Quando se fica a dormir na Suite da Princesa, há que encarnar a personagem e senti-la. Se se tem um terraço com bancos-namoradeiras de pedra, há que aproveitá-lo até o sol se recolher. Lá dentro, o chão de madeira brinca com as cores azul, branco, verde e dourado, enquanto nos instalamos na sala de estar com largos sofás e televisão integrada no grande espelho. A banheira, no centro da casa de banho, também nos chama para uma imersão e, mais logo, é na cama de dossel que a nobreza fará o seu sono de beleza, nuns aposentos com pé-direito alto. Dos 60 quartos de oito tipologias do Palácio do Governador, as cinco mansardas têm a melhor vista para a Torre de Belém.
Terraço da Suite da Princesa. Foto: D.R.
O tratamento corporal no spa é uma perdição. As massagens de relaxamento com vários níveis de intensidade e de tempo são eficazes no alívio de mazelas e do stresse. Este templo de bem-estar conta também com piscina aquecida (30ºC), sauna, banho turco e atividades como spa noturno na última sexta do mês, aulas de ioga e hidrofitness.
A recente renovação do hotel que em 2025 celebrará dez anos – agora no portefólio da Highgate Portugal e com a chancela da Small Luxury Hotels of the World – aposta muitas das fichas no restaurante Po Tat. Nesta nova sala de refeições só para jantares (19h30-23h30), cujo nome remete para o pastel de nata cantonês, o menu pan-asiático é uma fusão de sabores asiáticos com produtos portugueses.
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O restaurante Po Tat aposta em pratos com influência asiática Foto: D.R.
André Santos, chefe-executivo, mostra muita criatividade no que nos vai dando a provar: purés gulosos (de cherovia, de topinambour, de marmelo), temperos revigorantes e algumas surpresas, como a manteiga dos Açores com mel, sal e mistura japonesa de especiarias (togarashi) ou os cogumelos-ostra grelhados, com puré de inhame, amendoim e tempero à base de peixe seco (furikake) – a cada garfada, parece que se está a comer frango assado com molho de limão. Divertido, no mínimo. Outra opção é o brunch ao domingo (12h30-16h) que nos pratos quentes pode ser temático (cozido à portuguesa, barbecue, pratos de bacalhau).
À chegada ou na despedida do hotel, aproveite-se para ver na receção o Duna, sofá modular da designer de interiores Nini Andrade Silva, o órgão de tubos e o coro de madeira da antiga capela, os tetos abobadados de tijolo-burro e, nos corredores, os quadros do pintor peruano Jorge Valdivia Carrasco.
Palácio do Governador > R. Bartolomeu Dias, 117, Lisboa > T. 21 246 7800 > a partir €220 (quarto duplo)
Estimado leitor, daqui em diante lerá um texto feito de pormenores e de descrições, na verdade, de sensações. Recentemente, os restaurantes japoneses ganharam um novo élan ao apontarem os holofotes para os seus balcões com poucos lugares – entre oito e 12 –, sobretudo para jantares demorados, em que reinam a confiança e a mente aberta.
O estilo omakase prima, precisamente, por o cliente “ficar nas mãos do chefe”. Sem menu, e pagando um preço alto pela frescura dos ingredientes, pela exclusividade e pela especialização do trabalho, as pessoas deixam-se levar pela criatividade de quem está atrás do balcão – e este pelas reações dos comensais.
“Omakase não é só um serviço, é também hospitalidade (omotenashi)”, frisa Hayron Rocha, da Enoteca 17.56, em Vila Nova de Gaia. Cuidar dos convidados com o coração leva a que tudo seja pensado ao pormenor, incluindo saber antecipadamente se o cliente é canhoto ou destro para a colocação dos pauzinhos na mesa e de que lado entregar os niguiris em mão.
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Haverá melhor para um cozinheiro do que perceber de imediato o que a sua criação provoca em quem a prova? Danilo Moreira, braço direito de Ashik Yonjan no Omakase Wa, em Lisboa, já viu pessoas a quem caíram lágrimas de emoção enquanto comiam. Gonçalo Cabral, subchefe do lisboeta Praia no Parque, ao lado de Paulo Alves, diz que ouvir os suspiros de quem está a saborear a comida “é como ir ao estádio de futebol e ouvir gritar golo”.
Enguia com pele, milho braseado e arroz vaporizado e três sakés da harmonização no Omakase Wa, em Lisboa. Fotos: Sérgio Faísca/Patrícia Matias
A experiência omakase, só com surpresas, é intimista, propícia a conversas e trocas de conhecimento entre o chefe e os clientes e a um agradável convívio entre as pessoas do grupo. Fala-se do formato redondo do bago do arroz, da paixão pelas facas japonesas ou de como o saké doce acompanha bem mais pratos do que inicialmente pudéssemos pensar. Na verdade, estão todos no mesmo barco, sem saber o que vão comer, sedentos de sabores surpreendentes, combinações impensáveis e ingredientes desconhecidos.
No livro A História do Sushi, de Trevor Corson, o académico e escritor norte-americano explica que o omakase “é o que o cliente sofisticado diz ao chefe quando se senta no sushi bar. Os conhecedores de sushi raramente pedem um menu. Tradicionalmente, os sushi bares no Japão nem sequer tinham menus”.
A tradição omakase começou no Japão, na década de 1990, também para receber clientes abonados que sabiam pouco sobre sushi, mas não queriam revelar a ignorância. Do lado do sushiman, é a situação ideal para trabalhar como quiser o que o mar, a estação do ano e o mercado dão. Situação mais flexível, criativa e descontraída, com muito mais improviso do que no menu kaiseki.
