Em setembro do ano passado, quando o julgamento dos crimes de Mazan começou, Gisèle Pelicot enfrentou as primeiras sessões no tribunal de óculos escuros. A sua figura correspondia ao estereótipo de uma septuagenária francesa que, depois de se reformar, preferiu ir aproveitar a vida para a Provença: tinha uma imagem delicada e uma presença discreta. A mensagem, porém, contrastava com o retrato da “avozinha” suave. Era duríssima: Gisèle Pelicot não quis que o julgamento decorresse à porta fechada, como os seus advogados explicaram, não tinha motivos para se esconder e, sobretudo, não queria ficar trancada para o resto da vida num lugar onde também estavam os seus violadores.
O caso Pelicot ainda demorou uns tempos a ultrapassar a escala nacional, mas acabou por ter uma repercussão planetária: transformada em heroína, Gisèle Pelicot foi eleita, no final de 2024, uma das mulheres do ano. Sempre dispensou protagonismos e mediatismos, mas nunca se coibiu de passar a mensagem: o sentimento de vergonha, associado às vítimas de violência sexual, deve ser transposto para o lado dos agressores. E quando terminou o julgamento do marido e dos restantes 50 homens que se sentaram no banco dos réus, Gisèle Pelicot já não usava óculos escuros. Proferida a sentença, sem raiva nem rancor, dirigiu-se a todas as vítimas de violação: “Quero que saibam que partilhamos o mesmo combate.”
Enquanto jornalista, escrevi várias vezes sobre Gisèle Pelicot cujo caso volto, agora, a recordar por causa de outro caso mais próximo de nós: a violação de uma adolescente de 16 anos, em Loures, a 12 de fevereiro, por três rapazes, com idades compreendidas entre os 17 e os 19 anos. Os suspeitos foram detidos no dia 24 de março pela Polícia Judiciária, mas entretanto libertados pelo juiz de instrução criminal, tendo ficado sujeitos a apresentações periódicas e com proibição de contactos com a vítima. O caso chegou à polícia após a rapariga ter ido ao Hospital Beatriz Ângelo e depois de os médicos, perante os ferimentos que apresentava, terem denunciado a situação. Conhecidos influencers no TikTok, os suspeitos estão indiciados por um total de 51 crimes, entre os quais, sequestro, violação e pornografia de menores.
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O caso de Loures – que, no passado sábado, 5, motivou que várias centenas de pessoas se tenham manifestado em frente à Assembleia da República, em Lisboa, numa concentração com o lema “Violação não se filma, condena-se” – também é chocante pelo facto de o crime ter sido filmado e divulgado nas redes sociais. De acordo com o jornal Expresso, a rapariga terá começado por combinar um encontro com um dos influencers, perto da casa onde vive com os pais, em Loures. Apareceram, depois, os outros dois rapazes e levaram-na para a arrecadação de um prédio, onde ocorreu a violação. Um dos vídeos realizados pelos três jovens foi divulgado nas redes sociais e chegou às 32 mil visualizações. As imagens não revelavam a cara da vítima ou dos agressores, mas não deixavam dúvidas sobre o que aconteceu. Ninguém que tenha visto o vídeo na rede social onde foi partilhado apresentou o caso às autoridades.
Cada caso de violação será sempre um caso, apesar das semelhanças que eventualmente se possam encontrar. Entre Mazan e Loures, há quilómetros e quilómetros de distância. Uma distância tão grande quanto a que separa os 16 anos da adolescente portuguesa dos 72 anos da avó francesa. Aproxima-as, por certo, a tragédia em que as suas vidas foram envolvidas. Mas a vergonha não lhes pertence: tem, definitivamente, de mudar de lado.
À medida que a Europa traça o seu caminho para um futuro sustentável, a integração da computação quântica no Clean Industrial Deal, apresentado no passado mês de fevereiro, revela-se fundamental. A computação quântica, muitas vezes ofuscada pelo burburinho em torno da Inteligência Artificial ou da tecnologia blockchain, assemelha-se ao Gato de Schrödinger, a famosa experiência filosófica. Imagine um gato colocado numa caixa fechada com um mecanismo com 50% de hipóteses de libertar veneno, dependendo de um evento quântico. O gato está vivo e morto até que se abra a caixa. O destino do gato só é determinado quando a caixa é aberta e observada.
Da mesma forma, a computação quântica existe atualmente num estado de imenso potencial, capaz de revolucionar a nossa abordagem aos desafios ambientais ou de permanecer um recurso inexplorado. A “caixa”, nesta analogia, é a nossa política atual e o nosso envolvimento público. Tal como a ação do observador determina o resultado do gato, as nossas decisões e ações coletivas decidirão se a computação quântica se tornará uma ferramenta fundamental na estratégia ambiental da Europa. Enquanto os nossos concorrentes mundiais fazem investimentos maciços, a Europa corre o risco de ficar para trás devido a perceções desatualizadas e a uma abordagem política fragmentada. O relatório Draghi salienta esta lacuna, observando que estão a ser feitos investimentos quânticos significativos fora da Europa.
Em Bruxelas, os debates sobre computação quântica oscilam entre fantasias futuristas e preocupações com a segurança. No entanto, além destas discussões, existe um poderoso potencial de progresso social. A computação quântica pode revolucionar a nossa abordagem às tecnologias limpas, enfrentando desafios químicos complexos ‒ desafios que atualmente bloqueiam melhorias na tecnologia das baterias, do hidrogénio verde e outros. Por exemplo, espera-se que a densidade energética das baterias de iões de lítio melhore apenas ligeiramente nos próximos anos. A computação quântica é a chave para potencialmente duplicar estes valores, revolucionando o armazenamento de energia para veículos elétricos e catalisando uma mudança na mobilidade décadas antes do previsto, reduzindo significativamente as emissões de CO2.
