Temos um ditado aqui na redação: ano novo, máquinas novas. Se é no smartphone que grande parte da nossa vida se desenrola, continua a ser no computador que muitos fazem a maior parte do dia de trabalho (e algum entretenimento).  Aqui colocamos à prova sete portáteis para sete perfis de utilizadores diferentes. Qual será o modelo mais indicado para si?

No final, encontra o nosso ‘donut da verdade’, em formato interativo, para que possa perceber de forma mais simples quais os pontos fortes e fracos de cada um destes portáteis em termos de ecrã, teclado, autonomia, conetividade, construção e portabilidade, além das análises ao desempenho, características e relação qualidade/preço.

Getac S510: Panzer de trabalho

Começamos em grande – literalmente. O Getac S510 pertence à categoria dos chamados portáteis ‘rugged’, isto é, que têm características e proteções adicionais tendo a durabilidade em mente. Basta olhar para as imagens para perceber que este não é um portátil… delicado.

O som desiludiu, sendo parco em detalhes e volume. No trabalho (como obras), melhor som é importante

Poderá estar a perguntar ‘quem usa um portátil destes?’. As possibilidades de resposta são muitas, em boa verdade: bombeiros, forças de segurança, mecânicos, geólogos, topógrafos… Se tivesse uma destas profissões, iria querer um portátil que não lhe desse garantias de maior durabilidade? Essa é a primeira grande característica diferenciadora deste Getac, a ‘carapaça’ protetora. A certificação que ostenta (MIL-STD-810H) significa que suporta quedas quase até um metro de altura com proteção total dos componentes, tendo também uma certificação contra poeiras e salpicos de água (IP53) – o que no universo dos portáteis já é, por si só, uma raridade.

Mas não é só a robustez que faz deste Getac um portátil pensado sobretudo para quem tem trabalhos mais ‘duros’ e ao ar livre. Por exemplo, o ecrã atinge um nível de brilho muito elevado (1000 nits), o permite que mesmo sob luz solar direta os conteúdos sejam legíveis. O painel tem ainda um acabamento antirreflexo, o que torna a experiência de utilização no exterior ainda mais otimizada.

Antes de entrarmos na análise do desempenho, há outros aspetos a considerar, mas que teremos de sublinhar de passagem: esta versão tem um módulo GPS integrado, o que permite que determinadas aplicações possam saber a nossa localização com maior precisão; tem um leitor contactless para cartões RFID; tem um leitor físico para cartões (aliás, do ponto de vista da conectividade, é nota máxima para este portátil); temos duas baterias e removíveis; o sistema de armazenamento também é facilmente removível; o ecrã é sensível ao toque e suporta um modo de luvas… É, do ponto de vista de quem trabalha, uma máquina muito bem pensada e executada. E esta é a versão com tudo do bom e do melhor, havendo outras versões, sem alguns destes extras e componentes diferentes, a partir dos 2200 euros.

Debaixo do capô

Não é por ser um portátil ‘pesado’ (fisicamente e do ponto de vista do design) que o desempenho fica comprometido. Bem pelo contrário. Acabamos surpreendidos pelas capacidades deste Getac, a começar pela inclusão das funcionalidades de Inteligência Artificial que compõe o pacote Windows Copilot+ (legendagem em tempo real, cocriador no Paint, tecla Copilot dedicada).

Se olharmos depois para os resultados práticos dos testes de desempenho, sim, este é um dos portáteis mais modestos deste teste de grupo, mas garantimos que para as principais tarefas de produtividade do dia a dia, o desempenho é mais do que suficiente. Já os 64 GB de memória RAM permitem ter várias aplicações abertas em simultâneo sem que o portátil comece a ‘suar’. O sistema de dissipação entra bem em ação (tornando-se até ruidoso) quando a carga de trabalho é muito exigente, mas evitando que o portátil aqueça.

A autonomia é incrível: perto de 24 horas!

Ideal para : Trabalhadores industriais ou de atividades ao ar livre. Quanto mais duro for o seu trabalho, mais se justifica um portátil deste calibre

Tome Nota
Getac S510 | €4862
getac.com

Benchmarks ​PCMark 10 Extended: 5809 • Essenciais 8840 • Produtividade 8935 • Criação Conteúdo Digital 5961 • Jogos 6538 • 3DMark: Storage 1347 • Night Raid 15789 • Wild Life Extreme 3966 • Geekbench 6 Single/Multi 2092/8775 • Cinebench 2024 CPU Single/Multi 94/388 • Final Fantasy XV FHD: Standard 4216 • PCMark 10 Autonomia (Produt.) 23h27 min

Características Ecrã 15,6” TFT LCD, 1920×1080 p, 1.000 nits • Proc. Intel Core Ultra 7 165U (12 MB cache, até 4,9 GHz), GPU Nvidia GeForce GTX 1650 (4 GB GDDR6), NPU Intel AI Boost • 64 GB RAM DDR5, 1 TB SSD (PCIE NVMe) • Wi-Fi 6E, BT 5.3 • 2xUSB-A (3.2), 2xUSB-C (Thunderbolt 4, DP), 1xHDMI (2.0), áudio 3,5 mm, MicroSD, smart card, RFID, RJ45, VGA • Webcam 5 MP • Bateria: 2x 6900mAh • 375x277x39 mm • 2,35 kg

Desempenho: 3,5
Características: 4
Qualidade/preço: 2

Global: 3,2

Asus Vivobook Pro 15 OLED: No topo da pirâmide

Se está à procura do melhor portátil deste teste de grupo, esta é a análise que vai querer ler. E é fácil assumirmos já esta posição, pois este Asus é superior em várias medidas aos outros portáteis aqui testados (o que não significa que seja o mais indicado para si…).

Podemos começar pela questão da performance, na qual o Vivobook Pro deixa os outros modelos a larga distância. A combinação de um processador de topo da Intel com uma placa gráfica dedicada (a única ‘moderna’ num portátil deste teste), faz com que os resultados de desempenho sejam muito superiores. O que na prática traduz-se numa elevada fluidez, independentemente das tarefas, e também na possibilidade de já conseguir jogar títulos em Full HD com opções gráficas avançadas.

Temos uma seleção robusta de ligações multimédia, incluindo uma porta de rede e para cartões SD

Ou seja, apesar de não parecer, esta é uma máquina com capacidade para diferentes tipologias de tarefas, desde edição de vídeo, programação, a projetos de áreas multimédia. E é na capacidade multitarefa que mais vai sentir isso, tendo uma elevada capacidade de processamento de informação em simultâneo.  É, por isso, um portátil mais destinado aos chamados criativos digitais, que precisam de um computador de alto débito e capacitado para diferentes necessidades (p.ex., renderização de trabalhos).

Outra área, também a pensar nos criativos, que marca uma clara diferença deste Asus para alguns rivais é o ecrã. Equipado com um painel OLED, este é o modelo que nos dá as melhores cores, os melhores contrastes e também a resolução mais elevada, pelo que a experiência de ver vídeos ou fotografias de resolução elevada destaca-se neste portátil. O ecrã não é sensível ao toque, mas garante uma taxa de atualização de 120 Hz para uma utilização visualmente fluida, algo que valorizamos sempre.

Círculo mágico

Em termos de design e construção este não é um portátil tão aprimorado quanto, por exemplo, o Lenovo Yoga Slim ou o Microsoft Surface. Não que seja mal construído, mas tem um aspeto mais industrial, que ganha alguma dinâmica visual pela aposta de dois tons diferentes nas teclas – só não apreciamos a facilidade com que todo o portátil ganha manchas dos nossos dedos (e difíceis de limpar).

