só porque precisava de ajudar a mãe nas contas da casa mas também porque ganhara o “bichinho” da fisioterapia, nas reabilitações a que se submetera, após três operações ao joelho. Depois de algumas formações, estreou-se como massagista nas camadas jovens de dois clubes de futebol da zona de Lisboa, o Oriental e o Sacavenense, das 18h às 23h, a que somava os jogos ao fim de semana. À época, acumulava com o trabalho numa empresa de aluguer de automóveis, das 8h às 17h. Era demais.

“O resto do tempo era para descansar. Quando saía à noite, não era a mesma coisa. Já ia cansada, não chegava a desfrutar, mas o pior é que no dia seguinte estava ainda mais cansada”, desabafa a lisboeta, arrependida de ter descurado, por exemplo, as consultas de rotina ou os cuidados com a saúde mental, que aprendeu a valorizar.

Foi só nos últimos dois anos que Inês viu a vida profissional estabilizar. Desde que se tornou administrativa na Adecco, empresa de recursos humanos, diz ter um ordenado que lhe cobre as despesas mensais, incluindo a subida dos juros do crédito à habitação. Uma tia, com quem vive agora, também dá um precioso contributo na gestão orçamental, acrescenta.

Como extra, juntou o útil ao agradável: dá massagens particulares, sobretudo para aliviar dores, nas instalações da Adecco, durante a hora e meia de almoço. Diga-se que o músculo esternocleidomastóideo, celebrizado por Vasco Santana em A Canção de Lisboa, é um dos mais requisitados, uma vez que está na origem dos não menos famosos torcicolos, explica Inês.

“Esse dinheiro dá-me um certo desafogo financeiro, por exemplo para levar a minha cadela Pinscher ao veterinário. Quem tem animais sabe que nunca fica por menos de €80 ou de €90”, partilha.

O impacto na saúde é brutal. Aumenta a probabilidade de acidentes de trabalho e há uma menor qualidade na tomada de decisões

Jaime Ferreira da Silva Psicólogo

Ao sábado, já há quatro anos que Inês dá massagens numa esteticista, mas praticamente deixou de fazer domicílios. Todos os rendimentos enquanto técnica auxiliar de fisioterapia são agora canalizados para poupanças, até porque a vida não pode ser só trabalho.

A primeira viagem ao estrangeiro, no caso à ilha do Sal, em Cabo Verde, é muito recente e está ainda bem presente na memória, mas a próxima também já está no pensamento. “Viajar faz muito pela realização pessoal, a começar logo pelo facto de a conseguirmos pagar a pronto”, atira. Comprar um carro elétrico, para substituir um a gasóleo com 17 anos, do qual já saldou a totalidade do crédito bancário, é outro plano na mente de Inês Santos.

Sobretudo para sobreviver, mas também para aproveitar o que a vida tem de bom, eis duas razões que justificam o aumento do duplo emprego num País de baixos salários.

O alarme voltou a soar na véspera de 185 milhões de cidadãos, em 27 países, começarem a sair à rua para depositar o seu voto e escolherem, na segunda maior eleição democrática do mundo, os seus 720 representantes no Parlamento Europeu. Apesar de ser subscrito por um grupo internacional de 59 cientistas, de 44 instituições de renome, de ter a chancela de uma instituição com o prestígio da Earth System Science Data e de ter sido divulgado no Dia Mundial do Ambiente, o alarme não conseguiu ter o apelo suficiente para mudar o rumo das campanhas eleitorais, nem provocar qualquer alteração nos discursos dos líderes europeus, mesmo os que não estavam diretamente sujeitos ao escrutínio popular. Num momento crucial para o futuro da Europa, o silêncio com que foi acolhida a publicação de um estudo a alertar a Humanidade para o facto das alterações climáticas estarem a acelerar mais depressa do que nunca é o mais perfeito indicador do desinteresse que se apoderou, atualmente, dos governos e dos cidadãos perante a rápida deterioração do ambiente no planeta em que habitamos.