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Este ano, 2025, marca um século desde que o desenvolvimento inicial da mecânica quântica teve origem na Europa. Poderá a Europa dar-se ao luxo de perder a onda da computação quântica? A minha resposta é clara: não! O poder transformador da tecnologia quântica na ciência ambiental é profundo, particularmente no que diz respeito ao aumento da eficiência do armazenamento de energia nas baterias de iões de lítio e ao avanço da produção de hidrogénio verde. Estes avanços são cruciais para acelerar a transição para a mobilidade sustentável e reduzir significativamente as emissões de carbono da Europa. No entanto, a concretização destes resultados depende de uma sólida integração política. O sucesso da computação quântica não será medido apenas pelo avanço tecnológico, mas pela sua capacidade de proporcionar benefícios sustentáveis reais aos nossos cidadãos.
De acordo com dados recentes do Eurostat, os europeus estão cada vez mais conscientes e empenhados na necessidade de uma ação climática eficaz. O impulso para soluções avançadas de tecnologias limpas a partir da computação quântica alinha-se perfeitamente com esta exigência. Os concorrentes mundiais já estão a capitalizar os benefícios da computação quântica, pelo que é essencial que a Europa não fique para trás. Reconhecendo este facto, o Grupo PPE propôs uma “Estratégia Quântica da UE para o Clima” no âmbito do Clean Industrial Deal. Esta estratégia visa envolver os principais stakeholders ‒ governo, universidades, líderes da indústria e instituições de investigação ‒ num esforço abrangente para acelerar a comercialização e a aplicação da computação quântica.
Com o comissário Wopke Hoekstra à frente da ação climática, é urgente integrar as tecnologias quânticas no tecido ecológico da Europa. Esta integração não é apenas benéfica mas essencial para tirar partido da física quântica para enfrentar eficazmente os desafios ambientais prementes. Desenvolvida na Europa, a física quântica representa atualmente uma oportunidade para o continente assumir a vanguarda na sua aplicação, garantindo que os investimentos nesta área sejam cuidadosamente planeados e tenham um impacto significativo. É crucial adotar uma abordagem estratégica e decisiva, garantindo que a computação quântica não permaneça apenas um potencial nas nossas políticas, mas se transforme num elemento central do compromisso da Europa com um futuro sustentável e competitivo. Ao avançarmos, devemos recordar a lição do Gato de Schrödinger: tal como as nossas observações podem resolver o estado dos sistemas quânticos, as nossas políticas podem moldar o impacto da computação quântica no futuro verde da Europa. Este momento não é apenas uma oportunidade ‒ é um apelo à ação.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Um dos principais objetivos da democracia é conseguir assegurar que as suas instituições, os seus princípios fundamentais e as suas regras de funcionamento aguentem um governante que não goste deles e queira mesmo derrubá-los.
Não há melhor forma de mostrar que a democracia é muito mais do que eleições do que fazer esta lembrança. De facto, o pacto que a comunidade faz impõe que a circunstancial vontade popular não possa derrubar pilares previamente estabelecidos.
Toda a estrutura está montada para, insisto, proteger o sistema do mais destrutivo ser que a Terra jamais viu: o Homem. É também por isso que a democracia é um sistema tão frágil: se nem a Natureza está a salvo da ação humana, que se pode dizer de um conjunto de normas escritas num papel e que pretendem assegurar que os homens mais fortes e poderosos têm a sua força e o seu poder limitados, que têm de respeitar direitos e garantias e que não lhes cabe definir o que é a liberdade.
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Na sequência do anúncio das tarifas trumpianas, o Guardian escrevia que só há uma coisa mais perigosa do que um homem que não acredita em nada: um homem que acredita numa coisa estúpida. Agora imagine-se um homem que acredita numa coisa estúpida, que não tem pejo em mentir descaradamente e que tem o poder de destruir tudo o que possa travá-lo.
Para justificar a mudança do modelo económico que mais prosperidade trouxe à Humanidade – sim, com todos os seus defeitos e com toda a desgraça e a pobreza que há no mundo, não retiro uma vírgula –, Trump afirmou que os Estados Unidos têm sido explorados pelo resto do mundo.
Fareed Zakaria compilou alguns números, exemplos: os salários dos americanos são 50% acima da média da OCDE, têm o maior PIB do mundo (praticamente o dobro da União Europeia), o seu estado mais pobre (o Mississippi) tem um PIB per capita maior do que países como Inglaterra, França ou Japão. Mais, estes números têm melhorado nos últimos anos.
Bem sei que no novo mundo os factos e os números são coisas desprezíveis, mas não há país que tenha sido mais beneficiado pela ordem económica que os Estados Unidos estabeleceram do que, lá está, os Estados Unidos. Aliás, é exatamente por não serem os humilhados e ofendidos que Trump descreveu, mas sim a nação mais rica e poderosa do mundo, que ele pode fazer o que está a fazer.
Não vale a pena analisar o que já está mais do que analisado. Nem a fórmula para as tarifas – apenas serviu para distrair –, nem não ter incluído os serviços fornecidos na equação, nem as mentiras e os delírios que disse. Pouco importa. O homem acha que destruindo o tal modelo e criando uma crise económica sem precedentes, os Estados Unidos ficarão melhor e para isso está disposto a mentir com quantos dentes tem na boca e a criar fórmulas estapafúrdias.
Ainda Trump era um jovem especulador imobiliário e já acreditava que fechar a economia americana e substituir os impostos sobre rendimentos por tarifas aduaneiras era uma boa ideia.
Num país já com um grande problema de desigualdade, Trump ainda o quer mais desigual. As tarifas aduaneiras são um imposto indireto, o Elon Musk ou o empregado do McDonald’s pagam exatamente o mesmo. Como já foi anunciado, os impostos sobre os mais ricos (que já eram baixíssimos) e as empresas são para diminuir. Ou seja, Trump quer uma oligarquia ainda mais poderosa paga com os impostos dos mais pobres, uma transferência ainda maior do que tem acontecido dos mais pobres para os mais ricos.
Conseguiu convencer-se mais de metade da população de que os imigrantes são um problema terrível (a percentagem de imigrantes nos Estados Unidos é a mesma que era há cem anos), que o wokismo era a fonte de todo o mal, que ressuscitando indústrias mortas se criavam empregos, e um nunca acabar de mentiras e meias-verdades. Criou-se a ilusão de que todas as frustrações seriam aplacadas com medidas simples.
Agora os americanos vão perceber que foram enganados: os preços vão subir e vão ver um crescimento de impostos como não têm desde 1968.
