Os cartazes estão espalhados pelo País. A AD diz que “Portugal não pode parar” e o PS garante que “o futuro é já”. Mas para onde irá o País se Luís Montenegro voltar a ser eleito primeiro-ministro? E o que nos reservará um futuro em que Pedro Nuno Santos chegue ao poder? Uma das formas de tentar percebê-lo é lendo os programas dos partidos. Enredados nos soundbites da campanha, distraídos pelos momentos quentes dos debates ou pelas gaffes, nem sempre nos apercebemos do que verdadeiramente une e separa os projetos dos partidos que vão a votos.

Nas 277 páginas do Programa Eleitoral da AD há uma parte substancial dedicada ao que PSD e CDS acreditam ser os grandes feitos de 11 meses de governação. Não é por acaso que o documento arranca com um “Mais do que promessas, resultados”. A ideia é a de que só votar na AD permitirá continuar um caminho que serviu para repor rendimentos em várias áreas da administração pública, baixar impostos, mudar as regras da imigração e chegar ao fim com um excedente orçamental de 0,7% do PIB.
Onde a AD vê políticas que resultaram e precisam de continuar, o PS vê “um ano perdido para o País nas políticas económicas e sociais”. O “Novo impulso para Portugal” que o PS promete em 236 páginas vai aos números para mostrar que o que aconteceu desde que Luís Montenegro chegou a São Bento foi, no fundo, uma desaceleração do que os socialistas tinham conseguido nos últimos oito anos. Para o atestar, lembram que em 2024 Portugal cresceu menos do que a média das governações socialistas e houve um abrandamento na subida dos salários.
Divergências nos impostos
O diagnóstico é mesmo onde mais divergem sociais-democratas e socialistas. Mas não é só: se o programa de Montenegro assenta em grande medida numa continuação da descida do IRS e do IRC, Pedro Nuno quer descer o IVA nos alimentos essenciais e na eletricidade, tentando puxar dos galões da descida de impostos que já aconteceu. “O PS promoveu, nos últimos anos, várias descidas de impostos”, escrevem os socialistas, vincando que a descida de 1 500 milhões de euros em IRS anunciada pela AD há um ano “afinal, já estava concretizada em 80% pelo governo do PS”. O programa eleitoral do PS lembra que foi António Costa quem no IRC “eliminou o pagamento especial por conta” e “reduziu taxas para PME” e que foi Pedro Nuno Santos que, em 2024, “com o voto contra do PSD e do CDS”, conseguiu aumentar de 600 para 800 euros a dedução dos encargos com rendas em IRS e duplicar o consumo de energia elétrica sujeito à taxa reduzida do IVA.

Alinhamento nos salários e na Defesa
Se o diagnóstico e a descida dos impostos separam claramente as águas entre AD e PS, une-os o mantra das contas certas e a promessa de subida dos salários mínimo e médio. O alinhamento é total: Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos prometem ambos fazer crescer o salário mínimo até aos 1 100 euros em 2029, ano em que querem que o vencimento médio esteja nos 2 000 euros, mesmo que não seja muito claro o caminho para fazer subir essa média.

Outro ponto importante que une AD e PS é a promessa de aumentar os gastos com a Defesa para os 2% do PIB até ao final da legislatura. Um valor que foi acertado entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, já depois da queda do Governo, para responder à pressão que vem nesta matéria da União Europeia e da NATO. Apesar deste alinhamento, nem um nem outro põe nos respetivos programas as contas sobre esses gastos nem faz refletir essa despesa nos cenários macroeconómicos que apresenta. Um e outro prometem que a despesa será investimento e que, como se lê no programa da AD, será feita “nunca pondo em causa o Estado social”.
O PS desenvolve um pouco mais o tema com as promessas de “apoiar a criação de um cluster de Indústria Naval de Defesa”, de “participar em consórcios europeus de produção de equipamento militar” e de “fomentar a participação em empresas portuguesas de fundos de investimento associados a capitais de risco”. Como é que isso se paga? A AD não diz, o PS é vago, mas promete “pugnar por um reforço do investimento europeu em Defesa que não coloque em causa as políticas de coesão e o Estado social, privilegiando o endividamento comunitário como instrumento financeiro”.