E por falar em teclado, as teclas deste Vivobook Pro são muito leves e rápidas, mas a escrita não é tão prazerosa e confortável como nos dois portáteis já referidos. Em contrapartida, este modelo tem um teclado numérico dedicado, o que para alguns utilizadores é um requisito bem-vindo. Uma nota positiva também para o trackpad, que além da resposta vincada, inclui a tecnologia DialPad, uma pequena área circular que funciona como atalho para elementos como a luminosidade do computador ou navegação entre apps em execução, ou para ajuste mais preciso de funções em programas de edição de fotografia e imagem (como a gradação das cores).

Quanto à autonomia, as perto de oito horas conseguidas são boas, acima de tudo pela existência de elementos como o ecrã de resolução superior ou a maior necessidade energética dos componentes internos.

Ideal para : Profissionais de áreas criativas. Tem a maior capacidade de ‘fogo’ do teste, garantindo ainda um bom ecrã e conectividade

Tome Nota
Asus Vivobook Pro 15 N6506MV | €1899
asus.com/pt

Benchmarks PCMark 10 Extended: 9398 • Essenciais 10363 • Produtividade 9845 • Criação Conteúdo Digital 11850 • Jogos 17435 • 3DMark: Storage 1809 • Night Raid 45462 • Wild Life Extreme 16677 • Geekbench 6 Single/Multi 2563/8319 • Cinebench 2024 CPU Single/Multi 113/948 • Final Fantasy XV FHD: Standard 11359 • PCMark 10 Autonomia (Produt.) 7h40 min

Características Ecrã OLED 15,6”, 2880×1620 p, 120 Hz • Proc. Intel Core Ultra 9 185H (16 núcleos, 22 threads), GPU Nvidia GeForce RTX 4060 (8 GB GDDR6), NPU Intel AI Boost • 24 GB RAM DDR5, 1 TB SSD (PCIE Gen 4) • Wi-Fi 6E, BT 5.3 • 2xUSB-A (3.2), 1xUSB-C (3.2, DP), 1x Thunderbolt 4 (DP, PD), 1xHDMI (2.1), áudio 3,5 mm, leitor cartões SD, RJ45 • Videoconferência: webcam 1080 p, 3x microfones, 4 altifalantes • Bateria: 75 Wh • 359,8×235,3×19,9 mm • 1,80 kg

Desempenho: 4,5
Características: 4,5
Qualidade/preço: 4

Global: 4,3

Lenovo Yoga Slim 7i Aura Edition: O melhor de dois mundos

A Lenovo criou uma nova designação para alguns dos portáteis que vende no mercado. Os Aura Edition significam a conjugação de diferentes ideias: pretendem ser portáteis de bom desempenho, de elevada autonomia e que suportam funcionalidades de IA, mas sem as limitações ainda associadas aos PC Windows com chips ARM.

E há de facto muito para gostar no novo Yoga Slim. A começar pelo ecrã, com um nível de nitidez e brilho muito bons, e com cores de encher o olho. Os contrastes também são muito capazes, mas não estão ao nível do que encontrámos em painéis OLED. Conte ainda com uma taxa de atualização elevada, assim como para o facto de ser sensível ao toque, e tem aqui uma máquina ‘moderna’ e que se posiciona bem face à concorrência. A experiência de visualização muito boa (e que só é beliscada pelo ecrã reflexivo) é acompanhada por um sistema sonoro também muito competente e que dá ‘corpo’ ao áudio que está a ser reproduzido, sejam músicas ou séries.

Pelo tamanho (15”), esperávamos pelo menos mais uma porta USB-A… e uma webcam melhor

Entrando já um pouco na área da produtividade, o teclado é excelente, como é apanágio nas máquinas da Lenovo, com as teclas a garantirem uma resposta precisa, rápida e prazerosa. E como está distribuído numa base larga, torna-se muito fácil escrever de forma confortável.

Um portátil engatatão

No que ao desempenho diz respeito, os resultados dos benchmarks colocam este Lenovo como o segundo modelo mais poderoso deste teste de grupo. Isto significa que tudo o que sejam tarefas de produtividade, incluindo edição de imagem, assim como ter várias apps a executar em simultâneo, nada disso foi um problema em termos de desempenho. A memória RAM muito generosa deixa também boas garantias a longo prazo.

Já nos jogos, mesmo não tendo uma gráfica dedicada, a reprodução de alguns títulos é possível, mas apenas nas definições gráficas mais baixas. E consegue garantir isto, ao mesmo tempo que garante praticamente 12 horas de autonomia em tarefas de produtividade. Um valor que estando longe de ser recordista, é ainda assim muito bom, pois dá garantias de poder estar várias horas longe da tomada.

A Lenovo aposta depois em alguns extras para justificar a designação diferente (Aura Edition) e para criar diferenciação. Os Modos Inteligentes permitem ao utilizador escolher, de forma rápida, um perfil de utilização (modo proteção, atenção, bem-estar, entre outros), que consoante a seleção, automatiza algumas funcionalidades. No modo proteção, p.ex., o utilizador recebe um alerta quando alguém estiver atrás de si a olhar para o ecrã ou estabelece uma ligação automática a uma VPN. Já no modo atenção, é iniciado um período de tempo (30 min. p.ex.), no qual o utilizador deixa de receber notificações e o acesso a alguns sites é bloqueado temporariamente.

Já a aplicação Intel Unison permite ter o smartphone ligado ao computador, facilitando a gestão de fotografias, mensagens e notificações a partir do ‘grande ecrã’. Nenhuma destas apostas é propriamente revolucionária, mas admitimos que podem tornar-se úteis para vários utilizadores.

Ideal para : Utilizadores multitarefa. Ora precisam de fazer um relatório, ora analisam números no Excel, ora querem retocar uma foto

Tome Nota
Lenovo Yoga Slim 7i Aura Edition | €1699,02
lenovo.com/pt

Benchmarks PCMark 10 Extended: 7087 • Essenciais 10123 • Produtividade 9430 • Criação Conteúdo Digital 10025 • Jogos 7126 • 3DMark: Storage 2121 • Night Raid 33662 • Wild Life Extreme 7455 • Geekbench 6 Single/Multi 2670/11230 • Cinebench CPU Single/Multi 120/542 • Final Fantasy XV FHD: Standard 4683 • PCMark 10 Autonomia (Produt.) 11h47 min

Características Ecrã IPS 15,3”, 2880×1800 p, 120 Hz • Proc. Intel Core Ultra 7 258V (8 núcleos, 8 threads), GPU Intel Arc 140V, NPU Intel AI Boost (47 TOPS) • 2x 16 GB RAM LPDDR5X, 1 TB SSD (PCIe 4.0) • Wi-Fi 7, BT 5.4 • 1xUSB-A (3.2), 2xUSB-C (Thunderbolt 4, DP), 1xHDMI (2.1), áudio 3,5 mm • Webcam 1080 p + IR, 4 microfones, 4 altifalantes Dolby Atmos • Bateria: 70 Wh • 343,8×235,4×13,9 mm • 1,53 kg

Desempenho: 4
Características: 4
Qualidade/preço: 4

Global: 4

Asus Expertbook B9 OLED: Modo ninja

Os ninjas, esses guerreiros japoneses, continuam a fazer parte do nosso imaginário pela conjugação de discrição, agilidade e versatilidade. Pois estas são palavras que encaixam que nem uma luva no Expertbook B9 e explicamos porquê.

A característica mais evidente é a leveza deste portátil. Fica abaixo da barreira psicológica do quilograma, mas é preciso pegar nele para perceber de facto quão leve um computador pode ser. Isto é conseguido através da aposta numa liga de magnésio-lítio, que permite produzir uma máquina robusta, mas sem o ‘peso’ associado a materiais como o alumínio. Ao toque, admitimos que este material é um pouco áspero, mas parece-nos que o ganho conseguido é em larga medida superior ao facto de não termos um produto tão ‘suave’ como outros.