Está o assunto resolvido, dir-se-ia. Os americanos removerão com o seu voto o Presidente.
É aqui que entra a outra parte do plano. Para implementar planos económicos como este não se pode ter instituições a funcionar, nem respeitar decisões de tribunais, nem permitir que advogados processem o Estado, nem liberdade de imprensa, nem universidades a produzir pensamento. Nada. Nada pode funcionar sem a palavra do chefe do poder executivo, nada pode ser dito contra ele, nada pode pôr em causa a sua infalibilidade. Ou seja, exatamente o que se está a passar.
A vontade é a de que quando chegar a oportunidade de votar – dando de barato que isso poderá fazer-se sem que as regras tenham sido mudadas – nada exista que depois possa implementar a vontade popular. Pior, que fique claro para o povo que a única coisa que separa a mínima ordem da anarquia é o Trump, ou, melhor dito, o ditador.
Voltamos ao início deste texto: nada há mais destrutivo (e criativo) do que a vontade do Homem e não há regime mais frágil do que a democracia.
A britânica Susan Hiller (1940-2019) criou um património multimédia constituído por pesquisas experimentais coletivas, pintura, fotografia, escultura e instalações audiovisuais. Artista arrojada, dedicou-se à “investigação do fascínio ambivalente da nossa cultura por coisas que saem do âmbito da compreensão normal e quotidiana”, ou seja, conceitos alternativos, ideias esotéricas, crença em poderes místicos no poder dos sonhos, escrita automática, paranormal… Nos seus retratos atmosféricos e coloridos, que subvertem as expetativas identitárias desse género, agora contempláveis na exposição Dedicado ao desconhecido, é-se transportado para outra dimensão: a da perceção alterada. Culturgest > R. Arco do Cego, 50 > até 22 jun, ter-dom 11h-18h > €4, grátis dom
2. Arte Britânica – Ponto de Fuga
Foto: DR
Antony Gormley, Francis Bacon, David Hockney, Rachel Whiteread, Bridget Riley, o incontornável Turner. Estes são alguns dos 74 artistas de Arte Britânica – Ponto de Fuga, exposição que apresenta mais de 100 obras reveladoras das relações, por vezes inesperadas, e das geografias diferentes trazidas nomeadamente pelos movimentos de migração, fuga ao nazismo, exílio ou diáspora – cujos resultados, hoje, estão reavaliados e revalorizados. Esta é uma exposição-mapa da arte do Reino Unido no século XX, para a qual artistas portugueses, como Paula Rego, também contribuíram. Reunindo um núcleo “significativo” de obras de arte britânica da coleção do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian e da Coleção Berardo, a que se juntam outros empréstimos, ilustram-se, aqui, correntes pictóricas diversas, da figuração ao realismo, da paisagem à abstração e construtivismo. Fundação Calouste Gulbenkian – Galeria Principal > Av. de Berna, 45A, Lisboa > até 21 jul, qua-sex, dom-seg 10h-18h, sáb 10h-21h > €6 a €12, grátis dom a partir das 14h
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3. Fundação Albuquerque, Sintra
Não é em vão que entramos pela biblioteca, com livros antigos, incluindo algumas relíquias do século XVII. A ideia é que se entenda “o ambiente familiar”, nas palavras de Mariana A. Teixeira de Carvalho, cofundadora, juntamente com o seu avô, Renato de Albuquerque, da Fundação Albuquerque, em Sintra.
A instituição abriu ao público na casa que já era da família brasileira e que agora foi remodelada para acolher todo o projeto. Servirá para dar a conhecer a coleção de porcelana chinesa, uma das mais prestigiadas do mundo, ao mesmo tempo que se promovem artistas emergentes dedicados à cerâmica contemporânea.
Fotos; Francisco Nogueira e Nikolai Nekh
Além da casa, a quinta sintrense compreende ainda um pavilhão que vai acolher as exposições temporárias, um restaurante de comida local e sustentável (a abrir em breve), uma loja-conceito (concebida não só para cumprir um propósito comercial, mas também para funcionar como uma extensão do museu) e um jardim, que pode – e deve – ser aproveitado por todos.
O telhado inclinado reflete a inclinação original da propriedade e a estrutura principal é, em parte, subterrânea: em exibição está apenas uma pequena parte da coleção. A exposição principal rodará de 18 em 18 meses, para assim ir dando a conhecer um acervo que, no total, é composto por 2 600 peças. Esta primeira apresentação conta com a curadoria de Becky MacGuire e foi construída, segundo a antiga especialista em arte asiática de exportação da Christie’s, para mostrar “o respirar da coleção, toda a sua riqueza e diversidade”.