A divulgação de um estudo com estas caraterísticas ‒ que anuncia, com dados científicos indesmentíveis, que as piores previsões do passado vão afinal ocorrer mais cedo do que se esperava ‒ teria, noutros tempos não muito distantes, criado um clamor de urgência e a exigência de medidas que procurassem inverter a situação ou, no mínimo, abrandar o pior. Desta vez, no entanto, ninguém se sobressaltou. Bem pelo contrário: todos tentaram olhar para o lado, como se o assunto não lhes dissesse respeito.

Este episódio é ilustrativo de um facto novo na realidade política atual, não só europeia mas porventura mundial: embora seja urgente, o tema das alterações climáticas passou a ser impopular, tóxico até em certos setores. Pior: segundo alguns estrategas políticos, alertar para os perigos do aquecimento global já não faz ganhar votos, como pode até afugentar muitos eleitores. Nestas eleições europeias, um pouco por todo o lado, a família dos Verdes foi a mais penalizada nas urnas e, por isso, a que mais viu reduzir a sua presença no Parlamento de Estrasburgo. Essa penalização foi ainda mais severa nos países onde o movimento ambientalista tinha maior tradição e que, nas últimas décadas, havia ganho relevância suficiente para influenciar mudanças de discurso e de objetivos programáticos nos partidos tradicionais e, assim, obrigar a alterações em muitas políticas nacionais, mas também europeias.

Quer se queira quer não, a Europa afirmou-se globalmente com uma posição de liderança na defesa do ambiente e na luta contra o aquecimento global. Apesar de algumas indecisões e até de certas hipocrisias, o bloco europeu é hoje a região do mundo mais determinada na transição energética e no desenvolvimento científico de soluções alternativas para os combustíveis fósseis. A União Europeia comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica até 2050, e lançou uma série de outras medidas, reunidas no Acordo Verde promovido pela comissão de Ursula von der Leyen para reduzir a poluição e proteger a Natureza.Apesar de muita dessa legislação ter sido viabilizada com base em consensos entre os partidos do centro, a verdade é que o choque com a realidade começou, aos poucos, a desfazer muitos desses compromissos. Especialmente a partir do momento em que os populistas começaram a cavalgar os protestos populares contra as consequências da transição energética, nomeadamente o aumento do preço dos combustíveis e as alterações na política agrícola.

Aos poucos, o ambiente passou a ser um assunto secundário nas campanhas eleitorais, com as discussões a centrarem-se na economia, na imigração e noutros temas considerados mais fraturantes. A grande dúvida agora é a de saber se essa subalternização das políticas climáticas no discurso irá ter também reflexos nas políticas, ao longo dos próximos cinco anos, um período crucial para determinar se a Europa conseguirá cumprir as metas a que se propôs em matéria de alterações climáticas até 2030. A nova composição do Parlamento Europeu, com mais deputados de extrema-direita, muitos deles negacionistas do clima, e com menos representantes dos partidos ambientalistas, pode ser determinante para as políticas e os objetivos com que os 27 Estados-membros se vão comprometer para o período seguinte, até 2040. Para já, sabe-se que algumas medidas, como a eliminação da venda de automóveis novos a combustão até 2035, podem ser revistas, procurando um prazo mais dilatado para a sua concretização. Mas o risco maior será o de, perante a pressão dos protestos e a urgência de outros temas, as medidas ambientais voltarem a ocupar um lugar secundário nas políticas europeias. E, ainda por cima, sem que ninguém se sobressalte com isso, só pelo medo de perder eleitores.

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Dedicadas a celebrar o Santo Padroeiro da cidade de Lisboa, as festas de Santo António realizam-se a 13 de junho. Às festividades, espalhadas um pouco por toda a cidade, estão associadas várias tradições e símbolos com séculos de história que ainda hoje são celebrados.