O sistema de dissipação funciona bem em evitar que um portátil tão fino sobreaqueça

É, por isso, um dispositivo indicado acima de tudo para aqueles que precisam de trabalhar em qualquer lado e necessitam de ter o computador sempre consigo. A cor escura traz-lhe uma sobriedade que apreciamos, mas existem alguns apontamentos visuais, como as linhas vincadas na base do computador, que lhe dão personalidade. Ágil e discreto, portanto.

Podemos continuar pela base e falar já do teclado: as teclas são muito leves e rápidas na resposta, o que faz com que este teclado seja um pouco barulhento para o que é habitual num portátil; no entanto, escrevemos sempre de forma confortável e veloz, pelo que nesse aspeto a aposta da Asus está bem implementada. Já o trackpad tem uma resposta física um pouco seca, mas tem a vantagem de integrar um teclado numérico digital, uma forma muito prática de incluir mais ‘teclas’ num portátil de dimensão reduzida (e que não percebemos como ainda não serviu de ‘inspiração’ a outras marcas).

Muita competência

Para um portátil cujo nome aponta para o peso da especialização, o desempenho não está, do ponto de vista dos benchmarks, entre os melhores deste teste. O que é preciso ter aqui em consideração acaba por ser o desempenho conseguido no ‘espaço’ disponível, que é reduzido (já tínhamos falado da leveza, mas a espessura reduzida também impressiona).

Diríamos que este é um portátil indicado para a maioria das tarefas de produtividade, mas não tem a ‘potência’ necessária para tarefas mais exigentes e muito menos para videojogos. No entanto, os 32 GB de RAM disponíveis ajudam a acomodar várias tarefas em simultâneo, sem que o peso das mesmas se faça sentir de forma significativa no desenrolar das atividades – por exemplo, se gosta de acumular separadores abertos no browser, este é um portátil que aguenta bem com esse ‘vício’.

A este respeito, de sublinhar que a autonomia é muito boa para o perfil de ultraportátil, mas que está longe do nível apresentado por outras máquinas aqui do teste como, p.ex., o Microsoft Surface.

Guardamos para o fim um dos melhores elementos, o ecrã. O painel OLED é de elevadíssima resolução, tem cores muito boas, contrastes excelentes e também atinge níveis de brilho suficientes para a maioria das utilizações.

Ideal para : Utilizadores em movimento. A portabilidade é imbatível, o ecrã é de elevada qualidade e a autonomia sólida

Tome Nota
Asus Expertbook B9 OLED B9403CVAR | €1769
asus.com/pt

Benchmarks PCMark 10 Extended: 4884 • Essenciais 9915 • Produtividade 7452 • Criação Conteúdo Digital 5940 • Jogos 3505 • 3DMark: Storage 1609 • Night Raid 13565 • Wild Life Extreme 2865 • Geekbench 6 Single/Multi 2547/9089 • Cinebench 2024 CPU Single/Multi 100/343 • Final Fantasy XV FHD: Standard 1982 • PCMark 10 Autonomia (Produt.) 8h30 min

Características Ecrã OLED 14”, 2880×1800 p, 90 Hz • Proc. Intel Core i7-1355U (10 núcleos, 12 threads), GPU Intel Iris Xe • 2x 16 GB RAM LPDDR5, 1 TB SSD (PCIe Gen 4) • Wi-Fi 6E, BT 5.2 • 1x USB-A (3.2), 2x USB-C (Thunderbolt 4), 1x HDMI (2.0b), áudio 3,5 mm, adaptador micro HDMI para RJ-45 • Videoconferência: webcam 1080p, 3x microfones, 2 altifalantes • Bateria: 66 Wh • 320x203x15 mm • 0,99 kg

Desempenho: 3,5
Características: 4
Qualidade/preço: 3

Global: 3,5

Microsoft Surface Laptop (7ª ger.): Um mimo de computador

Os computadores da Microsoft entraram numa nova etapa – estão equipados com processadores ARM e suportam localmente tarefas de Inteligência Artificial. Conceito que funciona particularmente bem na tipologia de máquinas que os Surface sempre ambicionaram ser: equipamentos multipropósito, de elevada mobilidade, sem abrir mão da qualidade em áreas como o multimédia ou a produtividade. Dos muitos portáteis que aqui testámos, este foi sem dúvida um dos que mais gostamos, pois tudo nele é um ‘miminho’.

O primeiro destes ‘miminhos’ é a qualidade de construção e, no global, o aspeto. Gostamos muito das linhas simples e do design ‘espalmado’ deste portátil, que quando fechado parece uma placa de metal de perfil industrial. A liga de alumínio reciclado, suave ao toque, torna-o muito agradável na mão. Assim que abrimos a tampa, que tem uma dobradiça com uma fluidez muito própria, somos brindados com mais dois miminhos: um no ecrã, outro no teclado.

Nota positiva para a webcam, que capta bons níveis de luz e os elementos com detalhe

Vamos primeiro ao menos esperado, o teclado – que experiência, caros leitores! As teclas têm o tamanho e o feedback certo. Conseguimos um teclar rápido, preciso, com boa resposta física, pelo que se este é um elemento importante para si, saiba que ficará muito bem servido. E vem acompanhado de um trackpad de tamanho generoso e com um ‘clique’ subtil, silencioso, mas que se sente (usa um sistema háptico), pelo que consideramos este ‘pacote’ muito completo.

Já o ecrã é de grande qualidade. Gostamos do nível de recorte excelente que os elementos apresentam, sejam vídeos ou imagens, fruto da elevada resolução num tamanho q.b. para tarefas de produtividade, assim como do muito bom nível de brilho. Já no capítulo das cores, este ecrã privilegia a saturação (por vezes em demasia), o que significa tons menos naturais, mas visualmente mais impactantes. Ainda relacionado com o ecrã, a amplitude do mesmo não é muito grande, mas tem a vantagem de ser sensível ao toque e de não ‘abanar’ demasiado quando o usamos com os dedos.

Competência focada

Do ponto de vista do desempenho, poderá perceber pelos resultados dos benchmarks que este não é o computador mais ‘veloz’ deste teste de grupo. Mas podemos dizer que o chip Snapdragon Elite de 12 núcleos dá-nos uma fluidez muito boa naquelas que são as principais tarefas que a maioria das pessoas faz em frente a um computador (desde as aplicações de produtividade, a edição de imagem, a visualização de vídeos, reuniões online…).

Tarefas que fomos fazendo sempre de forma célere, com uma abertura rápida de aplicações, troca entre apps e mesmo tendo várias apps abertas em simultâneo. Nos jogos, já se sabe, estas máquinas ARM não têm pujança (nem compatibilidade…) para essas andanças.

E quando estamos a puxar pela máquina ao máximo, o sistema de dissipação praticamente não se ouve. Como já referimos noutras análises, o grande ganho desta arquitetura está na autonomia – medimos quase 20 horas de utilização, um dos melhores valores deste teste em tarefas de produtividade.

Ideal para : Estudantes universitários. Pela portabilidade e autonomia muito boa. O ecrã e o teclado reforçam o apelo para quem passa horas no PC

Tome Nota
Microsoft Surface Laptop (7ª geração) | €1679
microsoft.com/pt

Benchmarks P​CMark 10 Applications: 14001 • Word 8565 • Excel 23871 • PowerPoint 14247 • Edge 13194 • 3DMark: Storage 2066 • Night Raid 26385 • Wild Life Extreme 6201 • Geekbench 6 Single/Multi 2717/12999 • Cinebench 2024 CPU Single/Multi 123/698 • Final Fantasy XV FHD: Standard 2492 • PCMark 10 Autonomia (Produt.) 19h52 min

Características Ecrã PixelSense Flow 13,8”, 2304×1536 p, 120 Hz • Proc. Snapdragon X Elite (12 núcleos), NPU (45 TOPS) • 16 GB RAM LPDDR5X, 512 GB SSD (PCIe Gen 4) • Wi-Fi 7, BT 5.4 • 2x USB-C (USB4, DP 1.4a), 1x USB-A (3.1), áudio 3,5 mm, porta Surface Connect • Webcam 1080 p, 2x microfones, altifalantes Omnisonic com Dolby Atmos • Bateria: 54 Wh • 301x220x17,5 mm • 1,34 kg

Desempenho: 4
Características: 4
Qualidade/preço: 4

Global: 4

Lenovo Thinkpad T14s G6: Passado e futuro

A Lenovo juntou, no mesmo portátil, o passado e o futuro. Passado, no sentido de usar um icónico Thinkpad, com direito a trackpoint no centro do teclado (e a um LED vermelho na tampa), que está equipado com um dos processadores Snapdragon Elite X (arquitetura ARM), que já suporta as funcionalidades de Inteligência Artificial do Windows 11. Mas mais do que uma fusão de ‘tempos’, esta é uma máquina para usar já, pois tem muitos argumentos a favor.