Atravessando o jardim, seguimos por fim para o pavilhão dedicado à contemporaneidade, no qual, por ora, e até 1 de junho, estará patente uma exposição individual de Theaster Gates. S.B.L. R. António dos Reis, 189, Sintra > ter-dom 10h-18h > €10, €8 (13-18 anos, estudantes e maiores de 65 anos), grátis (até 12 anos)
4. Rodney Smith – A Alquimia da Luz
Foto: Rodney Smith
Reconhecemos o preto-e-branco favorecido pelos grandes fotógrafos do século XX como Walker Evans (de quem ele foi aluno), percebemos o enquadramento minucioso requisitado pelo The New York Times ou pela Vanity Fair, descobrimos as narrativas visuais meticulosas e atentas à geometria (apontadas pela curadora Anne Morin). As mais de cem imagens de Rodney Smith – A Alquimia da Luz, primeira grande exposição portuguesa dedicada ao norte-americano Rodney Smith (1947-2016) revela ainda o artista “influenciado pela pintura de Magritte e pela precisão técnica de Ansel Adams”, o criador de “imagens que desafiam a fronteira entre a realidade e a fantasia”. Um exemplo? A fotografia enigmática de duas figuras masculinas sentadas no meio da floresta… de cabeças cobertas por caixotes com bigodes desenhados. Centro Cultural de Cascais > Av. Humberto II de Itália, Cascais > até 25 mai, ter-dom 10h-18h > €5
5. Transe, de Rui Moreira
Foto: Luís Barra
Desenhos meticulosos como constelações ou padrões que evocam formas da arte islâmica, mandalas hindus ou rosáceas medievais. Ou criaturas misteriosas retiradas de películas apocalípticas, ou de tradições ancestrais como as dos Caretos de Podence ou das tribos amazónicas. Transe, a primeira antológica de Rui Moreira, no MAAT (edifício da Central Tejo), reúne 80 desenhos e pinturas sobre papel, de médio e grande formato, a que se junta uma escultura de grandes dimensões na Praça do Carvão. Comissariada por João Pinharanda, permite uma generosa panorâmica sobre um artista dotado e de percurso coerente, que se tem mantido demasiado discreto. Esta é a boa ocasião para mudar isso e celebrar um virtuoso do desenho. MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia > Av. Brasília, Belém > até 25 abr, ter-dom 10h-17h30 > €8 a €11, grátis 1º dom do mês
6. MACAM
Os conflitos do mundo na ala nova do MACAM. Foto: José Carlos Carvalho
Percebe-se que é um projeto sonhado, adivinha-se que será um player. O Museu de Arte Contemporânea Armando Martins – MACAM assume-se como um projeto diferenciador, que une as mais de 600 obras reunidas pelo colecionador a um hotel de cinco estrelas, localizado no Palácio dos Condes da Ribeira Grande, edifício histórico datado do século XVIII, localizado na Rua da Junqueira, em Lisboa. O acervo é um who’s who da arte, desde finais do século XIX até aos nossos dias: Marina Abramovic, Olafur Eliasson, Vik Muniz, John Baldessari, Juan Muñoz, Ernesto Neto, Alberto Oehlen, Paula Rego, Vieira da Silva, Amadeo, Julião Sarmento… e a lista continua. Juntam-se-lhes José Pedro Croft, o espanhol Carlos Aires e a canadiana Angela Bulloch, convidados a realizar obras site-specific. Público e hóspedes terão acesso a cerca de 13 mil metros quadrados organizados e quatro galerias que abrigarão uma exposição permanente e duas temporárias. R. da Junqueira, 66, Lisboa > T. 21 872 7400 > ter-dom 10h-19h > €15, €12 (exposição permanente + uma temporária), €8 (apenas exposição permanente), €6 (cada exposição temporária), grátis até 12 anos, desconto de 50% 13-18 anos, estudantes até aos 25 anos e maiores de 65 anos > grátis 1º dom mês 10h-14h
7. Coro em memória de um voo, de Julianknxx
Coro em memória de um voo é a exposição individual de Julianknxx resultante das colaborações – ou expedições sociológicas? – desenvolvidas em nove cidades europeias, onde o artista nascido em Freetown, Serra Leoa, em 1987, recolheu “narrativas não contadas” da diáspora africana. Usando a entrevista e o material documental como ferramentas, depois transfiguradas pelo som e performance em videoarte multiecrãs, Julianknxx debruça-se sobre temas fortes como identidade, perda, memória e integração. Entre as obras patentes, incluem-se duas peças inéditas produzidas em Lisboa: o díptico Learning to wear black under the sun e ainda Title TBC. Centro de Arte Moderna Gulbenkian > R. Dr. Nicolau Bettencourt, R. Marquês de Fronteira e R. Marquês Sá da Bandeira, Lisboa > até 2 jun, qua-sex, dom-seg 10h-18h, sáb 10h-21h > €4, grátis dom a partir das 14h
8. e 9. Adriana Molder em dose dupla
Foto: Bruno Lopes / Galerias Municipais de Lisboa
Os contos góticos de Karen Blixen e os contos italianos de Italo Calvino são bússolas reclamadas por Adriana Molder na exposição no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado: Aldebaran Caída por Terra apresenta uma série de pinturas a pastel de óleo sobre tela moldada, com formas irregulares e orgânicas, penduradas com cordão de ouro e fendidas pelas Sombras – os característicos desenhos da artista a tinta-da-china sobre papel esquisso. Uma viagem visual algo onírica, que reclama igualmente o poder das imagens cinematográficas para esta “espécie de viagem”. A ver também, Antares, patente na Cordoaria Nacional, onde Adriana mostra as séries inéditas Antares, Aleph, Sombras, Desenhos s/Título e Serpentina – trabalhos entre desenhos e pinturas-objeto-escultura que flutuam no espaço. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado > R. Serpa Pinto, 4, Lisboa > até 22 jun, ter-dom 10h-13h, 14h-18h > €10 > Torreão Nascente da Cordoaria Nacional > Av. da Índia, Lisboa > até 4 mai, ter-dom 10h-13h, 14h-18h > grátis
10. Gestos, de Ana Leon
Foto: DR
Os protagonistas dos vídeos de Ana Leon, agora apresentados em Gestos, são Action Man, figurinhas de ação articuladas e inexpressivas, aqui forçadas a uma coreografia de gestos repetitivos e adereços repetidos, quase sempre filmados em “plano americano”. A artista usa tecnologia analógica, isto é, película e uma máquina de filmar Super 8, para realizar estes filmes de animação em stop motion em que recria o movimento humano – a partir de imagens captadas uma a uma. Uma obra que traz estranheza e aparenta evocar a muito tristemente referida “desumanização do outro”. MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia > Av. Brasília, Lisboa > até 2 jun, qua-seg, 10h-19h > €11, grátis 1º dom do mês
11 e 12. Francisco Vidal X 2
Para perceber que há uma comunicação direta entre as duas exposições de Francisco Vidal, atualmente na Grande Lisboa, a 13 km uma da outra, basta olhar para os seus títulos: Escola Utópica de Tecnologia e Arte de Oeiras está no Palácio dos Anjos, em Algés; Escola Utópica de Lisboa está no Pavilhão Branco, entre pavões, nos jardins do Palácio Pimenta, em Lisboa.