Em honra de Santo António, o dia 13 de junho é celebrado há vários séculos pelos habitantes da cidade de Lisboa, incluindo tradições como fogueiras e cortejos, que evoluíram para o que hoje se conhecem como arraiais populares. Segundo o Museu da cidade de Lisboa, este era também um dia celebrado pela família real, que visitava a igreja na véspera, de forma a presentear o povo com ofertas, como os típicos bolos de Santo António. Comemorado por várias freguesias e bairros da cidade, as celebrações geralmente terminavam com um espetáculo de fogo-de-artifício e sessões de touradas no Rossio ou Terreiro do Paço.

Estas festas ficaram também conhecidas pelos “Tronos de Santo António”, uma tradição do século XVIII que envolvia a construção de pequenos altares ao santo para adornar janelas e soleiras de portas. Os tronos, que ainda hoje existem, tornaram-se populares após o terramoto de Lisboa de 1755, como forma de pedir esmolas para a reconstrução da Igreja de Santo António.

Santo António é padroeiro da cidade de Lisboa?

Esta é uma das dúvidas que mais parece surgir durante esta altura do ano. Será Santo António o santo padroeiro da cidade? De acordo com o site da Sé de Lisboa, igreja que “que viu crescer Santo António e guarda as relíquias de São Vicente”, este primeiro é considerado o verdadeiro padroeiro da cidade, sendo o segundo, São Vicente, o padroeiro principal do Patriarcado. Já a Nossa Senhora da Conceição é – a par de Santo António desde 1934 – a padroeira principal de Portugal.

Sendo um dos santos mais populares da Igreja Católica, reza a lenda que Santo António terá nascido em Lisboa, em 1195 numa casa onde, posteriormente, terá sido construída uma igreja em sua homenagem. Tendo dedicado a sua vida a ajudar os pobres sabe-se que Santo António terá vivido em Lisboa, Coimbra e, mais tarde, Pádua, em Itália, onde veio a falecer a 13 de junho de 1231. São-lhe atribuídos vários milagres, enquanto membro da Ordem dos Franciscanos e professor de Teologia na Itália, contudo, em Portugal, Santo António ficou sobretudo conhecido pelo título “Santo casamenteiro”, por ser um conciliador de casais – decorrendo, por isso, na véspera do dia da sua morte, os famosos Casamentos de Santo António.

Apesar de ser o padroeiro de Lisboa, outras zonas do País também celebram esta data, entre as quais, Aljustrel, Alvaiázere, Amares, Cascais, Estarreja, Ferreira do Zêzere, Proença-a-Nova, Reguengos de Monsaraz, Vale de Cambra, Vila Nova da Barquinha, Vila Nova de Famalicão, Vila Real e Vila Verde.

Casamentos de Santo António

Os casamentos de Santo António são uma das tradições mais aguardadas nas celebrações das festas de Lisboa. Tradicionalmente, cerca de 16 casais “dão o nó” através de uma cerimónia religiosa, transmitida na televisão, que ocorre sempre a 12 de junho, na Sé de Lisboa. Esta iniciativa – que começou em 1958 com o nome original “Noivas de Santo António” – nasceu de uma proposta apresentada numa reunião de câmara de Lisboa pelo vereador Augusto Pinto. Contudo, foi o jornal Diário Popular o seu grande impulsionador. O órgão de comunicação – extinto em 1991 – foi o principal responsável pela promoção, financiamento e organização do evento, tendo mobilizado “a sociedade civil, criando uma onda de simpatia, captando e noticiando apoios de particulares, estabelecimentos e marcas comerciais”, conforme afirmam os arquivos da autarquia disponíveis na Hemeroteca de Lisboa.

A primeira edição dos casamentos de Santo António aconteceu a 13 de junho de 1958, com 36 casais a participarem. A iniciativa, que ainda mantém o seu propósito inicial, tem por objetivo possibilitar o casamento a casais com maiores dificuldades financeiras. Desde os véus das noivas, os sapatos utilizados pelos noivos, todas as despesas resultantes das cerimónias dos 36 casais são pagas pelos principais patrocinadores.