A começar pela autonomia incrível, superior a 22 horas de utilização contínua, o que prova mais uma vez a boa eficiência energética dos ARM comparada com a dos chips Intel. Apesar deste brilharete, não sentimos que do ponto de vista do desempenho a marca tenha aberto muito a mão, bem pelo contrário. Conseguimos executar as principais tarefas do dia a dia sempre de forma célere e os 32 GB de RAM permitem-nos acomodar várias tarefas em simultâneo (ou várias máquinas virtuais) sem que isso se traduza em qualquer sensação de lentidão.

A Lenovo joga também muito forte com o ecrã, um painel OLED de elevada qualidade, e que torna a visualização de diferentes tipologias de conteúdos um regalo, pela nitidez elevada, pelas cores e pelos contrastes de elevado nível. O teclado, que apesar de ser um elemento algo subjetivo, é na nossa opinião de grande qualidade, permitindo longos períodos de escrita de forma confortável.Em resumo, mais um portátil completo e que mostra o potencial dos computadores ARM associados ao sistema operativo Windows. O preço, no entanto, é menos competitivo.

Tome Nota
Lenovo Thinkpad T14s G6 | €1879,99

Benchmarks PCMark 10 Applications: 13788 • Word 8394 • Excel 23896 • PowerPoint 13618 • Edge 13296 • 3DMark: Storage 2968 • Night Raid 25897 • Wild Life Extreme 6590 • Geekbench 6 Single/Multi 2397/14546 • Cinebench 2024 CPU Single/Multi 107/768 • Final Fantasy XV FHD: Standard 2544 • PCMark 10 Autonomia (Office) 22h28 min

Características Ecrã OLED 14”, 2880×1800 p, 60 Hz • Proc. Qualcomm Snapdragon X Elite, GPU Adreno, NPU 45 TOPS • 32 GB RAM, 1 TB SSD • Wi-Fi 7, BT 5.3 • 2xUSB-A (3.2), 2xUSB-C (4.0, DP), 1xHDMI (2.1), áudio 3,5 mm, cartões SD • Bateria: 58 Wh • 313,6×219,4×16,9 mm • 1,24 kg

Desempenho: 4
Características: 4
Qualidade/preço: 3,5

Global: 3,8

Asus Vivobook 16 F1605VA: Financeiramente apelativo

Já aqui viu, caro leitor, portáteis muito mais apelativos – do ponto de vista estético, dos materiais usados, da performance conseguida – do que este modelo da Asus. Mas este tem o apelo que mais apela aos consumidores, o preço. E este modelo além de acessível, não abre mão da competência.

Por este valor, conseguimos mesmo assim uma construção simpática, ainda que não tão aprimorada. O ecrã, de boa dimensão (16”), tem uma nitidez competente, mas peca na reprodução das cores, pouco vivas e sem grande intensidade. O próprio brilho máximo é satisfatório, mas não impressiona. Isto porque a Asus parece ter preferido guardar os trunfos para as entranhas do computador. O processador Intel Core 7 de 13ª geração dá-nos uma performance muito positiva nas tarefas de produtividade, o que apoiado por 32 GB de memória RAM dá ao utilizador mais ‘arcaboiço’ para aguentar, por exemplo, várias aplicações abertas em simultâneo.

O grande calcanhar de Aquiles deste portátil é a autonomia – com menos de cinco horas de utilização contínua, vai querer ter uma tomada por perto ou gerir o brilho e a performance com mais atenção.

Mas há outros elementos que ajudam a compensar pela positiva: tem um leitor de impressões digitais, tem um bom número de ligações multimédia e o teclado, não sendo de topo, garante uma escrita confortável e com direito a teclado numérico dedicado. Em resumo, uma máquina competente, que não deslumbra, é certo, mas que serve para a esmagadora maioria das tarefas que as pessoas fazem em frente a um computador no dia a dia. E ainda poupa.

Tome Nota
Asus Vivobook 16 F1605VA | €799,99
asus.com/pt

Benchamarks PCMark 10 Extended: 5392 • Essenciais 10695 • Produtividade 7907 • Criação Conteúdo Digital 7165 • Jogos 3770 • 3DMark: Storage 2117 • Night Raid 15954 • Wild Life Extreme 3021 • Geekbench 6 Single/Multi 2569/9557 • Cinebench 2024 Single/Multi 105/644 • Final Fantasy XV FHD: Standard 1934 • PCMark 10 Autonomia (Produt.) 4h57 min

Características Ecrã 16”, 1920×1200 p, 60 Hz • Proc. Intel Core i7-13700H (14 núcleos, 20 threads), GPU Intel Iris Xe Graphics • 32 GB RAM DDR4, 512 GB SSD (PCIE Gen 3) • Wi-Fi 5, BT 5.1 • 1x USB-A (2.0), 2x USB-A (3.2), 1x USB-C (3.2, DP, PD), 1x HDMI (1.4), áudio 3,5 mm • Videoconferência: webcam HD 720 p, 1x microfone, 2 altifalantes SonicMaster • Bateria: 42 Wh • 358,6×249,5×19,9 mm • 1,88 kg

Desempenho: 3,5
Características: 4
Qualidade/preço: 4,5

Global: 4

Resultados por categoria

Aqui encontra os resultados do nosso ‘donut da verdade’, que ajudam a perceber de forma mais simples os pontos fortes e fracos de cada portátil.

Ingredientes 

  • 6 gemas 
  • 1 ovo 
  • Sumo de 1 laranja 
  • 13 g de manteiga 
  • 50 g de coco ralado 
  • Coco em lascas 
  • 250 g de açúcar 
  • Fisális 

Preparação 

  • O primeiro passo é pôr um tacho ao lume com açúcar para fazer uma calda. Vamos envolver o coco ralado nesta calda.  
  • Paralelamente, vamos misturar as seis gemas e um ovo com as varas de arame sem bater.  
  • Colocamos a calda de açúcar nas gemas lentamente para temperar. Depois envolvemos tudo e no final juntamos sumo de laranja.  
  • Pré-aquecemos o forno a 180 ºC. Untamos as formas com manteiga e polvilhamos com açúcar.  
  • Vertemos o preparado e levamos ao forno cerca de 20 a 30 minutos.  
  • O quindim está no ponto e pronto a servir. 

Dica de Chefe: Utilizei sumo de laranja neste quindim. Pode substituir por qualquer outro citrino ou até o maracujá. E, em vez do coco, pode usar frutos secos, ou juntar os dois. Experimente. 

O novo livro de Marlene Vieira, Cozinha de Chef 2 (Casa das Letras, 160 págs., €21,90), traz-nos receitas de todas as regiões de Portugal (continente e ilhas) e de países aos quais estamos ligados pela História. Alguns exemplos: arroz de polvo, bacalhau à Braga, pescada à poveira, lulas à algarvia, empada de perdiz e cogumelos, morcela com ananás e queijo de São Jorge ou, entre outras, moamba de pintada com funge. A chefe de cozinha tem três restaurantes, em Lisboa: o gastronómico Marlene, o gastrobar Zunzum e Marlene Vieira (no Time Out Market).