Foto: Luís Barra
E entrando nas duas galerias essa ligação torna-se ainda mais óbvia. Nos dois casos, o espectador fica com a sensação de que as exposições não estão ali fechadas entre quatro paredes. Há sinais de permeabilidade real em relação ao mundo lá fora. Umas botas que foram ou vão ser usadas, um amplificador e um microfone, restos, trabalhos incompletos…
Estas “escolas utópicas” têm uma dimensão performativa: o que o espectador na inauguração de cada uma das exposições vê não será exatamente igual ao que verá o visitante que se guardou para os últimos dias. O artista, Francisco Vidal, nascido em Lisboa, em 1978, português, angolano e cabo-verdiano, fará incursões, programadas ou não, nestas suas “utopias.” P.D.A. Museu de Lisboa, Palácio Pimenta, Pavilhão Branco > Campo Grande 245, Lisboa > até 8 jun, ter-dom 10h-18h > grátis > Palácio dos Anjos, Centro de Arte Contemporânea > Alameda Hermano Patrone, Algés > até 4 mai, ter-sáb 10h-16h > €2
13. Cinco relíquias, cinco fotógrafos
Foto: DR
Em Cinco Relíquias, cinco fotógrafos, os artistas foram desafiados a produzir um olhar contemporâneo sobre a matéria da relíquia, com acesso ao acervo precioso do museu. Neste “inquérito” ao “reliquiarum”, houve quem efetuasse uma investigação do olhar e houve quem confrontasse o objeto à sua frente, quem fez zoom e quem preferiu a distância (des)contextualizadora. Beatriz Vilhena, Lucília Monteiro, Paulo Serafim, Pedro Ferreira e Sebastiano Raimondo mostram o que viram – sempre diferente. Museu de São Roque > Lg. Trindade Coelho, Lisboa > até 13 abr, ter-dom 10h-12h, 13h30-18 > grátis
14. Pomar e Bordalo. Assemblages
Foto: DR
Uma cabeça de porco preto com uma abelha na testa? Um boi que cospe um peixe, uma vespa, uma galinha de pernas para o ar? Estes seres híbridos, criados com cerâmica e humor absurdo, integram Pomar e Bordalo. Assemblages, exposição ressuscitadora de experiências. Em 2005, a Galeria Ratton convidou Júlio Pomar a visitar a Fábrica Bordallo Pinheiro e a criar um conjunto de peças únicas, feitas com base nos moldes originais de Bordalo. Gatos, galinhas, porcos, touros, peixes, caranguejos e couves, este é o bestiário que o artista plástico subverteu, desordenando moldes e peças, reinventando o património bordaliano. Museu Bordalo Pinheiro > Campo Grande, 382, Lisboa > até 22 jun, ter-dom 10h-18h > grátis
15. O Brasil são muitos: um recorte da coleção do Instituto PIPA
Foto: DR
Primeira mostra internacional da The PIPA Foundation e do seu prémio associado, O Brasil são muitos: um recorte da coleção do Instituto PIPA é uma embaixada de obras, colhidas num acervo construído nos últimos 15 anos, atento aos conflitos culturais e às polarizações políticas vividas no Brasil. Entre os 19 artistas apresentados, estão nomes reconhecíveis pelo público português: Paulo Nazareth, Letícia Ramos, ou Guerreiro do Divino Amor. Mas há outros a descobrir, por entre obras dedicadas ao colonialismo, sátira política e experimentalismo: veja-se a instalação de Sofia Borges que revela os sorrisos desformes de membros do senado brasileiro após o impeachment a Dilma Rouseff; ou as fotografias da comunidade Guarani Mbyá captadas pelo artista indígena Xadalu Tupã Jekupé… Torreão Nascente da Cordoaria Nacional > Av. da Índia, Lisboa > até 15 jun, ter-dom 10h-13h, 14h-18h > grátis
16. JR: Through My Window
A Galeria Underdogs acolhe, nesta primeira exposição do artista francês JR em Lisboa, 36 litografias (e dois trabalhos originais, um realizado em Paris, outro em Filadélfia). São os últimos exemplares que o artista minerou no arquivo de edições, limitadas a 180 ou 250 exemplares. Aqui, cada litografia tem um QR code para ouvir o comentário áudio do artista. Como o da obra Empreinte, Chauvet, France (2023): “Fiz da minha mão uma grande escultura, que instalámos na abertura da cave Chauvet nas montanhas. Esta ideia de handprint veio do desejo de deixar uma marca na sociedade.
Louvre diferente. O trompe-l’œil foi criado com 400 colaboradores e mais de duas mil folhas de papel. Foto: DR
JR: Through My Window é uma minirretrospetiva: observam-se as obras de megaprestidigitação que são JR au Louvre et le Secret de la Grande Pyramide (2019), com a pirâmide de vidro de I. M. Pei “escavada” no meio da praça; ou Retour à la Caverne – Acte I, 7 Septembre 2023, 06h52, Palais Garnier, France (2023), com a fachada “esventrada” da Ópera de Paris; ou ainda Giants, Rising Up, Hong Kong, China (2023), o salto acrobático do gigante sobre o skyline da metrópole… Mas também estão os olhos expressivos de Women Are Heroes (2008), projeto realizado nas favelas do Rio de Janeiro. Galeria Underdogs > R. Fernando Palha, Armazém 56, Lisboa > até 19 abr, ter-sáb 14h-19h > grátis
17. Paula Rego e Adriana Varejão. Entre os Vossos Dentes
Por entre a brancura nua da cenografia da exposição, pulsa um primeiro espaço forrado a papel de parede vermelhão, potenciador da domesticidade e da visceralidade emanantes da primeira exposição conjunta de Paula Rego (1935-2022) e Adriana Varejão (nascida em 1964) em Portugal, evocativa da mostra realizada em 2017 no Rio de Janeiro. Neste casulo-miasma – apelidado Fui Terra, Fui Ventre, Fui Vela Rasgada – estão algumas das obras paradigmáticas patentes em Paula Rego e Adriana Varejão. Entre os Vossos Dentes.
Foto: Luís Barra
Esta sala é a salva com que se inaugura uma peregrinação por obras que esgravatam corpos cicatrizados pelo patriarcado, colonialismo, repressão, dores da condição feminina, políticas da História. Como Tríptico (1998), a série sobre o aborto de Paula Rego, aqui em diálogo com as instalações apresentadas por Adriana na Bienal de São Paulo de 1994, como Extirpação do Mal por Overdose com maca e bolsas de transfusão de sangue incluídas.