Terá sido o jornal a organizar aspetos essenciais do evento, como a angariação de padrinhos, vestidos e ramos das noivas, alianças, lua de mel e até a atribuição de prémios para os participantes que iam desde as mobílias e eletrodomésticos aos apartamentos – entregues em algumas das edições. O Diário Popular atribuiu ainda a cada casal 500 escudos – cerca de dois euros e meio atualmente – para as primeiras despesas de casados bem como burocracias necessárias para o casamento dos participantes.

Para além do Diário Popular, também a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia estiveram envolvidos na organização da iniciativa contribuindo com as despesas do copo de água – que aconteceu nos Paços do Concelho – e com a atribuição de cerca de 12 mil escudos – aproximadamente 60 escudos agora – a cada casal, respetivamente.

A iniciativa transformou-se numa tradição repetindo-se até 1974, altura em que foram interrompidos após dezasseis edições. Os casamentos só voltaram a acontecer trinta anos depois, em 2004, quando a Câmara de Lisboa decidiu reavivar a tradição.

Marchas populares

Já a criação das marchas populares remonta à época do Estado Novo. As primeiras decorreram a 12 de junho de 1932, no Parque Mayer, com os “ranchos” do Bairro Alto, Campo de Ourique e Alto do Pina. O grande objetivo das Marchas Populares seria, primeiramente, a promoção do próprio parque, criado no início do século.

Pouco anos depois, as marchas passaram a estar integradas no programa das Festas de Lisboa, acabando por se tornar muito um dos pontos altos das celebrações e muito populares entre os lisboetas. Organizado pela Câmara de Lisboa, dois anos depois do seu início, as marchas passaram a integrar 12 bairros e cerca de 800 pessoas que desfilavam do Terreiro do Paço ao Parque Eduardo VII.

À semelhança dos casamentos de Santo António, as marchas terminaram com o fim do regime, regressando apenas em 1980, já na Avenida da Liberdade, com marchas dos diferentes bairros de Lisboa.

Manjericos e Sardinhas

A sua associação às romarias e arraiais das sardinhas e manjericos pouco têm a ver com as celebrações dos Santos populares, sendo um símbolo das festas um pouco por todo o País.

Abundante durante esta época do ano, as sardinhas foram-se associando às festas populares pela imensa oferta e baixo preço. Já os manjericos, associados ao amor, acredita-se que começaram a ser oferecidos entre casais, por serem uma planta popular durante a altura do ano. De acordo com a tradição, ao receberem um manjerico do seu amado, as namoradas deveriam cuidar da planta durante um ano até este ser substituído, por um novo, no ano seguinte. Para além da planta, é comum o vaso ser decorado com pequenos versos populares alusivos ao amor.

A sala ampla e em tons terracota do Hoko é, ao mesmo tempo, sóbria e arrojada, com estruturas de madeira a dividir o espaço e a cobrir o teto, um enorme dragão na parede, além de cerâmica e lâmpadas japonesas na decoração. “Braga pedia um restaurante japonês como este, com uma oferta mais robusta e elaborada, e o ambiente ajuda a criar a experiência”, sublinha Yang Qi, o proprietário. Tem apenas 30 anos, mas começou a trabalhar muito cedo no meio. Primeiro, em Vila Nova de Famalicão, onde vive desde os cinco anos, e os pais tinham um restaurante chinês, que converteu mais tarde à gastronomia japonesa.

A aprendizagem ao longo dos anos permitiu-lhe dar outros saltos e abrir mais casas – o Mikado, em Famalicão e Braga, e o Miyuki, em Vizela, são algumas das mais conhecidas.

O enorme dragão dá o toque arrojado à sala. Foto DR

O Hoko inaugurou há cerca de um ano e conseguiu criar uma clientela fiel. “As pessoas estão cada vez mais exigentes, porque viajam muito, e os nossos clientes também o fazem, mas elogiam-nos e dão-nos um bom feedback”, conta Yang Qi. Quis apostar nos petiscos típicos de uma izakaya, ideais para partilhar entre amigos, sem ser purista. “Foco-me mais no produto e uso alguns temperos e técnicas tradicionais, mas tento ter uma carta para agradar a um grande número de pessoas”, acrescenta.