É uma notícia que quase deixou de ser notícia: o ano que agora terminou tornou a marcar a temperatura média da atmosfera mais alta desde que há registos. Já no ano anterior acontecera o mesmo, com 2023 a bater o máximo.

Mas, da mesma forma que uma andorinha não faz a primavera, um ano quente não prova, por si só e para lá de qualquer dúvida, o aquecimento global. Sim, 2024 é o ano mais quente, mas podia ser apenas uma anomalia – não fosse o caso de ser o episódio mais recente de uma longa série.

Em vão Guterres elegeu o clima como prioridade, mas tem sido impotente para impedir fracasso atrás de fracasso nas cimeiras do clima

Não é coincidência que os dez últimos anos sejam os dez mais quentes que se conhecem. Faz parte de uma tendência. A média entre 2015 e 2024 ficou 1,28°C acima da média 1850-1900 (que costuma ser referido como “período pré-industrial”), de acordo com os dados do C3S – Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas, da União Europeia. Os dez anos anteriores, 2005-2014, ficaram 0,92°C acima. Os dez antes disso, 1995-2004, 0,75°C. E os dez ainda anteriores, 1985-1994, 0,55°C.

Ou seja, se analisarmos e compararmos o aumento da temperatura média global da atmosfera nestes períodos de dez anos, temos uma subida de 0,2°C, depois de 0,17°C e, finalmente, uns extraordinários 0,36°C.

Esta evolução bate certo com as estimativas da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, a agência federal dos EUA que monitoriza as condições da atmosfera e dos oceanos), que, no seu relatório climático de 2023, conclui que está a haver uma aceleração significativa do aquecimento: o aumento da temperatura média por década desde 1850 é de 0,06°C, mas a partir de 1982 é de 0,2°C. Mais do triplo.

Claramente, o mundo não está a conseguir travar as alterações climáticas. E com Trump ao leme dos EUA, as coisas podem piorar ainda mais.

O colapso dos sumidouros de CO2

Além de ter sido o mais quente, 2024 teve ainda a particularidade de ser o primeiro ano a ultrapassar a meta ideal do Acordo de Paris, 1,5°C, e por uma margem considerável: o aumento ficou em 1,6°C. É uma marca apenas simbólica, uma vez que será necessário que a média ultrapasse este valor num período alargado de anos. Por exemplo, o El Niño ajudou a impulsionar a média de 2024, tal como já havia feito em 2023; no entanto, sem o efeito galopante das alterações climáticas, este fenómeno recorrente nunca conseguiria fazer subir tanto as temperaturas. Mas não deixa de funcionar como espelho do falhanço.

Esse falhanço é especialmente claro na concentração de dióxido de carbono na atmosfera, que também voltou a bater o recorde, com 425,4 ppm (partes por milhão – significa que, em cada milhão de moléculas na atmosfera, 425 são de dióxido de carbono). Este valor representa um aumento superior a 50% face ao período pré-industrial. O Met Office sublinha que esta subida meteórica é “incompatível” com a limitação do aquecimento a 1,5°C. “Limitar o aquecimento global a 1,5°C exigiria que o aumento do CO2 diminuísse, mas na realidade está a acontecer o contrário”, disse, à BBC, Richard Betts, do serviço meteorológico e climático do Reino Unido.

E agora? Os fogos de LA não foram suficientes para Trump recuar na intenção de retirar os EUA do Acordo de Paris

De 2023 para 2024, a concentração de dióxido de carbono subiu 3,6 ppm, quando, para manter os 1,5°C do Acordo de Paris à vista, não poderia ter subido mais de 1,8 ppm, pelos cálculos do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). Metade do que subiu efetivamente.

A culpa é, obviamente, da emissão de gases com efeito de estufa, decorrente da atividade humana. Todos os anos, emitimos cerca de 40 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono. Mas parece haver mais fatores a contribuírem para isso, numa espécie de tempestade perfeita. Um deles é a diminuição acentuada da capacidade de absorção e sequestro de dióxido de carbono por parte das florestas e dos matos. Uma investigação de 2023 concluiu que, nesse ano, o balanço entre a emissão e a absorção de CO2 das árvores, das plantas e do solo em geral foi praticamente nulo, devido aos incêndios, às secas e à desflorestação. Esse facto é notório na Amazónia, mas também no Ártico – devido aos incêndios e ao aquecimento (que tende a fazer libertar o metano guardado nos solos gelados), a tundra tornou-se um contribuinte líquido de gases com efeito de estufa. O degelo, por seu lado, faz reduzir o efeito albedo da superfície da Terra, o que leva a que menos radiação solar seja refletida; logo, mais o planeta aquece.

O último tiro em Paris

Do ponto de vista puramente técnico, só é “obrigatório” que as emissões de dióxido de carbono desçam em 2025. Segundo a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, “para limitar o aquecimento global a 1,5°C, prevê-se que as emissões de gases com efeito de estufa atinjam o pico antes de 2025, no máximo, e diminuam 43% até 2030”.

Portanto, se 2024 tiver representado o pico de emissões, ainda vamos a tempo, partindo do princípio de que, nos cinco anos que faltam até 2030, seremos capazes de cortar para quase metade as emissões (o que é um tanto fantasioso). As previsões, porém, não apontam para aí. O Met Office estima que, este ano, a subida vai ser menos acentuada do que no ano passado, mas, em termos absolutos, vai continuar a ser uma subida.

E a entrada de Donald Trump na Casa Branca é mais uma facada no já de si semimoribundo Acordo de Paris. Entre as dezenas de ordens executivas que assinou logo no primeiro dia, encontra-se a saída dos EUA do pacto que tenta limitar as emissões, a que se somam o fim dos apoios à compra de carros elétricos e as promessas de aumentar a extração de combustíveis fósseis.«

Um ano a ferro e fogo

Alguns dos dados climáticose meteorológicos mais relevantes de 2024

Europa
Batido o recorde de ano mais quente desde que há registos. No Sudeste de Espanha, níveis históricos de precipitação resultaram em cheias que mataram mais de 200 pessoas.

África
Ano mais quentedesde que há registos.

Ásia
Segundo ano mais quente.

Américas
Ano mais quente. Secas históricas na Amazónia e na Califórnia, que estiveram na base de incêndios catastróficos. O furacão Helene foi o mais mortífero nos EUA desde o Katrina, tendo provocado 219 mortes.

Antártida
Menor extensão máxima de gelo marinhoda História conhecida.

Ártico
Segundo ano mais quente e sétimo com menor quantidadede gelo marinho.

Há um equívoco generalizado quando tentamos analisar Trump do ponto de vista político. Esse conceito simplesmente não existe na sua cabeça. Quando manifesta interesse pela Gronelândia (3,7 vezes maior do que a Península Ibérica) ou pensa na Faixa de Gaza (do tamanho do Concelho de Sintra), fá-lo como empreiteiro ou mestre de obras. Que vastidões geladas belas e promissoras do território autónomo da Dinamarca, e as maravilhosas praias e potenciais campos de golfe em Gaza.

É verdade que Gaza tem dois milhões de habitantes, o que não complica os seus planos de edificação. Já encontrou uma solução: deportá-los para países árabes. Pressionou a Jordânia, o Egito e, com toda a certeza, os países ricos do Golfo. Para ele, a população não é um problema. Prova disso é que a Gronelândia só tem 56 mil almas. Dois milhões ou 56 mil é tudo igual. Nada de política, nem de questões humanitárias, muito menos estratégicas. Trump não pensa assim. É urgente abandonarmos essa métrica.