As diferenças entre as duas artistas são claras: a visceralidade de Varejão, as alegorias eivadas de folclores de Rego. Mas, aqui, acontece magia. “São dois percursos paralelos, coexistindo durante três décadas, que se entrelaçam e criam [aqui] espaços de luz entre trabalhos”, refere a curadora Helena de Freitas. Centro de Arte Moderna Gulbenkian > R. Dr. Nicolau Bettencourt, R. Marquês de Fronteira e R. Marquês Sá da Bandeira, Lisboa > até 22 set, qua-sex, dom-seg 10h-18h, sáb 10h-21h > €8 a €14,grátis dom a partir das 14h
Agora que chegou a altura de preencher e simular a declaração anual de IRS, já não restam dúvidas. Este ano, as devoluções são menores e alguns contribuintes até vão ter de pagar em vez de receber. É assim porque os portugueses entregaram menos imposto ao Estado ao longo dos doze meses de 2024, ano em que houve duas reduções das taxas do IRS refletidas nas tabelas de retenção na fonte.
O primeiro alívio fiscal ocorreu em janeiro, com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2024, e o segundo em agosto. Esta segunda descida do IRS teve efeitos retroativos a janeiro, implicando a devolução de parte do imposto retido desde o início do ano. O ajuste foi feito em setembro e outubro, meses em que a generalidade dos contribuintes receberam uma espécie de prémio juntamente com o salário mensal, mas que não foi mais do que um acerto do imposto retido antes da descida no IRS ter sido aprovada pelo Parlamento, em julho. A partir de 1 de novembro, entraram em vigor as novas tabelas de retenção na fonte, já ajustadas às alterações publicadas na segunda metade do ano.
Devido a estas alterações, e mesmo que este ano tenha de pagar em vez de receber, estará a entregar menos imposto ao Estado do que fez nos últimos anos. Esse dinheiro entrou já nos nossos bolsos.
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À revelia do Governo
Recorde-se que foi por iniciativa do PS que o Parlamento concedeu, na segunda metade do ano, um novo alívio fiscal aos portugueses,“embrulhado” como uma espécie de reembolso antecipado do IRS. A partir de agosto, as taxas do IRS diminuíram até ao sexto escalão, abrangendo os rendimentos coletáveis até 39 791 euros anuais. No primeiro escalão, a descida foi de 0,25 pontos percentuais, e, no quinto escalão, de 0,75 pontos percentuais. No terceiro e quarto escalões, a taxa caiu um ponto percentual, enquanto o maior alívio fiscal, de 1,5 pontos percentuais, foi sentido no segundo e sexto escalões. Acrescente-se que, nos cinco primeiros escalões, as taxas do imposto já tinham descido a 1 de janeiro, com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2024.
A medida aprovada pela oposição ‒ à revelia do Governo, note-se ‒ implica agora menores devoluções por parte do Estado a muitas famílias que, habitualmente, contavam com esse dinheiro para suportar despesas extra, reforçar as poupanças ou até amealhar para as férias de verão. Nem o Governo nem a oposição podiam antecipar que esse momento viria a coincidir com o ambiente de pré-campanha eleitoral que o País vive atualmente. Na última edição, o jornal Expresso noticiou que a queda dos reembolsos concedidos pelo Estado poderá ascender a 500 milhões de euros no total.
No futuro, os contribuintes terão cada vez menores devoluções do IRS quando entregarem a declaração anual do imposto. A tendência é a de aproximar o montante da retenção na fonte ao valor do imposto a pagar, depois de deduzidas as despesas com saúde, educação, habitação, etc. A não ser, claro está, que um futuro governo volte a subir as taxas de IRS.
Num mundo perfeito, o ideal seria que, no momento da liquidação anual do IRS, não houvesse nada a pagar nem a receber do Estado. Mas, como sabemos, o mundo está longe de ser perfeito…
Afluxo anormal nos balcões da AT
Numa altura em que os balcões da Autoridade Tributária (AT), físicos e virtuais, registam um elevado número de visitantes surpreendidos com os resultados das simulações feitas no momento da entrega do IRS, o portal do Governo publica dois exemplos do que vai suceder este ano a muitos portugueses. Se ainda não entregou nem simulou a sua declaração anual, pode ver aqui se algum se aproxima do seu.
No primeiro caso, um contribuinte solteiro, sem filhos, ganhando 1 500 euros brutos mensais, vai pagar ao Estado 53 euros no momento de liquidar o imposto de 2024, quando no ano passado recebeu 419 euros. Apesar disso, entregou ao Estado menos 568 euros de IRS do que em 2023 (2 471 euros face a 3 039 euros no ano anterior). Devido à redução das taxas, também reteve muito menos imposto ao longo do ano (2418 euros em 2024 face a 3458 euros de 2023, uma diferença de mais de mil euros), pelo que agora não só não tem direito a reembolso como ainda terá de pagar.
No segundo caso, um casal, em que um dos membros recebe 1 700 euros de salário bruto mensal, e o o outro 1 300 euros, vai poupar este ano 1 136 euros no IRS, embora tenha a receber apenas 392 euros de reembolso, quando, em 2023, tinha recebido 1 331 euros. Os dois titulares pagaram 4 442 euros de IRS contra 5 578 euros em 2023, e fizeram retenções na fonte de 4 834 euros, quando em 2023 tinham descontado 6 909 euros, ficando assim com mais rendimento disponível no final de cada mês.
Para o primeiro caso, o Governo considerou deduções à coleta com despesas gerais e familiares de 250 euros e outras deduções à coleta de 100 euros. Para o segundo, considerou o mesmo valor para as despesas gerais e familiares, por sujeito passivo, e outras deduções à coleta de 700 euros.
Todos os anos, cerca de cinco milhões de contribuintes entregam a declaração anual de IRS ao fisco, e muitos tentam fazê-lo logo no início do prazo, que se prolonga de 1 de abril a 30 de junho, para receberem o reembolso mais cedo. Até à última segunda-feira, dia 7, cerca de um milhão de declarações tinham já sido entregues à AT. Este ano, o Governo promete encurtar os prazos dos reembolsos.