No Ocidente, os menus de degustação, galardoados ou não com Estrela Michelin, derivam da influência oriental do kaiseki, a mais requintada refeição japonesa, em que são servidos mais pratos, em porções pequenas, permitindo explorar mais sabores (o que não acontece quando se pede à carta). Trata-se de um menu em que tudo é pensado ao pormenor, centrando-se nas técnicas de preparação, como a maturação ou o corte do peixe, e de confeção, como quentes, tempuras e caldos, muito mais do que no produto.
Rituais e pormenores
O rigor, o asseio e a busca de perfeição (kodawari) é o que Habner Gomes mais aprecia na cozinha nipónica. No Yoso, em Alcântara, o anfitrião gosta de receber enquanto começa a temperar o arroz na panela de madeira. Usa a variedade yumepirikao de Hokkaido, grão ideal para também ser servido frio, apurado com vinagre de arroz (akazu) que estagiou vários anos em madeira, nas borras de arroz da produção de saké.
Todas as noites, dez clientes enchem o balcão do Yoso, em Lisboa, de Habner Gomes Foto: José Carlos Carvalho
“Quero cortar os peixes todos à frente do cliente”, diz Habner sobre o seu omakase, mas seguindo o menu kaiseki, em que a complexidade do que é servido vai sempre crescendo: “De metade do menu até ao seu final, estamos no auge do umami [quinto sabor do paladar], terminando com a fritura.”
O desfile começa com aperitivos (sakizuke) e segue por ingredientes sazonais (hassun), sashimi e crus (otsukuri), fogo (yakimono), caldo quente (suimono), arroz com peixe por cima (niguirizushi), rolo com alga por fora e arroz por dentro (makimono), frito (agemono), doce (yogashi). Estes momentos podem ser traduzidos em comida: fígado de tamboril como se de um foie gras do mar se tratasse, gola de lírio grelhada no carvão, tomate-coração-de-boi em tártaro com goraz dos Açores. Tudo isto se faz diariamente com um objetivo: ganhar uma Estrela Michelin.
Na Enoteca 17.56, se o peixe é dos mares mais próximos de Portugal e dos Açores, já o arroz koshihikari vem diretamente do Japão. “O arroz é o principal ingrediente do omakase. O resto é que acompanha o arroz”, sublinha Hayron Rocha, brasileiro de Florianópolis, há meio ano em Vila Nova de Gaia. Os clientes sentam-se nos oito lugares do balcão movidos, sobretudo, pela curiosidade. E voltam. “Tenho um cliente americano que já veio cinco vezes”, orgulha-se.
A sazonalidade é a bússola, mas o sushiman gosta de “mesclar a cultura portuguesa com a japonesa em alguns momentos para que as pessoas se sintam em casa”. Exemplo disso são as amêijoas salteadas em saké, mirin e cebolinho, servidas num caldo de amêijoas com espinhas de peixe assadas e cozidas durante dez horas.
Mostrar a caixa de madeira (netabako) com a coleção de peixes assentes na antissética folha de bambu, a servir durante o jantar de quase duas horas, faz parte das apresentações no Omakase Wa, perto da Praça da Alegria e da Avenida da Liberdade, em Lisboa. O chefe Ashik Yonjan revela os peixes para o sushi, o sashimi e os niguiris – atum-bonito, atum-bluefin, sarrajão dos Açores, dourada, pargo e salmonete de Peniche –, todos desidratados ou curados na casa. A dourada, por exemplo, chega num temaki tosco, um canudo enrolado na alga, para comer de imediato, enquanto o chicharro dos Açores é braseado e temperado com sal fumado, gengibre e wasabi, num minitemaki prensado à mão, para ser comido de uma só vez.
No Praia no Parque, no alto do Parque Eduardo VII, em Lisboa – onde, em 2019, Lucas Azevedo pôs a filosofia omakase no mapa – para o nosso almoço havia encharéu dos Açores, dourada de Sagres, atum e salmonete para o sashimi. “É o produto a falar por si, com o corte, a maturação e a temperatura certas, é inventar o menos possível”, garante Paulo Alves, há nove meses nesta barra japonesa e responsável pela Estrela Michelin entregue, em 2022, ao Kabuki.
Niguiri de lula dos Açores e taça com atum, furikaki e gema, dois momentos do menu de almoço do Praia no Parque, em Lisboa Foto: D.R.
No Porto, ao balcão do Kaigi, de Vasco Coelho Santos, o peixe fresco, ingrediente fundamental no menu de nove momentos, já chega amanhado, escalado e maturado pela Peixaria by Euskalduna (dos mesmos donos do Kaigi) bem como o brioche que vem da Ogi, padaria da casa, e há de acompanhar o katsudon no final da refeição.
No Irú, a casa de Pedro Lopes e Pedro Binotti, brasileiros de São Paulo, que em maio abriram um restaurante japonês no lugar de um café de bairro no Jardim das Amoreiras, em Lisboa, a maioria do peixe também passa pela câmara de maturação, onde ao perder toda a água, a proteína ganha firmeza. “Não vendemos a ideia de servir apenas peixe fresco e que o peixe do dia é o melhor. A maturação faz com que o peixe ganhe textura e intensifica o seu sabor”, justifica Pedro Lopes.
Do menu de 12 passos, servido a oito pessoas de cada vez, há “queridinhos”, como o tártaro de carapau e de cavala, que não são trocados, nem a enguia fumada em molho kabayaki, arroz temperado e maionese de sésamo servida logo no início do menu. Apesar da simplicidade do prato, revela de imediato a qualidade do arroz, vital para o resto do jantar.