Uma refeição pode começar com um edamame (feijões de soja com flor de sal, €2), ser acompanhada por miso shiro (caldo adocicado de miso com tofu, algas e wakame, €3), ter como entrada uma japonesinha com ovo (adaptação da nossa francesinha, uma panqueca japonesa de legumes com molho tonkatsu e ovo, entre outros ingredientes à escolha, €9,50), camarão crocante (enrolado em massa kataifi, com um molho especial, €10) ou kaki nama (ostras frescas, €9,50).

Entre as ofertas do sushibar, o new style sashimi (com cortes muito finos de cinco variedades de peixes, €19) ou o taco sakana (tortilha de trigo crocante recheada com peixe branco e salmão, €8) têm sido consensuais. Há ainda gunkans, nigiris e temakis, as robatas (espetadas de carne, peixe ou legumes grelhadas no carvão, €8 a €38), e o preguinho japonês (€19), já um clássico da casa, que muitos escolhem para terminar o repasto. Para conhecer diferentes especialidades, o menu de degustação (€65) é uma boa opção.

Foto DR

Hoko > Av. Dom João II, 378, Braga > T. 93 764 7880 > seg-dom 12h-15h, 19h-23h > Aos domingos, das 11h30 às 14h30, há brunch japonês, uma seleção de oito pratos, para repetir à vontade, por €60

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Já se sabia que o aumento das taxas de importação de carros elétricos fabricados na China era uma forte possibilidade. Consequência das investigações levadas a cabo pela Comissão Europeia, que acusa as marcas chinesas de receberem subsídios injustos, que desequilibram o mercado.

O acréscimo de taxas surge numa época em que se antecipava a chegada à Europa de carros elétricos made in China para segmentos de preços mais baixos.

As tarifas aplicadas atualmente pela União Europeia a carros elétricos chineses são de 10%, mas vão passar a poder ser de até 38,1%. Isto porque a taxa aplicada vai depender, segundo a Comissão Europeia, do nível de cooperação das empresas chinesas. De outro modo, as marcas chinesas que mais cooperem com a Comissão Europeia vão ter vantagens fiscais relativamente aos fabricantes ‘menos transparentes’.

Ainda segundo a Comissão, as novas tarifas podem começar a ser aplicadas já a partir de 4 julho “se as discussões com as autoridades chinesas não conduzirem a uma solução efetiva”.

Voltando aos valores das taxas, de acordo com a Reuters, a tarifa média para as empresas que, de algum modo, colaboraram na investigação da Comissão Europeia será de 21%, valor que poderá atingir os 38,1% referidos no caso das empresas que resistiram à investigação. É, ainda, importante salientar que as novas taxas também serão aplicadas a carros de marcas europeias fabricados na China.

O artigo da Reuters refere taxas específicas que já terão sido decididas para alguns fabricantes: 17,4% para a BYD, 20% para a Geely (Smart, Polestar) e 38,1% para a SAIC (MG, Maxus).

Tendo já sido declarados os grandes vencidos e vencedores da noite de 9 de junho, tendo o Chega dado um grande trambolhão, o Livre rematado uma bola ao poste, o PS tido uma vitória marginal e a IL conseguido o feito de crescer em absoluto de umas legislativas para umas europeias, gostaria de acrescentar um vencedor a esta lista: o Ministério da Administração Interna do anterior governo.