O diretor do Politico.com, que não se assume como democrata nem republicano, publicou na semana passada um editorial fora do vulgar: considera que Trump poderá ser um dos melhores presidentes dos Estados Unidos. E apresenta razões para isso. Afinal, quem mais suportaria duas tentativas de destituição, processos judiciais contínuos, uma sentença, uma derrota eleitoral em 2020 e ainda assim regressar, de forma majestosa e poderosa, à Casa Branca? – perguntava o editor americano.

Trump não é político. Muito menos estratega. Jamais filósofo. Não tem amigos nem os deseja. Trump é um empreendedor pragmático, que apenas avalia o terreno, a quantidade de cimento, e o valor a gerar ou gerado: daí o interesse pelo Canal do Panamá.

Portugal deve acautelar-se rapidamente. Temos as regiões autónomas dos Açores e da Madeira que, a qualquer momento, poderão constar da lista de compras ou anexações do presidente americano.

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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Um dos maiores especialistas na história do consumo de drogas no Ocidente, o autor britânico Mike Jay mostra um interesse incansável num tópico que tem suscitado debates apaixonados e viscerais ao longo dos tempos e que começa a ser abordado com a dignidade que merece. Estamos a falar de psicadélicos e do homem que dedicou boa parte da vida a decifrar os seus bastidores, com destaque para a cultura médica e a investigação da mente humana. Em Psiconautas: As Drogas e a Formação da Mente Moderna (Livros Zigurate, 392 págs., €24,20), os leitores podem encontrar histórias insólitas ligadas à experimentação autodidata de substâncias psicoativas e de que forma tiveram um papel crucial nos avanços científicos.

Na sua passagem por Lisboa, o investigador associado do Health Humanities Centre da University College London e curador da Bethlem Art and History Collection conversou com a VISÃO sobre as incursões realizadas aos quartos escuros da natureza humana e mostrou-se esperançoso no que diz respeito à forma como a sociedade civil e a comunidade científica estão a encarar o potencial dos psicadélicos, contribuindo para o fim do estigma e a emergência de um novo paradigma.

Como surgiu o interesse no estudo das drogas, sobre as quais escreve há tantos anos?
Nos anos 1990, quando emergiu a internet, era jornalista e dei-me conta da existência de grupos online que falavam sobre qual a experiência que se tinha com substâncias psicoativas e o que motivava o seu consumo, com uma abordagem bem distinta da que prevalecia nos média, que falavam do problema das drogas e das formas de combater a adição e o crime. Essa constatação motivou-me a ler obras escritas por quem fazia parte dessa comunidade, como Timothy Francis Leary (psicólogo, futurista e defensor das vantagens terapêuticas do LSD), Terence McKenna (etnobotânico e psiconauta) e outros. Decidi, então, que estava na altura de mudar o registo da conversa, pois apesar de as drogas fazerem parte da cultura dominante, isso não se refletia em tudo o que era escrito e divulgado, que se limitava a uma postura a favor ou contra.

O que descobriu ao longo destas décadas de investigação?
Interessei-me por curiosidades do ponto de vista histórico e antropológico. Uma das coisas interessantes que encontrei teve a ver com os relatos de experiências com drogas, por parte de Charles Baudelaire, Théophile Gautier e amigos. Vi que por trás destas histórias havia, quase sempre, alguém do universo científico ou médico. Foi o caso do psiquiatra Jacques-Joseph Moreau, que descobriu o haxixe quando trabalhava no Egito e decidiu divulgá-lo no meio artístico, nas reuniões do Clube dos Hashischins, no século XIX. Entretanto, as mudanças sociais e na cultura dos média permitiram que as drogas deixassem de ser um assunto marginal, como eram até então, e saíssem, aos poucos, do descrédito a que estavam votadas.

Pode dizer-se que era um fenómeno das elites ou nem por isso? 
Nos meus trabalhos de campo, conheci pessoas de vários níveis sociais. Porém, cumpre-me destacar figuras conhecidas como Havelock Ellis, que, sendo médico, psicólogo e crítico de arte, estava muito interessado no funcionamento da mente. Quando descobriu o peiote, ficou fascinado e escreveu dois artigos sobre o assunto. O primeiro, publicado na revista The Lancet, era sobre os efeitos do cato em termos médicos. Mais tarde, publicou uma longa crítica literária, descrevendo a experiência das visões que teve, de forma bela e detalhada, como se se tratasse de uma exposição de arte.

Verificamos que, ao longo da História, e praticamente em todas as culturas, era utilizado algum tipo de substância psicoativa. A universalidade do apelo pelas drogas leva-me a supor que o seu uso é prévio aos humanos

De que falamos quando falamos de psiconautas, termo popularizado na década em que o Homem foi à Lua?
A designação aparece numa obra de ficção alemã de Ernst Jünger, publicada nos anos 1940, em que os protagonistas investigavam o futuro e tomavam substâncias com o intuito de explorar novas partes do espaço mental. Décadas depois, o termo foi adotado por pessoas que não se consideravam meros consumidores de drogas e pretendiam ir mais além no que consideravam ser um caminho de descoberta pessoal. Por isso, recuperei a palavra e quis mostrar que muito do que hoje se entende como futurista aconteceu antes e merece um lugar na História. No século XIX já existiam psiconautas, que tomavam drogas a fim de estudar os seus efeitos e descrever a experiência. Isso era normal e fazia parte do quotidiano dos médicos e dos cientistas.

Os cientistas eram mais destemidos e românticos do que hoje, ao serem, eles próprios, cobaias?
Houve tempos em que faziam experiências arriscadas usando-se a si mesmos, mas hoje não precisam de o fazer por terem exames cerebrais, ressonâncias magnéticas e por aí fora. Fascinou-me particularmente o caso do químico Humphry Davy e a sua descoberta do óxido nitroso, por ser a primeira droga capaz de alterar a mente descoberta em laboratório. Ao inalar a substância, ele teve uma sensação de euforia e, à medida que continuava, gerindo o risco, teve uma espécie de revelação e descobriu uma nova dimensão da mente. Humphry Davy também era um poeta, à semelhança de outros cientistas e médicos. As pessoas falavam dele como um herói da ciência, que teve a coragem de fazer a experiência sozinho.

Os psicadélicos criam uma nova realidade ou ampliam aquela que temos, ou vemos? 
A perceção muda a realidade: ter uma alucinação ou uma experiência mística pode alterar a mente e, nessa medida, o comportamento. Se a consciência muda, o mesmo sucede com a experiência do mundo. William James, o “pai da psicologia”, dizia que toda a experiência é real por ser vivida. Ele mesmo utilizou o óxido nitroso no seu laboratório, em Harvard, onde era professor. O efeito estranho produzido também ocorria nos pacientes submetidos a anestesias dentárias e naqueles que, antes de uma cirurgia, recebiam éter e clorofórmio.

No livro menciona, até, um paciente que afirmou ao seu médico que Deus era uma substância. A revelação tem mais a ver com o fim da dor ou remete para novas experiências percetivas? 
Os efeitos da anestesia trouxeram consigo um paradoxo: enquanto o corpo era aberto e torturado numa mesa de operações, a mente podia estar numa dimensão diferente e, até, ter uma experiência celestial. William James achava que havia muitos tipos de consciência, cada uma revelando um mundo diferente. Não é viável eleger a realidade em que estamos agora como real em detrimento das outras, pois todas o são, cada uma à sua maneira.

Há risco de se perder nessas realidades, da mesma forma que se pode ficar viciado no mundo virtual, o ópio do século XXI?
Sim, podemos perder-nos online, em universos que nos pareçam, porventura, mais ricos e satisfatórios do que aquele em que estamos. Num artigo publicado na London Review of Books, abordei um tema do qual não se ouve falar muito, mas que existe: a ligação entre o uso de drogas e a guerra. Em cenários de conflito, os estados alterados de consciência induzidos pelo consumo de substâncias permitem gerir emoções e obter energia extra. É conhecido o valor do álcool para os soldados e os exércitos: criam-se laços, gera-se um sentimento de união e coragem para lutar e, no final, bebe-se para relaxar. Na II Guerra Mundial, com as anfetaminas, ficava-se acordado 48 horas para conduzir um tanque ou pilotar um avião. A economia da Síria deve muito à produção de captagon (anfetamina sintética conhecida por “cocaína dos pobres”), muito utilizada nas guerras no Médio Oriente e que também é usada com fins recreativos.