Niguiris, o grande momento
Se há momento em que o arroz ganha protagonismo é, sem dúvida, a meio da refeição quando os chefes puxam dos galões para preparar o melhor niguiri. “É a peça mais elegante, a que requer mais destreza, por isso, mais prática”, assegura Gonçalo Cabral. No Praia no Parque, os niguiris, delicados e elegantes, são feitos com arroz koshihikarida da região de Niigata, com o bago mais miudinho, e servido à temperatura do corpo (cerca de 36ºC) com pequenos filetes de pargo, encharéu com lima-caviar, barriga de atum (toro) com flor de sal, vieira com pasta yuzu e malagueta e sangacho, parte menos nobre do atum, com foie gras.
No Omakase Wa, Ashik Yonjan e Danilo Moreira dividem-se para ir a jogo com dourada, sal e limão, pargo e lima-caviar, salmonete, yuzu, green chili e sal e toro, foie gras e fumo a sair de uma minicampânula. Todos tiveram a preocupação de explicar a fórmula correta de comer um niguiri, indo à boca inteiro e de “pernas para o ar”, em que é o peixe que toca primeiro na língua, sem soja, nem wasabi extra.
Com dois turnos por noite, no Omakase Ri há uma lista de espera de cerca de seis semanas para degustar o menu de 15 momentos, sobretudo de nigiris (9-11 peças) e de sushi. Agora é tempo de ouriços-do-mar, caranguejos, ostras e peixes mais gordos, vindos do frio do Atlântico, como lírio dos Açores, pregado, robalo, pargo, dourada e atum nacional capturado por um pescador japonês em Olhão. Sem pretensiosismos, é “deixar a comida falar”, como diz Rish Verma, proprietário do projeto iniciado em Alcântara e que há um ano se mudou para a Lapa, na cave de uma galeria comercial.
No Omakase Ri, em Lisboa há uma lista de espera de cerca de seis semanas para degustar o menu de 15 momentos Foto: Luís Ferraz
Enquanto se preparam os niguiris, mostram-se também os raladores de wasabi fresco, uma minitábua de madeira com pele de tubarão que funciona como lixa natural para a raiz verde e picante. “Fica mais aromático, menos agressivo do que a pasta industrial a que se está habituado”, sublinha Paulo Alves.
Pedro Moreno, sushiman do Kaigi, também gosta de ralar o wasabi fresco num prato especial, cuja textura se assemelha à pele de tubarão, e de o dar a provar aos comensais, antes de o chefe executivo, Nuno Brás, servir uma reinterpretação da sopa de miso: tomate, escabeche de cebola com malagueta e cavala fumada, num caldo de peixe com muito umami. “A minha base é a cozinha portuguesa, numa fusão respeitosa através de técnicas e costumes”, sublinha Nuno.
Segue-se um equilibrado jogo de sabores entre as criações de Pedro e de Nuno: gunkan de lingueirão cozido na água do mar, soja, cebolete e wasabi para ser comido de imediato para não perder a consistência, tigela de arroz, robalo e lírio (donburi), niguiris de encharéu e de robalo selvagem, carapau temperado com citrinos do Lugar do Olhar Feliz, quinta no Cercal no Alentejo, com molho chimichurri, temaki de otoro (barriga de atum, mais pálida do que o toro, ligeiramente defumada temperada com wasabi) e o katsudon (lombo de porco alentejano ligeiramente mal passado, com gema de ovo, salada portuguesa de feijão-verde) servido no pão brioche.
No Kaigi, no Porto, Nuno Brás tem como base a cozinha portuguesa. O que faz no restaurante de Vasco Coelho Santos é uma fusão respeitosa através de técnicas e costumes japoneses Fotos: Lucília Monteiro
A performance manual que envolve fazer niguiris é, sem dúvida, o momento mais esperado por todos os chefes. “O niguiri é a peça que mais técnica requer e que todos os dias pode ser melhorada. Podemos afinar sempre a quantidade de arroz e a pressão colocada na peça. É o nosso momento kodawari”, explica Danilo Moreira. Arigatou gozaimasu, agradecemos nós.