Apesar das tribulações sentidas na preparação do voto em mobilidade com cadernos eleitorais desmaterializados, seja no próprio dia das eleições, seja nas sessões de formação dos membros de mesa e técnicos informáticos, as mesas de voto em mobilidade funcionaram em larga medida sem problemas. Em 241 freguesias deste país (que tem 3092), houve mais portugueses a deslocarem-se às respectivas assembleias de voto nestas europeias do que nas legislativas. Por exemplo, em Armação de Pêra, no Algarve, votaram mais 1300 pessoas. Se contabilizarmos a diferença de votos entre as duas eleições nessas freguesias chegamos à simpática quantia de 18361 eleitores. Quer isto dizer que podemos afirmar, com segurança, que pelo menos duas dezenas de milhar, e quiçá centenas de milhar de eleitores não tiveram de escolher entre o inconveniente de deixar de passar esse fim de semana como bem entenderam e a abstenção, que se reduziu de 69,3% em 2019 para 62,5% este Junho.

O governo e a CNE realizaram uma divulgação suficiente desta possibilidade. Também os partidos, em particular a Iniciativa Liberal, com um elevado sentido cívico, mobilizaram os seus aparelhos de comunicação para apelar ao voto antecipado (que contou com mais de 225.000 votos em urna) e para a sensibilização relativamente ao voto em mobilidade, com o slogan “Agora podes votar no Campo/Praia”. E foi mesmo isso que aconteceu, como mostrarei no final deste artigo.

Considero isto uma vitória do ponto de vista da maturidade da nossa jovem democracia. Tornar a votação o mais fácil possível, sem comprometer a sua integridade e sigilo, é o mínimo que se pode exigir a um país que lamenta inexoravelmente os valores da abstenção após cada ato eleitoral. Penso que estamos nas condições de consolidar este modelo de votação e de testar novos avanços, nomeadamente o boletim de voto eletrónico (que permitirá alargar a votação em mobilidade para eleições multicírculo como é o caso das legislativas, até mesmo votar para as autárquicas fora do próprio concelho) onde se votaria numa máquina e não inserindo o voto numa urna, como primeiro passo, até chegarmos ao voto remoto que já é prática comum, por exemplo, na muy digital Estónia. Alerto apenas para o quão fundamental é o gradualismo da transição e a formação da população para as alterações, pois mais do que viabilidade técnica, é necessário garantir a confiança coletiva no processo (cada um acredita não apenas na integridade e sigilo do seu próprio voto, mas também no de todos os outros), tornando-o hermético não apenas à fraude, como também à suspeita de fraude, que é uma ameaça à própria democracia.

A título de curiosidade, deixo o leitor com a lista das 21 freguesias onde se deslocaram mais eleitores para votar do que os eleitores recenseados nas mesmas, talvez por serem locais particularmente apetecíveis num fim de semana prolongado de junho. Baptizemo-la de seleção Boa Cama, Boa Mesa (de voto):

21º: Giões (Alcoutim, Faro) – 154 Votos / 153 Inscritos (100.65%)

20º: Santiago Maior (Castelo de Vide, Portalegre) – 256 V / 254 I (100.79%)

19º: São João do Peso (Vila de Rei, Castelo Branco) – 113 V / 112 I (100.89%)

18º: Santa Maria de Marvão (Marvão, Portalegre) – 315 V / 312 I (100.96%)

17º: Aldeia do Mato e Souto (Abrantes, Santarém) – 668 V / 660 I (101.21%)

16º: Cepos e Teixeira (Arganil, Coimbra) – 197 V / 193 I (102.07%)

15º: Malpica do Tejo (Castelo Branco, Castelo Branco) – 351 V / 342 I (102.63%)

14º: Santiago de Montalegre (Sardoal, Santarém) – 240 V / 233 I (103%)

13º: Pessegueiro (Pampilhosa da Serra, Coimbra) – 138 V / 132 I (104.55%)

12º: Medelim (Idanha-a-Nova, Castelo Branco) – 194 V / 180 I (107.78%)

11º: Altura (Castro Marim, Faro) – 2083 V / 1917 I (108.66%)

10º: São Cristóvão (Montemor-o-Novo, Évora) – 489 V / 443 I (110.38%)

9º: Cadafaz e Colmeal (Góis, Coimbra) – 310 V / 280 I (110.71%)