O seu a seu dono
Este ano, o Governo promete encurtar os prazos da devolução do IRS
Vou receber IRS? Quem tiver IRS automático, sabe imediatamente se terá direito a reembolso porque a declaração inclui uma liquidação provisória do imposto. Os restantes contribuintes terão de preencher e simular a declaração para ficarem a saber.Quando vou receber?
O prazo médio do reembolso em 2024 foi de 13 dias para o IRS automático e de 24 dias para as restantes declarações. Este ano, o Governo comprometeu-se com prazos mais curtos. Por lei, a AT tem até 31 de agosto para proceder aos reembolsos.
Posso consultar o estado da declaração? Depois da entrega, pode ir acompanhando o seu estado no Portal das Finanças, fazendo uma pesquisa por “consultar declaração IRS”. De seguida, deve selecionar o ano de 2024 e clicar em “ver detalhe”. A declaração do IRS vai passando por diversos estados até chegar a “Reembolso Emitido”, o que significa que receberá dentro de dias o imposto cobrado a mais.Qual o valor mínimo do reembolso?
O valor mínimo é de 9,98 euros. Abaixo desse montante, o fisco não faz nem devoluções nem cobranças.
Acordei com esta música dos R.E.M. na cabeça. “É o fim do mundo como o conhecemos (e eu sinto-me bem)”, canta Michael Stipe. Não tenho grandes dúvidas porquê: adormeci com o pensamento de que o suposto líder do mundo livre é um incendiário que decidiu atear fogo à economia. Não me lembro se sonhei com isso, mas sei que acordei com a sensação de estarmos a viver um pesadelo. A instabilidade provocada pela guerra das tarifas está aí, a toda a brida, a ameaçar destruir a globalização, o sistema que equilibrou o mundo e que, apesar de todos os seus defeitos, nos trouxe progresso e relações relativamente cordiais entre os Estados – e boas relações comerciais são a melhor forma de evitar conflitos.
Sim, o presidente dos EUA decidiu suspender as tarifas por 90 dias à maior parte dos países, mantendo “apenas” uma tarifa-padrão de 10% para todos, mas a confiança nos pilares da economia global está perdida. E daqui a 90 dias? Ou amanhã, se ele acordar virado para o lado errado? Quem nos salva desta aleatoriedade? Que empresa vai investir num mercado estupidamente imprevisível? Que país volta a confiar na maior economia mundial?
Podemos contar a história a partir da ementa. Estão lá os abanicos de porco preto grelhados que distinguiam O Bem Disposto, quando este funcionava em Campo de Ourique, e o bife com molho à base de natas, molho inglês e manteiga, que deliciou gerações. A paella, prato do dia à sexta-feira, tornou-se um sucesso do serviço de catering, negócio iniciado depois do encerramento do restaurante, já lá vão 20 anos.
O Bem Disposto onde hoje nos sentamos, na Rua João XXI, bem perto da sede da Caixa Geral de Depósitos, tem tanto de passado como de presente e futuro: decoração feita com materiais naturais e plantas, muita luz, uma carta para todas as horas do dia (do pequeno-almoço ao jantar) e vontade de organizar finais de tarde à sexta-feira, com música, cocktails e vinhos a copo na esplanada – um convite para entrar no fim de semana mais descontraído.
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A foccacia da padaria DoBeco com salmão fumado e o rosbife fatiado com o molho especial da casa. Fotos: DR
Mariana sempre acompanhou o pai, Luís Baptista, no mundo da restauração. Há um ano, despediu-se e assumiu essa tarefa a tempo inteiro. Foi quando andavam à procura de uma cozinha maior para o serviço de catering que surgiu a oportunidade de reabrirem o restaurante. “O meu pai sempre gostou de receber, é uma pessoa de sorriso aberto, eu e os meus irmãos crescemos com isso; quero manter esse espírito, este é um projeto familiar”, afirma Mariana.
Desde que abriram, em fevereiro, têm recebido “uma mistura entre os clientes antigos, a quem O Bem Disposto deixou saudades, os amigos e quem trabalha aqui à volta”, conta.
Os 40 lugares na sala permitem organizar jantares para grupos. À hora do almoço, há pratos do dia (panados com salada russa, pataniscas com arroz de tomate, feijoada…, €12-€16) e um menu executivo (€17,50), além de focaccias e saladas, secção onde se destaca o rosbife fatiado no momento.
Com o bom tempo, hão de chegar os finais de tarde descontraídos à sexta-feira, com vinhos, petiscos e música na esplanada. Fotos: DR
Fora de horas, também se pode petiscar uns croquetes de vitela (€2), um pica pau do lombo (€18), um queijo amanteigado Monte da Vinha (€5,50) ou a cabeça de xara da D. Octávia (€5,50). Os vinhos da casa, Arvad e Uca, são produzidos em Silves, no Algarve. Vale a pena espreitar a loja ao fundo da sala, onde estão alguns destes produtos com os quais trabalham.
Levar para casa O Bem Disposto tem também uma parte de loja, com pratos caseiros (rosbife fatiado no momento, feijoada, lulas gratinadas com puré de batata, em doses de 2 pessoas ou familiar) e produtos com os quais trabalham, como os queijos da Ortodoxo ou os vinhos Arvad e Uca do Algarve.
O Bem Disposto > Av. João XXI, 53C, Lisboa > T. 96 736 2336 > seg-qui 9h-19h, sex-sáb 9h-23h
Dizem-nos que a rua enche quando fazem festas, uma vez por mês, com DJ locais, e não é difícil imaginar o ambiente que se cria entre surfistas, não surfistas e estrangeiros que escolheram a Ericeira para viver.
Nesta vila de casinhas brancas debruadas a azul-mar, o bar Ippolito & Maciste diferencia-se pela oferta (e pelo serviço). Nem vale a pena pedir a lista de vinhos naturais. Aqui a ideia é ir respondendo a algumas perguntas (branco, tinto ou rosé, salino, frutado, encorpado…) e deixar-se surpreender. E que boas surpresas nos estavam reservadas.
Brice Orfila, sommelier francês, é quem seleciona os vinhos que podemos ver nesta sala com um balcão, que corre junto à parede e janela, bancos altos e uma mesa comunitária.