COMO NO JAPÃO
LISBOA
Arashi Sushi Bar
O menu omakase kaiseki começa com um shot de saké, seguido pela salada wakame, tempura, niguiris, hossomaki, sashimi, gunkan e, no final, mochi e chá verde. Tv. do Pregoeiro, 20B > T. 96 766 9261 > seg-dom 12h-15h30, 19h-23h30 > €35 (14 passos)
GoJuu
A reserva é obrigatória para o jantar com início às 21h. Daí em diante, são só surpresas. R. Marquês Sá da Bandeira, 46A > T. 21 828 0704 > ter-sáb 12h30-14h30, 19h30-22h30 > €95 (5 momentos), €115 (7 momentos), €80 (16 nigiris)
Irú
Tv. da Fábrica das Sedas, 30 > T. 21 010 2326 > ter-sáb 19h, 21h30 > €80 (12 passos sem bebidas)
Kanazawa
Restaurante de Paulo Morais, estudioso da culinária nipónica galardoado com uma Estrela Michelin. São oito lugares ao balcão para, ao jantar, optar pelo menu omakase com sushi e sashimi. R. Damião de Góis, 3A, Algés > T. 21 301 0292 > ter-sáb 12h-15h, 19h-21h30 > €100 (8 momentos, sem bebidas)
Omakase Ri
Lapa71, R. Garcia de Orta, 71C, cave > T. 91 409 4506 > ter-sab 19h, 21h30 > €90 (15 momentos), €36 (4 sakés), €60 (4 whiskies)
Al. Cardeal Cerejeira, alto do Parque Eduardo VII > T. 96 884 2888 > seg-sex 12h30-16h > €75 (7 momentos, sem bebidas)
Yoso
Rampa das Necessidades, 6 > T. 21 397 0705 > ter-sex 12h30, 13h30 menu executivo €35 (com bebida e café), ter-sáb 20h €95 (9 momentos, sem bebidas)
CASCAIS
Kappo
Av. Emídio Navarro, 23A > T. 21 484 4122 > ter-sex 19h-24h, sáb 12h30-14h30, 19h-24h > €135
PORTO
Kaigi
R. Eugénio de Castro, 225 > T. 93 841 0124 > ter-sex 19h-24h, sáb 13h-15h, 19h-24h > €65 (9 momentos, sem bebidas)
BRAGA
Omakase Braga
Michael Choi propõe quatro menus ao balcão para 16 pessoas. R. do Raio, 6 > T. 93 807 0831 > ter-sáb 12h30-14h30, 19h30-23h, dom 19h30-23h > €75-€130, €20-€30 (5 a 10 sakés)
VILA DO CONDE
Ikigai Omakase João Vitorino
Num balcão com 12 lugares, o bacalhau negro continua a ser um dos mais apreciados. R. da Costa, 5 > T. 93 732 4146 > qui-sáb 20h-24h > €80 (16 momentos, sem bebidas)
VILA NOVA DE GAIA
Enoteca 17.56
R. de Serpa Pinto, 44B > T. 22 244 8500 > ter-sáb 20h > €80 (16 momentos, sem bebidas)
A partir de 8 de janeiro, a entrada num dos países constituintes do Reino Unido passa a implicar, para cidadãos de 48 países, a emissão de um novo documento digital, o ETA – sigla para Electronic Travel Authorisation ou autorização eletrónica de viagem, em português. Este sistema, que entrou em vigor em 2023 para os cidadãos de alguns países árabes, obriga a que os viajantes que pretendam entrar no Reino Unido necessitem de apresentar uma autorização prévia – e paga – de viagem. A partir de 2 de abril, a obrigatoriedade do ETA é alargada aos cidadãos da União Europeia.
O plano ETA foi anunciado por Robert Jenrick em 2023, enquanto ministro da Imigração do governo de Sunak, para controlar melhor as fronteiras britânicas. “Os ETAs irão melhorar a nossa segurança nas fronteiras, aumentar o nosso conhecimento sobre quem procura vir para o Reino Unido e impedir a chegada daqueles que representam uma ameaça”, explicou.
Quem precisa de um ETA?
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Um ETA – Electronic Travel Authorisation – vai passar a ser um dos documentos de apresentação obrigatória por qualquer cidadão que não precisa atualmente de um visto para estadias de curta duração no Reino Unido. Ao todo, viajantes de 48 países passam, já a partir de quarta-feira, a necessitar deste documento – incluindo viajantes dos Estados Unidos, Canadá e Austrália. A lista dos 48 países pode ser consultada aqui.
Semelhante aos “ESTA”, dos Estados Unidos, estes documentos digitais obrigatórios autorizam a entrada e permanência no Reino Unido durante um período máximo de 90 dias – cerca de seis meses – que devem ser obtidos de forma prévia à viagem. Destinam-se apenas a visitas de fins turísticos, de negócios, estudos de curta duração e compromissos remunerados autorizados.
Os cidadãos destes países já residentes no Reino Unido não precisam de um ETA.
Os cidadãos europeus também necessitam de um ETA?
O sistema será alargado a cidadãos da União Europeia a partir de 2 de abril de 2025. Qualquer cidadão de um país que integre a UE – incluindo Portugal – terá de apresentar não só o passaporte à entrada do Reino Unido, como também o ETA.
Os pedidos da autorização eletrónica de viagem podem começar a ser feitos a partir de 5 de março de 2025.
A União Europeia já anunciou a aplicação de um sistema semelhante – designado de ETIAS (Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagens) – que deverá entrar em funcionamento ainda no primeiro semestre deste ano.
Como posso obter um ETA?
Para obter um ETA é necessário ter um passaporte válido e que cuja validade termine, pelo menos, seis meses após a data de partida do Reino Unido.
O documento tem um custo de 10 libras (cerca de 12 euros) e pode ser solicitada a sua emissão, pelo menos, três dias antes da viagem, através da aplicação UK ETA – disponível para iOS e Android – ou através do portal do Governo britânico. O custo da autorização digital não é reembolsável.
São necessárias fotografias do passaporte e do processo de solicitação do documento, bem como o preenchimento de um questionário que inclui dados pessoais do viajante – como a morada, contacto, data de nascimento ou nacionalidade – e os principais motivos da visita, itinerário e data de saída, num processo que dura cerca de 20 minutos.
A decisão sobre a emissão do ETA será, em teoria, tomada no prazo de três dias, mas o governo britânico já avisou que o processo poderá vir a demorar mais tempo. Esta autorização pode ser rejeitada com base em antecedentes criminais ou risco de terrorismo.
A posse de um ETA não garante a entrada em nenhum dos países do Reino Unido, sendo necessário continuar a passar pelo controlo de passaportes para entrar e permanecer nas ilhas britânicas.
Durante quanto tempo é válido?
A validade do documento é de dois anos e permite a entrada no Reino Unido múltiplas vezes. Contudo, este documento está ligado ao passaporte, pelo que a emissão de novos passaportes dentro desse período implica o requerimento de um novo ETA.
Continuo a precisar de um ETA se estiver apenas a fazer escala no Reino Unido?
Sim. Todas as pessoas que entram no Reino Unido, apenas para um voo de ligação para outros destinos, devem ter um ETA ou não conseguirão passar pelo controlo de fronteiras.