PS não promete reversões
Não é, contudo, só na Defesa que AD e PS se encontram ao centro. Consciente dos altos índices de popularidade da governação de Luís Montenegro em todos os estudos de opinião, Pedro Nuno Santos está apostado em apresentar-se como “a mudança segura”. E é por isso que o programa socialista não apresenta uma única reversão. O PS defendeu que a isenção do IMT e do imposto de selo aos menores de 35 anos na compra de casa ajudou a acelerar a escalada dos preços da habitação, mas nem por isso pretende mexer nessas medidas. Foi muito crítico do IRS Jovem (que acabou por aprovar no Orçamento para 2025, numa versão diferente da que a AD tinha apresentado originalmente), mas agora a única menção que faz a esse programa é a criação de um ano zero que permita “aos jovens que ingressam no mercado de trabalho, no segundo semestre de um determinado ano, beneficiar imediatamente do regime sem perda do 1º ano de isenção”. E quanto às PPP na Saúde, critica os anúncios feitos “sem transparência e sem que estivessem concluídos os respetivos estudos de viabilidade económica, obrigatórios por lei”, mas não diz claramente que não seguirá esse caminho.
E os outros? As promessas dos mais pequenos…
O Chega tardou em apresentar o seu programa. A IL quer um departamento ao estilo Elon Musk e um seguro de saúde público, o BE quer taxar os ricos, a CDU reclama aumentos de 15% nos salários, o Livre quer um novo imposto sucessório e o PAN a criminalização da remoção não consentida do preservativo

André Ventura repete que quer ser primeiro-ministro e “acabar com a bandalheira”, mas já adiou duas vezes a apresentação do programa eleitoral do Chega. A última das quais nesta segunda-feira, o dia em que se soube da morte do Papa Francisco. À data de fecho desta edição, não havia, por isso, nenhum documento que explicasse as medidas que Ventura considera essenciais, nem como pretende combater a corrupção e regular a imigração, duas das suas principais bandeiras eleitorais.
Mas se o Chega tarda em publicar o seu programa eleitoral, todos os outros partidos já divulgaram as suas ideias. Apenas um ano depois das últimas eleições legislativas, as várias forças políticas não mudaram muito os programas que levaram a votos em 2024, mas aproveitaram para os atualizar e para puxar por alguns temas que dizem mais aos seus eleitorados.
A inspiração em Elon Musk
No caso da IL, há uma grande novidade (pelo menos, no formato), que parece ter sido inspirada por Elon Musk e o trabalho que tem feito na Administração Trump e que, diga-se, lhe tem valido duras críticas pela forma cega como tem cortado departamentos essenciais do Estado. Se os liberais sempre quiseram cortar no que acham ser “as gorduras do Estado”, este ano propõem um novo departamento para o fazer: “Uma estrutura única para liderar a transformação digital e a modernização do Estado.”
Além disso, voltam a pedir a privatização da TAP, da CGD, da RTP e da CP. Também querem revolucionar a Segurança Social, com uma transição progressiva para um modelo de pensões assente em três pilares, “repartição, capitalização voluntária e capitalização obrigatória”, e mudar por completo o SNS, criando uma espécie de seguro de saúde público obrigatório, “com liberdade de escolha de prestador e financiamento público”. Embora não usem a expressão “cheque-ensino”, propõem o “financiamento ao aluno, permitindo liberdade de escolha entre ensino público, privado e cooperativo” e “valorizar a carreira docente com base no mérito e na competência, não no tempo de serviço”.