8º: Campo do Gerês/São João do Campo (Terras de Bouro, Braga) – 189 V / 169 I (111.83%)

7º: Fajão-Vidual (Pampilhosa da Serra, Coimbra) – 279 V / 229 I (121.83%)

6º: Monsaraz (Reguengos de Monsaraz, Évora) – 752 V / 582 I (129.21%)

5º: Arga (Caminha, Viana do Castelo) – 244 V / 184 I (132.61%)

4º: Porto Covo (Sines, Setúbal) – 1272 V / 941 I (135.18%)

3º: Alcongosta (Fundão, Castelo Branco) – 551 V / 383 I (143.86%)

2º: Comporta (Alcácer do Sal, Setúbal) – 1429 V / 973 I (146.87%)

1º: Piódão (Arganil, Coimbra) – 295 V / 134 I (220.15%)

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“O bullying que existe nas escolas não é uma brincadeira”, alertou esta quarta-feira a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), Rosário Farmhouse, que, durante uma audição parlamentar na Comissão de Educação, alertou que o número de casos de comportamentos autolesivos teve “um aumento enorme”.

A responsável sublinhou que grande parte desses casos dizem respeito a bullying e muitos ao chamado “bullying social”. “De qualquer tido de bullying, mas muito deste bullying que os pais não tem noção do que se está a passar, porque é mais invisível e só em casos extremados é que se apercebem”, referiu, dando como exemplos histórias em que todos os colegas da turma são convidados para uma festa menos um: “Ela percebe que foram todos a uma festa e ela foi excluída. E fazem-no sistematicamente”.

“O bullying social é mais invisível mas tem trazido consequências enormes nas crianças, principalmente com comportamentos autolesivos”, e a ser, muitas vezes, desvalorizado pelos próprios colegas, “que acham que é só a brincar”.

“Não é a brincar quando se faz um ato repetido, quando se exerce poder e quando a outra pessoa não quer, sejam humilhações, violência verbal ou física”, salientou.

No ano passado, as escolas denunciaram quase dez mil casos de crianças em perigo às comissões de proteção de menores: Houve “9.929 comunicações de perigo vindas diretamente das escolas”, disse Rosário Farmhouse, citando dados do relatório anual que será entregue ainda este mês no parlamento. Este número revela um aumento em relação a 2022, quando houve 9.082 comunicações à CPCJ por parte de estabelecimentos de ensino, acrescentou a deputada Isabel Mendes Lopes, do Livre, partido que requereu a audição parlamentar desta quarta-feira.

O dia de 30 de novembro de 2022 representa uma mudança paradigmática no mundo da tecnologia e, mais concretamente, no âmbito da Data & AI, com o lançamento do ChatGPT e o nascimento da era da Inteligência Artificial Generativa (GenAI). Apesar de o seu lançamento ainda não ter dois anos, a adoção massiva desta ferramenta e o impacto que tem tido na nossa vida diária, paralelamente com a estonteante aceleração tecnológica que se seguiu, faz-nos sentir que a GenAI já existe há muito.

Com efeito, até ao surgimento de GenAI, a Inteligência Artificial podia ser resumida a modelos de Machine Learning, usados para aplicações muito especificas de predição ou classificação, que na prática faziam inferência sobre dados novos com base em padrões identificados em dados antigos.

Mas a Generative AI representa um novo patamar, onde já não estamos limitados à mera predição do estado de um sistema e passamos a ter modelos com a capacidade de geração de novo conteúdo, numa fantástica emulação do processo criativo humano, que vai desde a linguagem natural, às imagens e vídeos, passando por código de programação, com um potencial significativo para impactar a nossa sociedade, tanto positivamente como negativamente.

Não é difícil observar que estas ferramentas têm capacidades impressionantes e aportam inúmeras mais-valias em termos de produtividade, independentemente da sua área de aplicação. Não obstante, representam também muitos desafios e questões éticas que, enquanto sociedade civil, poderemos não estar, ainda, preparados para enfrentar. A preocupação crescente que advém da possibilidade de criar conteúdo falso ou enganoso, os ditos deepfakes, são um bom exemplo destes desafios, o que exige o estabelecimento e a adoção célere e imperativa de diretrizes e regulamentações para garantir o uso responsável e transparente desta tecnologia.