A Meta encerrará, por enquanto nos Estados Unidos, o programa de verificação de factos em parceria com organizações independentes, que era utilizado desde 2016 para combater desinformação. Em substituição, Zuckerberg aposta num sistema baseado na contribuição dos próprios utilizadores, algo semelhante à abordagem da X, de Elon Musk.
Segundo o CEO da Meta, a medida é uma resposta às críticas sobre censura excessiva e aos erros causados por sistemas de moderação complexos. “Reduzir erros e simplificar políticas” foi a promessa feita por Zuckerberg num comunicado em vídeo, onde também defendeu que os governos, com destaque para os europeus, e a imprensa tradicional limitam a liberdade de expressão.
Comunicado em vídeo de Mark Zuckerbeg publicado no Facebook
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Mais conteúdos políticos
Outra mudança significativa será a reintrodução de conteúdos políticos nos feeds, revertendo uma decisão anterior de os limitar devido a queixas relacionadas com suposto stress que estes conteúdos estavam a criar nos utilizadores. Zuckerberg argumenta que “os tempos mudaram” e que os utilizadores estão a pedir novamente por esse tipo de publicações.
Segundo Zuckerberg, a Meta vai concentrar os seus esforços em violações consideradas graves, como conteúdos relacionados com terrorismo, exploração infantil e tráfico de drogas. As restantes violações dependerão mais de denúncias dos utilizadores, com os filtros de moderação a aplicarem maior tolerância antes de remover qualquer publicação.
Para gerir estas alterações, a equipa de confiança e segurança da Meta será transferida da Califórnia para o Texas, para evitar acusações de serem parciais.
No comunicado em vídeo, Mark Zuckerberg comparou ainda a política mais permissiva dos EUA, que, segundo o líder da Meta, permite acelerar o desenvolvimento, criticando diretamente as políticas de regulação da União Europeia. Zuckerberg declara mesmo que espera colaborar com Trump para defender a liberdade de expressão e as empresas americanas.
O ano que passou foi difícil para todos os progressistas, defensores dos direitos humanos e da ecologia. Entre os principais factos políticos de 2024 contam-se vários resultados de relevo de partidos de extrema-direita que ameaçam os nossos direitos fundamentais (as legislativas em Portugal e a vitória de Trump são disso exemplo), a fraca evolução no combate às alterações climáticas (com a COP29 a revelar-se um fracasso), e a continuação de guerras cujos efeitos desumanos se fazem sentir quase na totalidade sobre as populações civis (como é na Ucrânia, mas principalmente em Gaza).
Em Portugal, 2024 foi um ano muito infeliz para alguns dos principais atores políticos nacionais. O nosso Presidente da República manteve-se em silêncio em temas-chave de direitos, liberdades e garantias, não reprovando com a veemência exigida o comportamento de deputados populistas ou a politização das forças de segurança; o presidente da Assembleia da República começou o seu mandato admitindo como “liberdade de expressão” declarações claramente racistas e revelando total incapacidade para conter os abusos parlamentares da extrema-direita; o Governo, comungando dos defeitos anteriores e de muitos outros, não teve a coragem para defender internamente e no panorama internacional os que mais sofrem, nomeadamente os Palestinianos.
Mas 2024 revelou-se também um ano de resistência e resiliência política, e essa deve ser a principal força dos progressistas e de todos os que se mobilizam pelos direitos fundamentais da cidadania. Soluções como a da Frente Popular, em França, ainda que sem grandes resultados práticos somente pela teimosia de Macron, mostraram como as populações valorizam o espírito de convergência e de oposição conjunta a partidos que ameaçam os próprios pilares da Democracia e do Estado Social e de Direito.
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Esta resistência democrática esteve presente um pouco por todo o globo, desde as manifestações em Portugal pelo falecimento de Odair e pela rusga no Martim Moniz, ao sobressalto cívico que permitiu à Coreia do Sul não se transformar num Estado Marcial da noite para o dia, passando pelo tratamento dado pelo Estado brasileiro às intrusões de Musk e da sua rede social e à tentativa de golpe de Estado do ex-Presidente Bolsonaro.
Como disse Rui Tavares durante as legislativas, “havendo maioria de Esquerda seremos solução, havendo maioria de Direita seremos oposição”. Uma oposição resiliente e democrática, que debate políticas honestamente, alicerçada na boa-fé e com espírito construtivo (como se tem visto no país e nas autarquias onde o LIVRE tem presença, como em Lisboa), mas sem receio de estar com as populações, de as consciencializar contra as injustiças e incentivar a tomar as rédeas das suas reivindicações. Uma forma de estar de uma força política que, ou governa, ou se prepara para governar.
Foi essa maneira de fazer política que deu confiança aos cidadãos para que estes atribuíssem ao LIVRE, em 2024, o seu melhor resultado eleitoral de sempre, com a eleição de um Grupo Parlamentar de 4 Deputados, eleitos por Lisboa, Porto e Setúbal. O trabalho que tem sido desenvolvido na defesa política e através de diversas propostas legislativas, das diferentes liberdades, tem honrado o voto de quem confiou no LIVRE como força de resistência e resiliência democrática contra as incursões da Direita e Extrema-Direita, e como solução governativa futura.
Abordando apenas algumas das propostas apresentadas no último processo orçamental, procurámos reforçar as liberdades individuais com propostas relativas à Estratégia de Saúde para as Pessoas LGBTQIA+ e à regulamentação do estatuto jurídico das ONG’s LGBTQIA+, ao Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, à Estratégia para a Igualdade, Inclusão e Participação das Comunidades Ciganas, à Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, à Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente e o combate à poluição luminosa, entre outras.