A que se deveu a abertura para estudar as potencialidades dos psicadélicos?
A noção de que existem múltiplas realidades e novas dimensões da natureza humana surgiu em pleno modernismo, entre o final do século XIX e o início do século XX. Por esta altura, começou a haver interesse pelos estados alterados de consciência, especialmente no meio artístico, mais disponível para abordar as suas experiências sob outros ângulos.

Em que medida é que o recurso a químicos, seja como escape ou via de expansão, é uma necessidade universal, ou quase?
Olhando o fenómeno numa perspetiva global, verifica-se que, ao longo da História, e praticamente em todas as culturas, era utilizado algum tipo de substância psicoativa, variando apenas a especificidade das práticas. A universalidade do apelo pelas drogas leva-me a supor que o seu uso é prévio aos humanos.

O consumo noutras espécies do reino animal?
Sim. Alguns ingerem substâncias psicoativas para se reproduzirem, outros consomem fruta fermentada – há bandos de aves migratórias que desviam o seu voo para locais onde a fruta apodrece – e gostam de se intoxicar com álcool. Outro exemplo conhecido é o dos felinos, que rebolam e alucinam quando ingerem catnip. Estudos que usaram sensores cerebrais para monitorizar o comportamento confirmaram que a erva-de-gato deixava os bichos num estado de loucura temporária. E há ainda os macacos e os símios que mascam plantas, ou que gostam de fumar cigarros quando estão em cativeiro. Portanto, é provável que estejamos programados para consumir drogas, seja como automedicação para alívio da dor, ou também talvez com a motivação de ter outras perceções.

Refere-se ao consumo para induzir experiências transcendentais?
Se olharmos para culturas indígenas, como as xamânicas e animistas, na América do Sul, as plantas psicadélicas funcionam como fármacos: após tomá-los, cria-se um envolvimento de outra ordem com a Natureza – uma pessoa torna-se o leopardo, a águia, o predador – e vê entidades não humanas, por norma, invisíveis, podendo falar com elas.

O que diferencia a era individual da era progressista, a que se refere no livro?
Há uma mudança óbvia, na década de 1890. Pensava-se que era o fim, ou a decadência, da civilização e, na viragem para o século XX, o mundo mudou, tornou-se futurista e tecnológico, o que trouxe a necessidade de ordem social. Na era progressista, ganharam destaque a saúde pública, a tecnocracia, as estatísticas, a demografia, as doenças crónicas. As autoridades criaram leis para controlar e restringir o acesso a bebidas alcoólicas e drogas a fim de controlar esses problemas de saúde. Nesse cenário, passou a ser muito mais difícil para um médico, ou um cientista, fazer autoexperimentação, por não querer estar associado a grupos “problemáticos” da população.

Porque é que os psicadélicos continuam a ser substâncias proibidas e classificadas como perigosas?
Essas categorias foram criadas nas décadas de 1960 e 1970, quando todas as substâncias psicoativas que não se destinavam ao uso médico se tornaram problemáticas e foram restringidas. No início, as drogas eram vistas como algo desconhecido, negativo e ilegal e havia uma propaganda negativa em torno delas. Porém, nos anos 1950, quando se começou a falar de psicadélicos, havia a ideia deliberada de os associar a fatores positivos, como experiências místicas e de autodescoberta, era uma propaganda positiva. Por isso, é preciso ter algum cuidado com os termos.

Em que sentido?
Quando o consumo de drogas começou a ser problemático, as pessoas queriam uma palavra para um tipo especial de experiência com as mesmas e chamaram-lhe psicadélicos, mas não há propriamente um consenso sobre o que são e o que não são.

O que pensa do uso médico, atendendo a que a Food and Drug Administration (FDA) bloqueou a aprovação do MDMA para uso médico e também da psilocibina, vulgo cogumelos mágicos?
É muito difícil generalizar, as pessoas têm experiências muito diferentes. A FDA diz que a sua missão é definir o que é um medicamento seguro e eficaz, que funciona da mesma forma para todos. Não consegue mostrar, por exemplo, que o MDMA entra no sistema, passa pelo cérebro e tem um certo efeito. E não é assim, a substância coloca a pessoa num estado diferente e ela trabalha com o terapeuta que a assiste, o que faz com que os medicamentos psicadélicos não sejam generalizáveis.

Várias figuras públicas partilham a sua experiência com psicadélicos. No livro refere Hunter Biden e Mike Tyson, mas há também o príncipe Harry, o jornalista Michael Pollan e o escritor Andrew Solomon. O que pensa disso?
No livro e no documentário (na Netflix), Michael é brilhante na forma como fornece dados sobre os efeitos subjetivos das substâncias, de uma forma que os cientistas não conseguem, indo ao encontro do que as pessoas querem saber: o que se sente, como é a experiência. O termo psicadélico cria espaço para uma nova ideia sobre o que as drogas podem fazer por nós: curar condições que outros fármacos não conseguem ou proporcionar experiências religiosas mesmo que não se tenha religião. Neste momento, têm uma aura de magia.

Da mesma forma que uns olham para as propriedades mágicas, outros receiam ir por aí, um pouco como quando se fala de antidepressivos…
Sim, algumas pessoas viram as suas vidas totalmente transformadas e outras concluíram que os antidepressivos foram terríveis para as suas vidas. Ambas as posições são válidas.

Podemos falar do renascimento das drogas sem o cunho pejorativo que tinham no século passado?
Sim. Nos anos 1960 vigorou essa ideia, mas era uma contracultura, uma oposição ao mainstream. Agora as pessoas querem saber o que a ciência diz. E diz que estas substâncias podem ser úteis no tratamento de problemas de saúde mental. Portanto, de certa forma, os psicadélicos e o discurso têm agora um estatuto de autoridade que não tinham antes.

Considera-se um psiconauta?
Não usaria essa palavra, psiconauta, para me descrever, é um pouco pretensioso. Todos somos experimentalistas: decidimos se gostamos de chá ou de café pela manhã, se queremos beber vinho à hora do almoço ou não, e o mesmo sucede com as drogas. Interessam-me as diferentes substâncias psicoativas e o ponto de equilíbrio que encontramos na relação com elas. Freud dizia que as drogas alargavam o nosso alcance mental e físico ao ponto de nos tornarem quase divinos, mas não passavam de próteses. A primeira delas foi o fogo, a outra foi a ciência e, com o arsenal que fomos desenvolvendo, não seríamos só macacos nus. Podemos encarar as drogas enquanto extensões nossas, mas elas não fazem parte de nós.

E como é consigo? 
Usando a analogia da escrita de viagens, é preciso fazê-las. Para mim tem sido importante experimentar as substâncias sobre as quais escrevo e fi-lo de forma mais sistemática do que a maioria das pessoas.

O que se segue, neste campo? 
Consumir uma droga é como viajar para um país estrangeiro: assim que começa, tem-se uma experiência direta e não se pode desligar o botão. Escrevo sobre este tema há tempo suficiente para saber que não é possível prever o futuro. Por exemplo, eu não podia adivinhar que a cetamina iria converter-se numa droga recreativa popular e, ao mesmo tempo, num medicamento psiquiátrico. Nesse sentido, acredito que a espécie humana vai manter o interesse na autoexperimentação.

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A depressão Herminia está a atravessar Portugal neste domingo, com vários avisos emitidos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) de situações meteorológicas de risco moderado a elevado (laranja) e de risco extremo (vermelho) a afetarem 12 distritos de Portugal continental.