A GenAI pode vir a ter um impacto significativo no mercado de trabalho atual e não só no que concerne à qualidade do conteúdo. É importante termos consciência de que estamos numa era análoga à da revolução industrial, com o surgimento de uma tecnologia que tem potencial para exercer uma disrupção bastante significativa do mercado de trabalho, tanto no que respeita à extinção ou surgimento de determinadas profissões como hoje conhecemos, como à execução de certas tarefas e modo de operação das próprias empresas.

Algumas profissões criativas, como escritores, designers e artistas, podem vir a enfrentar desafios bastante duros à medida que a tecnologia se torna mais avançada e acessível, enquanto algumas tarefas rotineiras serão facilitadas com o auxílio de aplicações que utilizam os Large Language Models (LLM) e outros modelos de GenAI para criar soluções que são autênticos assistentes virtuais e que têm a capacidade de interagir connosco como se de um agente humano se tratasse.

Quem nunca sofreu com o desgaste de precisar rapidamente de determinada informação e não saber onde a encontrar na base de documentos da empresa? Quem nunca precisou de escrever um email numa língua que não a sua ou de criar conteúdo, seja escrito ou visual, e sofrer de bloqueio criativo?

As potencialidades desta tecnologia são massivas. No entanto, é importante fazer a ressalva de que a GenAI (ainda) não substitui o sentido critico e a tomada de decisão humana, sendo, à data, apenas um complemento e um potenciador do agente humano.

A GenAI oferece oportunidades incríveis para impulsionar a inovação e a criatividade em diversos setores. À medida que a tecnologia continuar a avançar, é fundamental que a sociedade se envolva em reflexões sobre como aproveitar todo o potencial da GenAI de forma ética e responsável.

Vivemos apenas o início desta revolução que é, sem dúvida, empolgante e cheia de possibilidades, mas também de incertezas. “The cat is out of the bag” e teremos de aprender a viver nesta nova realidade. Cabe-nos, enquanto sociedade civil, moldar o futuro de forma a maximizar os benefícios e mitigar os riscos.
Termino, então, com esta questão: será que este texto foi escrito por GenAI?

Se marcas como a Apple, Samsung ou Xiaomi correm para colocar cada vez mais funcionalidades num único smartphone, outras, como a Nokia, querem reavivar a moda dos ‘dumbphones’. A Light enquadra-se nesta segunda categoria e tem vindo a apostar em equipamentos simples, com poucas funções. O novo Light Phone III é exemplo disso mesmo: um telemóvel com ecrã OLED a preto e branco, sem acesso a redes sociais, outras aplicações, Internet ou mesmo email.

Apesar das limitações a nível do software, o Light Phone III tem uma câmara e um chip NFC integrado para permitir fazer pagamentos. A navegação pode ser feita através de um botão físico na lateral. Neste telemóvel é possível encontrar opções para reprodução de música, mensagens de texto, notas de voz, calendário, cronómetro e um alarme, noticia o Engadget.

O Light Phone III tem uma largura semelhante à de um iPhone, mas o seu comprimento é mais curto do que um smartphone da Apple, com a empresa a justificar a decisão com a facilidade de se escrever mensagens desta forma.

O telemóvel, que tem suporte a 5G, conta com 6 GB de RAM, 128 GB de espaço de armazenamento e um chip Qualcomm, além de um leitor de impressões digitais integrado no botão de alimentação e altifalantes.

De acordo com a Light, o modelo chegará ao mercado em janeiro de 2025, mas já pode ser pré-encomendado através do seu website. Quando chegar ao mercado, o aparelho vai custar 799 dólares, mas está a decorrer uma campanha onde é possível comprar o Light Phone III por 399 dólares até ao dia 15 de julho.

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