Noutro domínio essencial, não esquecemos a liberdade para estudar e ascender socialmente, através de propostas como o passe gratuito para todos os Estudantes do Ensino Superior, a abolição das taxas e emolumentos em todos os ciclos de estudo, a limitação das propinas nos Mestrados, a criação de um Fundo Nacional para a Inovação, Acessibilidade e Inclusão Pedagógica, a atualização da ação social indireta com reforço do financiamento para alojamento, alimentação e saúde, bem como a criação de um vale-material e ainda a reposição do financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Infelizmente muitas destas soluções foram recusadas pela maioria de Direita. Resta-nos por isso desejar para 2025 o que não tivemos em 2024: um país onde todas estas liberdades possam ser reforçadas através das medidas propostas, e principalmente em que todos os atores políticos do espectro democrático se esforçam para a melhoria efetiva da vida de quem aqui vive e o reforço da nossa democracia e dos valores de Abril.
O Canadá, para Trump, é o 51.º estado dos Estados Unidos. Ainda não é, mas tem de ser, diz o 47.º presidente americano. Trump também insiste que 10 milhões de canadianos adorariam ser integrados na União. Ninguém conhece esses números, mas não há mal nenhum em inventar.
A terceira afirmação do próximo presidente diz respeito à demissão do primeiro-ministro Justin Trudeau, após dez anos à frente do Governo em nome dos liberais, por perceber que irá perder as próximas eleições para os conservadores. Trudeau saiu porque o seu ciclo político estava esgotado, e nada disso tem a ver com a insistência do quase presidente.
A primeira grande indelicadeza de Trump foi atribuir o cargo de «Governador» ao primeiro-ministro, depois de se terem encontrado — e não foi apenas mais uma tolice para esquecer. Desde então, e à medida que o dia 20 se aproxima, o presidente eleito e confirmado não abandona a ideia de integrar o Canadá na União americana, sem esquecer a Gronelândia da Dinamarca, talvez o 52º estado.
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É bizarro e infantil, mas os Estados Unidos construíram-se através de lutas contra os mexicanos para conquistar território — Texas, Colorado, Novo México e Califórnia — e com a compra do Alasca à Rússia. Trump quer alargar horizontes e, para isso, não hesita em usar as armas que tem: taxas fronteiriças e controlo de pessoas. Canadá, México e Dinamarca são alvos primários. Um dia destes reclama os Açores! Por razões de segurança nacional, como na Gronelândia.
Os sinais que chegam de Mar-a-Lago não são promissores. Corremos o risco de Trump estar pior do que já estava.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
A agência Lusa teve acesso, esta terça-feira, ao acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) que determina a condenação ao pagamento de 20 mil euros a um pai e ao filho menor, considerando que foram violados direitos de ambos quando a criança foi devolvida à mãe, num caso que remonta a 2018.
O tribunal considerou que as autoridades e a justiça portuguesas não respeitaram direitos do menor, então com 7 anos, não ouviram o pai nem investigaram a origem das escoriações que o menor apresentava nem os alegados maus tratos cometidos pela mãe, que morava em França, e a quem foi devolvido o filho por ordem do Ministério Público (MP).
Segundo a Lusa, os pais moravam em França e tinham guarda partilhada da criança. Em dezembro de 2017, após decidir voltar para Portugal, o pai deu entrada de uma ação de regulação das responsabilidades parentais no Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, ao mesmo tempo que avançou com uma queixa contra a mãe por alegados maus-tratos, depois de constatar uma lesão no filho.
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A progenitora, por sua vez, apresentou uma queixa junto das autoridades francesas por rapto, o que acabaria por levar à detenção do pai, em fevereiro de 2018, em Matosinhos, no seguimento de um mandado de detenção europeu.
Nesse dia, pai e filho foram levados para uma esquadra da PSP, enquanto o MP no Tribunal de Família e Menores de Matosinhos decidia devolver o menor à mãe, sem ouvir o pai ou a criança e sem mandar investigar os alegados maus-tratos. “O simples facto de as autoridades policiais terem retirado a criança da escola às 9h00 e, simultaneamente, terem detido o seu pai, mantendo-os numa esquadra de polícia mais de três horas, quando a criança foi levada para o Ministério Público antes de ser entregue à mãe, às 17h00, parece ser suficiente para afirmar que a criança não foi tratada com cuidado e sensibilidade ou com especial atenção à sua situação pessoal e bem-estar e com pleno respeito pela sua integridade psicológica”, lê-se no acórdão do TEDH.
O tribunal entende que as autoridades portuguesas não trataram o pedido de regresso da criança à mãe ao abrigo da Convenção de Haia de forma eficaz e expedita, mas, em vez disso, limitaram-se a executar o mandado de detenção europeu e a devolver automaticamente a criança à mãe, atribuindo “maior peso ao reconhecimento mútuo das decisões judiciais e aos interesses da mãe, ignorando outros fatores, em especial e principalmente, qualquer avaliação do interesse superior da criança e, em segundo lugar, os direitos do segundo requerente enquanto pai”.
O TEDH lembra que o artigo 8.º da Convenção exige que as autoridades nacionais estabeleçam um equilíbrio justo entre os interesses da criança e os dos pais e que, no processo de equilíbrio, deve ser dada especial importância aos interesses superiores da criança que, consoante a sua natureza e gravidade, podem prevalecer sobre os dos pais.