Tetos para rendas e leques salariais
“Taxar os ricos” é uma das bandeiras do BE nestas eleições. “Queremos gerar receitas para financiar os serviços públicos e salários justos, através de impostos justos sobre as empresas digitais e as grandes fortunas. Este imposto aplica-se a fortunas acima dos 3 500 salários mínimos nacionais – cerca de três milhões de euros (deduzidos de dívidas), sendo aplicada uma taxa progressiva entre 1,7% e 3,5%”, lê-se no programa eleitoral, que também propõe a criação de “leques salariais nas grandes empresas para que um administrador não possa ganhar mais num mês do que um trabalhador num ano”.
O BE quer travar a privatização da TAP e os projetos de mineração contestados pelas populações, reduzir a semana de trabalho para quatro dias e aumentar o salário mínimo para os mil euros em 2026. Outra medida emblemática é a criação de um sistema de tetos às rendas, que calcule em cada zona o valor máximo que pode ser cobrado por tipologia.
Licença parental de 210 dias
A grande prioridade da CDU é aumentar salários e pensões, com o salário mínimo nos mil euros já em julho de 2025 (em Espanha está nos 1 184 euros) e um aumento geral dos salários na ordem dos 15%, através do reforço da contratação coletiva e da valorização das carreiras públicas. Os comunistas pedem a redução do horário de trabalho para as sete horas diárias, sem diminuição do salário ou outros direitos e remunerações, e a fixação do direito de todos os trabalhadores ao subsídio de refeição, nunca inferior ao da Função Pública.
Do programa da CDU fazem ainda parte o alargamento da licença de maternidade e paternidade para 210 dias, paga a 100%, o controlo do preço dos bens alimentares essenciais e a fixação do preço da botija do gás em 20 euros e uma atualização extraordinária das reformas, “garantindo já em 2025 um aumento, com efeitos a partir de janeiro, em 5% e um valor mínimo de 70 euros”. Os comunistas querem incentivar a dedicação exclusiva ao SNS, com uma majoração de 50% do salário base, uma rede de creches públicas, refeições escolares gratuitas e “a fixação de valores máximos das rendas em contratos em vigor e novos contratos” na habitação.
Taxar os fundos imobiliários
O Livre também quer ajudar a resolver a crise na habitação, com o “reforço da tributação do património imobiliário que não se destine a habitação permanente ou seja propriedade de fundos e sociedades de investimento imobiliário”. Para criar uma “herança social” de cinco mil euros para todos os jovens aos 18 anos, propõem recuperar o imposto sucessório “para grandes heranças e grandes doações”, sem especificar montantes. E querem criar uma rede pública de residências assistidas e de estruturas residenciais para pessoas idosas.
O partido de Rui Tavares também pretende subir o salário mínimo até aos 1 250 euros em 2029 e “regular as diferenças salariais dentro da mesma entidade, através da definição de um limite máximo para a diferença entre o salário mais baixo e o salário mais alto de cada empresa, organização ou ramo de atividade”. O Livre pede ainda o “aumento progressivo da licença parental para 16 meses”, sem estabelecer um calendário, mas dizendo querer recuperar a ideia da “iniciativa legislativa cidadã que caducou na legislatura e propunha, pelo menos, seis meses de licença parental inicial pagos a 100%”.
Violação como crime público
O PAN não deixou de ser animalista, mas este ano faz da violência doméstica e de género a sua grande bandeira, naquilo a que chamou o “compromisso violeta”. Inês Sousa Real quer tornar a violação sexual um crime público (com a possibilidade de, a pedido da vítima, o caso ser arquivado a qualquer momento), a criminalização do stealthing (remoção não consensual do preservativo), a criação de um plano nacional para combater a violência sexual baseada em imagens e que as seguradoras passem a estar legalmente obrigadas a incluir “o realojamento por violência doméstica no âmbito da cobertura dos seguros da habitação”.
O PAN volta a pedir a criação de um SNS Animal, a redução do IVA dos serviços veterinários para 6%, a criação de passes sociais gratuitos para os transportes públicos e incentivos fiscais para empresas que invistam em tecnologias verdes, transição digital e emprego qualificado. Sousa Real também quer baixas médicas com remuneração a 100% para doentes oncológicos e o fim dos apoios públicos às touradas.