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Com ele, está Guilherme Simões, que nos traz os copos de vinho, dando-nos a provar dois brancos, a nossa escolha. Serve o Thyro, produzido no Douro com as castas Cercial, Malvasia-Fina e Semillon, explica, “nem muito acídico nem frutado, mais fácil de beber”; e o Azahar, um Vinho Verde 100% loureiro, “mais mineral e gastronómico”. Preferimos o primeiro para acompanhar um prato de pimentos padrón e a taça de azeitonas (há outras coisas no menu, como uma tábua de queijos e um hambúrguer de porco desfiado, cozinhado lentamente).
No Ippolito & Maciste a ideia é deixar-se surpreender. Fotos: DR
Os vinhos – de Portugal, a grande maioria, e do estrangeiro – são servidos a copo (€6 a €8), embora também seja possível pedir uma garrafa (os preços começam nos €24 e vão até aos €92, o vinho mais caro que têm neste momento). Se o tivéssemos feito, não teríamos provado um branco da Eslovénia, ótimo.
Falta explicar que o Ippolito & Maciste abriu primeiro em Lisboa, na Madragoa. Há cerca de um ano e meio, os proprietários decidiram mudar o bar para a Ericeira. Thomas Cecchetti e Marco von Ritter mantiveram-lhe o nome: Ippolito é o boston terrier de Marco, Maciste é o teckel de Thomas, e assim já se adivinha que este é um local pet friendly, onde os cães que sabem comportar-se são bem-vindos cá dentro ou na pequena esplanada que se estende pelo passeio.
Ippolito & Maciste > R. do Mercado, 18, Ericeira > ter-sáb 18h-24h
Se Rui Tavares se impôs politicamente em todos os anteriores debates eleitorais — que lhe valeram muitos votos e deputados —, parece-me evidente, embora num frente-a-frente morno, que Paulo Raimundo possa vir a ser a figura inesperada desta corrida aos debates. Tavares já era muito bom, e a sua transição para a política ativa, fundando de raiz um novo partido, será novamente recompensada nestas eleições. O PCP e Paulo Raimundo habitam um quarto escuro, é certo — mas foi notável a sua prestação frente a Montenegro, e não se deixou intimidar pelo Livre, que também disputa parte do seu eleitorado.
Há, no entanto, uma coisa que Raimundo precisa de fazer: deixar a minúcia — como a célebre botija de gás — e elevar o discurso para o quadro político e económico geral, incluindo Trump, a Ucrânia, Putin e outras guerras que moldam o nosso tempo. Para lá chegar, basta adotar uma tática discursiva de reversão: “Se o PCP governasse, as nossas primeiras decisões seriam estas, aquelas e aqueloutras. A partir daí, sim, constrói-se a narrativa, projeta-se a visão, ganha-se o palco.
Trump avança, avança sempre — mas, à última hora, recua e deixa cair o pano. À exceção da China, tudo o que se refere a tarifas ficou congelado por mais três meses. Ter-se-á dado conta do erro? Nada disso. O que queria, pura e simplesmente, era fazer (adora!) bullying — essa forma de violência marcada por comportamentos agressivos e repetidos. Mas ninguém lhe ligou grande coisa, tirando os que, solenemente, o avisaram de que a destruição mútua seria garantida.
Para disfarçar o recuo, Trump decidiu aumentar as tarifas sobre produtos chineses em 125%! Só? Não dava para chegar aos 200%? Convém recordar o que acho que já escrevi: todos os dias, 24 sobre 24 horas, entram nos Estados Unidos 1,4 mil milhões de produtos vindos da China, essa fábrica global que nos fornece tudo o que é imaginável e o inimaginável.
Trump teve outro desgosto: os seus amigos bilionários estão profundamente irritados com um presidente que decide assuntos sérios sem consultar ninguém. Acorda, toma banho, procede à delicada ornamentação da cabeleira, entra no elevador que o leva da ala privada ao andar executivo, convoca os seus conselheiros — que aliás não servem para aconselhar nada — e atira-se, de rompante, para a fogueira mediática.
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Que adjetivos restam na língua portuguesa para o classificar?
É com elevado grau de satisfação que, ao fim de dois anos, três meses, quatro dias úteis, vinte centilitros de leite achocolatado e um pão de Deus simples, se informa que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) aprovou hoje a atribuição de um apoio ao Hot Clube de Portugal (HCP), no montante de 239.500 euros, para reabilitação do edifício municipal que acolherá este clube de jazz, na Praça da Alegria.
A cessação provisória da atividade do HCP deu-se em janeiro de 2023, na sequência de uma inspeção promovida pela CML, da qual resultaram conclusões preliminares que apontavam para a existência de fragilidades estruturais com potencial degenerativo em contexto de uso reiterado de instrumentos de sopro. Alegadamente, do trombone de varas.
O processo de decisão de apoiar a referida obra de interesse público, contabilizado em 827 dias, 590 dos quais úteis, atravessou as necessárias etapas de avaliação interdepartamental, com validação prévia dos diagnósticos intersetoriais, dos pareceres vinculativos e não vinculativos, além dos pareceres recolhidos junto de um comité de pombos na Praça da Alegria e pavões do Jardim da Estrela. Os milhares de espectadores e amigos do HCP têm, ao longo deste tempo, aproveitado para se familiarizar com a oferta de jazz disponível nos elevadores das Lojas do Cidadão.
De acordo com o senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, a deliberação resulta do reconhecimento do HCP como instituição de incontornável relevância artística e histórica para a cidade. Mediante cálculos realizados à data de hoje, é expectável que a obra tenha início dentro dos limites formalmente impostos pelo calendário gregoriano.
Cedo se dará então início às diligências tendentes à mobilização de um grupo de trabalho preparatório, constituído por técnicos especializados e espectadores com experiência na ótica do ouvinte do setor do jazz, responsável pela abertura do concurso público para a empreitada num horizonte previsional que não deverá ultrapassar o ano de 2092, sob pena de nenhum músico, espectador, pedreiro ou eletricista se conservar vivo.
Em reação ao esfuziante anúncio da CML, a comunidade jazzística nacional e internacional anunciou um buzinão-trombonão na Praça da Alegria, onde à falta de uma casa para o jazz se dançará o vira e o fandango.