A Maldoror acaba de publicar uma nova edição do clássico Nossa Senhora das Flores, de Jean Genet. Em mais um contributo desse diamante que é Aníbal Fernandes, o regresso ao livro tremendo de Genet permitiu-me apreciar sobretudo a poética, mais do que espantar diante da crueza dos assassinos que fascinavam o francês.
Foi no tempo da faculdade que li pela primeira vez este livro e lembro do espanto perante o claro fascínio pela decadência. Uma avidez pelas figuras cuja moral não se redimia de modo algum, porque o homicídio era por toda a parte e sem remorso. Os amores de Genet, Mignon ou de Nossa Senhora das Flores eram todos parte de um quotidiano onde a ferocidade estava latente, como entre animais que, por um instante sem muita explicação, sucumbissem a uma natureza violenta que terminava tudo. Os amores de Genet eram, por isso, feitos de uma sujidade que feria quem lia, mais ainda porque narrados também com uma poética aqui e ali deslumbrante. Genet, poeta, deita sobre o feio daquelas vidas imagens deslumbrantes, palavras perfeitas que cintilam como luzes limpas na infinita escuridão.
Reler Genet agora é sobretudo catar essa cintilação. Já desenganado do triste que são os amores, mormente estes amores entre assassinos e prostitutos, o que hoje o texto do grande autor me traz é seu ritmo imparável e a beleza da expressão que acontece igual a modo de corromper a imoralidade. O belo parece ser o que num prato da balança compensa no outro a decadência inteira.
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Recentemente, li um romance de um autor brasileiro que já se viu premiado e com várias tiragens esgotadas. Outono de Carne Estranha, de Airton Souza, é uma ficção acerca dos amores dos homens que garimpam ouro na Serra Pelada, arriscando a vida por um sonho de fortuna, desde logo descendo e subindo as tremendas escadas de onde tantos caem e morrem, por isso mesmo chamadas de “adeus-mamãe”. Afastados por meses ou anos de suas famílias, miseráveis as mais das vezes, procuram nas prostitutas a presença do amor e fervem numa saudade que se torna complexa, tormentosa, quase desumana.
Airton Souza é exímio no relato. Frontal, até gráfico em algumas passagens, sobretudo logo nos primeiros parágrafos, o autor usa da mesma secura que Genet é capaz, mas traz uma sensualidade que só o calor inventa. Ainda assim, o trunfo de Souza está também na potência poética. Aqui e ali, sem demasiada explicação, as emoções são abeiradas por expressões impossíveis de definir. Momentos de certa suspensão de sentido onde o que importa é a criação de uma imagem de espanto que, invariavelmente, aprofunda mais a carência e o desamparo, que é o mesmo que dizer, complica o amor e seu exercício.
O livro respira desse modo. Narra o que pretende que saibamos mas pulsa segundo o aparecimento dessa pérola poética que nos diz sobretudo que o fundamental escapa a todos os conceitos. O ritmo de tudo quanto se conta fica ferido dessa beleza mas também do incerto que carrega, como se fosse anúncio de miragem, de promessa impossível, lugar imaginário a que ninguém vai ser capaz de chegar. Esse lugar, que é substancialmente o amor, pode ser apenas o desejo de regressar a casa. Coisa que não se garante. Pertence ao sonho. Ali, todos, por mais brutos, feridos ou ferozes, se movem pelo sonho. São assombrados pelo sonho.
O livro de Airton Souza, que infelizmente ainda não está editado em Portugal (Companhia das Letras no Brasil), é tristíssimo e lindo, profundamente lindo, ainda que todo feito da lama do garimpo, ainda que todo feito de fome e saudade, da pertura da morte e da violência. Julgo que não havia lido sobre amores tão ásperos desde que lera Genet na juventude. Do mesmo jeito, por um tempo, dá até medo.
António está decidido. E sente coragem. Espírito de aventura, e até uma certa felicidade. Era isto que lhe faltava nos últimos anos. Não se enganem. Não falo de alguém que nos seus velhos tempos era um amante das artes e um lutador de causas nobres e agora sente a nostalgia do tempo em que era jovem e recupera, naquele olhar numa antiga paixão, uma vontade de mudar o mundo que é apenas uma boa recordação. António sempre foi soldado de primeira fila. Como estudante, como médico, como pai, como guerrilheiro, como mecânico, em tempos de crise, em tempos de grandes projetos de mudança. O problema do António não eram as lutas, não era a resistência, não era a oposição nem eram as dificuldades que se encontram pelo caminho.
O António não se assustava com golpes militares, com insurreições inesperadas de extrema-direita, com prisões de alta segurança e elevada ilegalidade, com cybertrucks da Tesla que explodem à porta de edifícios que simbolizam impérios nem tumultos nas ruas, nem com bombas e mísseis que em breve saberão decidir sozinhas quem bombardear. António sabia que quando os governantes incutem medo nas suas populações, os rebeldes estão a ganhar. Sabia que nada desafia mais uma ditadura (militar, política, financeira) do que ignorar as suas investidas e manter um estilo de vida que as questiona. António sabia muito, vivera outro tanto e tinha um optimismo estrutural que não lhe permitia desistir ao primeiro obstáculo. Mas António não percebia este novo tempo. Não percebia as gerações mais velhas mas também não compreendia as mais novas.
António não sabia a quem se aliar, com quem conversar, que lutas abraçar. E essa dúvida amargurava-o. A incerteza de não se saber se há lado certo, se há futuro, se há sequer vontade em continuar uma jornada para um mundo melhor. E António não sabia lidar com esta sensação e com um certo cansaço insuspeito e invisível que o invadia, todos os dias um bocadinho mais, e se espalhava por todo o corpo e por todas as suas ideias. Até ao momento em que viu aquele sorriso na cara de Flora. E pensou: se calhar os tempos não são de certezas. Nem de grandes direções. Sabemos de mais para sermos tão parvos. Para sermos tão inocentes e tão ensimesmados com caminhos únicos e definíveis. Se calhar estes são tempos de ir. Só ir. Saltar o muro e acreditar que do outro lado há algo de novo para descobrir e algo de eternamente reconhecível que nunca se perde.
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António tirou o avental, confirmou quantos trocos tinha no bolso das calças direito e enfiou o passaporte e a carta de condução em papel no bolso de trás, um hábito que mantinha desde o momento da “Grande imaterialização” (sobre a qual vos contarei ainda numa destas crónicas). António sentia-se preparado para tudo o que aí vinha. Com e sem tecnologia. Com ou sem companhia.
Sabia que ia encontrar lugares com fronteiras fechadas, e jardins de cancela aberta com pomares com árvores carregadas de frutos deliciosos. Sabia que ia acabar em apartamentos que só abririam com códigos de alta segurança, viver em cidades onde não se vê vivalma e se fala apenas através de intercomunicadores embebidos nos poucos equipamentos públicos. Sabia que iria percorrer longas distâncias em comboios supersónicos subterrâneos e passar semanas sem ver a luz do dia. Sabia que se podia dar a volta ao mundo em catorze horas e escolher qualquer destino de chegada (com o pin certo) e não encontrar ninguém que partilhasse os mesmos sonhos durante anos, mesmo que com todo o dinheiro, todos os contactos, e todo o conhecimento sobre qualquer assunto. António sentia-se preparado. Para percorrer túneis e aprender novos ofícios, para desafiar a angústia e a solidão. E andou e andou e andou e andou e andou e andou e andou e andou e andou e andou e andou e andou. Sem destino. Sem saber. Sempre a questionar, a questionar-se, a reequacionar.
Até que num dos muitos dias se fez meio-dia, era verão, estava muito quente e ele encontrou o seu passado numa catedral em Talin, na Arménia, fundada pelos Kamsarakans, hoje no meio de um descampado, ao lado de um cemitério de muitos séculos, às portas da cidade. Um edifício circular, sem telhado, uma cúpula majestosa cercada por paredes de tijolo vermelho e preto, destruídas por terramotos, guerras e desleixos consecutivos. António entra e olha em redor. Na igreja apenas um serralheiro solitário que constrói andaimes ao som de um rádio de pilhas com a calma de quem sabe que não há mais ninguém interessado na reparação desta igreja. Do outro lado, ainda intacto, um fresco representa um livro aberto sentado num trono almofadado. Numa das torres, os vestígios de uma fonte construída pelo monge Uxtaytur e o seu irmão Tuti em 234 da era armena ou em 783 na era depois de Cristo (ou ontem, nos tempos que correm sem história e sem noção). Ao lado uma inscrição com um aviso numa língua que António não domina.
António olha em redor e sente a calma, sente os séculos, sente-se parte de uma espécie que se dedica a pintar auroques e a erguer santuários, e não percebendo o que isso quer dizer, percebe. Ou aceita. Nesse momento, entra na catedral Lula Pena com um santur à cabeça. Ela não o vê. Também ela percorre o mundo há décadas, à procura daquele tom. Daquela melodia. Lula olha à volta e bate uma palma, outra palma, outra palma, canta umas breves notas. Escolhe um lugar pelo seu eco, monta e afina o santur. Na catedral, e sempre em silêncio, vão chegando pessoas. Duas amigas que por ali estavam a conversar, o guarda do cemitério, dois turistas perdidos, o senhor da mercearia, cada um com a sua razão para estar ali, todos atraídos pelo mesmo som. Uns encontram o seu lugar em cima de uma pedra, outros deitam-se no chão enquanto olham o céu a descoberto, outras ainda se encostam a uma parede, perto do altar, o serralheiro faz uma pausa e desliga o rádio. A caminhada tornou-se num concerto, onde tempo, história, espaço e percursos se uniram durante horas sem que alguém se atrevesse a respirar. É isto, o encontro entre deuses, pensou o António, mas não o pensou com palavras. Apenas sentiu-o.
Quando Lula Pena terminou, seguiu-se o vazio. E o peso. Mas continuava a não se ouvir um ruído. Ninguém se mexeu. Apenas o serralheiro procurou algo na sua mesa de trabalho. Precisava de dizer algo. Encontrou uma maçã, que era tudo o que tinha para o seu almoço. Limpou-a ao macacão azul de trabalho e dirigiu-se para Lula. Fez-lhe uma pequeníssima vénia e estendeu a mão para lhe oferecer uma maçã. Ela aceitou a maçã com um sorriso e um olhar que duraram para sempre. Os olhos de António encheram-se de lágrimas. Era por aqui o caminho. J
Nota: crónica ficcionada baseada no concerto improvisado que Lula Pena deu em Talin, Arménia, no âmbito de uma residência artística da Rota Clandestina no verão de 2023
Um adolescente ficou ferido esta terça-feira na sequência de um esfaqueamento junto à Escola Secundária São João do Estoril. De acordo com o Expresso, o suspeito terá utilizado uma catana para agredir a vítima, provocando-lhe um corte profundo na mão. “O suspeito foi intercetado e a vítima foi transportada para o Hospital de Cascais”, referiu uma fonte da PSP ao jornal.
O alerta foi dado pelas 13h18 desta terça-feira.
De acordo com a SIC Notícias o agressor e vítima são estudantes de estabelecimentos de ensino diferentes e têm entre 14 e 16 anos de idade. A PSP de Cascais acredita ter-se tratado de um ajuste de contas.