Todas as regiões que apresentam casos de risco extremo devem-no à agitação marítima, que “será forte na costa ocidental”, pelo menos, até terça-feira, 28, com as ondas a poderem atingir os 14 metros de altura máxima. Os distritos de Aveiro, Braga, Coimbra, Porto e Viana do Castelo são os que se encontram sob aviso vermelho por causa das condições do mar, enquanto os de Beja, Faro, Leiria, Lisboa e Setúbal “estão” a laranja pelo mesmo motivo.

Já a chuva cairá de norte a sul nas próximas horas, mas a “precipitação persistente, por vezes forte”, far-se-á sentir com maior intensidade nos cinco distritos referidos e ainda em Viseu e Vila Real, neste último acompanhada de trovoada. Estes sete distritos estão sob aviso laranja para precipitação: Braga, Viana do Castelo e Vila Real entre as 15 horas e a meia-noite deste domingo, o Porto entre as 18 horas e as três da madrugada, Aveiro e Viseu entre as 21 horas e as três da madrugada e, por fim, Coimbra entre a meia-noite e as seis da manhã de segunda-feira.

Segundo o IPMA, há ainda previsão de queda de neve na Serra da Estrela, assim como “nas serras do extremo Norte” acima dos 600 a 800 metros de altitude, a partir de segunda-feira e até à manhã de terça.

Palavras-chave:

Viva, bom-dia  
“Fica uma sensação de… não me apetecer comer muito. Normalmente, numa dieta, estou sempre a pensar em comida. Este medicamento ajuda-me imenso porque não tenho sequer vontade de cozinhar – eu que adoro cozinhar!” O testemunho é de Marta Lino, uma das entrevistadas da Luísa Oliveira, em A revolução do peso (leia aqui), que hoje aqui destacamos nesta Arquivo VISÃO, newsletter através da qual recuperamos os melhores artigos publicados na VISÃO desde 1993.

Quando a reportagem saiu, na edição de 1 de setembro de 2023, a gestora de marketing Marta Lino tinha 38 anos. Os seus diabetes estavam altos e, por isso, o peso tinha que ser controlado. Na altura, Maria Barreto, outro dos casos incluídos na peça, tinha 53 anos e dizia: “Fiz de tudo, fui seguida por vários médicos, mas andei sempre em dietas ioiô. O meu maior erro sempre foi comer mal, saltar refeições e ser sedentária.” Agora, porém, os resultados de Maria Barreto estavam à vista. Escrevia a jornalista: “Com as injeções semanais, dois comprimidos de fluoxetina por dia para controlar a ansiedade, acompanhamento nutricional intensivo que a obrigou a cumprir com as refeições a horas e caminhadas diárias de seis a sete quilómetros, conseguiu perder 22 quilos em seis meses.” Situação semelhante viveu a advogada Filipa Cardoso que, em seis meses, perdeu 25 quilos. Baixou os valores do Índice de Massa Corporal (IMC), dos 33 para os 25. “Tirou-me o apetite. Havia dias em que não ingeria mais de 600 calorias porque não me apetecia comer. O mais intrigante é que me sentia bem e conseguia treinar na mesma”, conta.

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Uma nova investigação sobre os efeitos da água com gás no organismo sugere um aspeto positivo da sua ingestão. De acordo com o estudo realizado por uma equipa de cientistas da unidade hospitalar de neurocirurgia Tesseikai, no Japão, publicado recentemente na revista científica BMJ Nutrition Prevention & Health, a água com gás pode ser uma aliada para quem procura perder peso, uma vez que ajuda a diminuir os níveis de glicose (açúcar) no sangue e estimula o metabolismo.

O autor principal do estudo, Akira Takahashi, e a sua equipa observaram a ingestão e a absorção de água gaseificada no organismo e verificaram que esta é semelhante ao processo de hemodiálise, em que o sangue é filtrado pelos rins para remover resíduos e excesso de água, daqui resultando o aumento dos níveis de dióxido de carbono presentes no sangue. Segundo os investigadores, o aumento dos níveis de CO2 na corrente sanguínea provoca a diminuição dos níveis de glicose no sangue e promove, por conseguinte, a perda de peso.

O mesmo processo parece ocorrer com a ingestão de água com gás, uma vez que o dióxido de carbono, ao ser absorvido pelo estômago durante a digestão, é transformado em bicarbonato – um composto químico alcalino -, o que leva ao aumento do metabolismo e ajuda a acelerar a absorção da glicose,

De acordo com os investigadores, estas transformações ocorrem, no entanto, em concentrações mínimas, pelo que o exercício físico e uma alimentação saudável continuam a ser as melhores práticas para a perda de peso. “Dada esta redução mínima da glicose, o impacto do CO2 na água gaseificada não é uma solução única para a perda de peso. Uma dieta equilibrada e a atividade física regular continuam a ser cruciais para uma gestão saudável do peso”, explicou Takahash.

Os investigadores deixaram ainda alguns avisos sobre os efeitos negativos da ingestão de água com gás, especialmente para pessoas com estômagos mais sensíveis. De acordo com o estudo, quando ingerido em excesso, este líquido gaseificado pode ter consequências como o “inchaço, gases e, em alguns casos, a exacerbação de certos sintomas associados a perturbações digestivas, como a síndrome do intestino irritável ou a doença do refluxo gastroesofágico”, lê-se. “A moderação é a chave para evitar o desconforto e, ao mesmo tempo, aproveitar os possíveis benefícios metabólicos da água gaseificada”, concluiu o investigador, sublinhando que são “necessários mais estudos para explorar os efeitos a longo prazo e potenciais efeitos secundários”.

Não será certamente só pela necessária tradução para o inglês que partilhamos, apesar de virmos de outros universos culturais. Han Kang fala pausadamente, como se escolhesse, precisa e delicadamente, cada palavra. Antes de responder a uma pergunta, hesita, toma o seu tempo para depois afirmar o seu universo único, a sua atenção à grande e à pequena escala, ao feio e ao belo, ao mal e ao bem, e sobretudo às ligações entre todos os aspetos do mundo natural e humano. Características, aliás, que têm feito a fortuna da sua obra, já distinguida com os mais diversos e importantes prémios literários, incluindo, no ano passado, o Nobel da Literatura, o primeiro atribuído a um escritor do seu país.

Nascida em 1970, em Gwangju, Han Kang descobriu a vocação literária, na leitura e na escrita, muito cedo. Estreou-se no final dos anos 90 do século passado, com poesia, e tem publicado sobretudo romances (ver caixa). Em alguns, como no mais recente, Despedidas Impossíveis, regressa a acontecimentos históricos, massacres e tragédias que durante muitos anos foram tabu na sociedade sul-coreana. Um empenhamento cívico que passa sobretudo pela atenção às pessoas comuns, às suas fragilidades, mas também às suas enormes capacidades de resistência e de amar.

Feita por videochamada, em fusos horários muito diferentes (o de Lisboa e o de Seul), esta é uma das raras entrevistas que a escritora tem concedido. Neste momento, procura, sobretudo, o anonimato e conseguir voltar à sua rotina de escrita.

Dezembro de 2024 Em Estocolmo, na cerimónia de entrega do Nobel da Literatura. “Tocou-me muito”, diz Han Kang Foto: Pontus Lundahl/ LUSA

Já sentiu o efeito do Prémio Nobel? Alguns premiados dizem que, se não se toma cuidado, a vida não volta a ser como era…
E é verdade… [risos] Já sinto os efeitos, a começar pela minha caixa de email, que não para de acumular emails não lidos. É esmagador [risos]. Mas aos poucos vou tentando encontrar a melhor forma de lidar com os novos desafios. Porque um escritor precisa de um certo anonimato, de poder dar um passeio sem ser reconhecido, tudo coisas que não posso fazer neste momento. Tenho aprendido a esconder-me bastante bem [risos].

E já voltou a escrever?
Sim. Depois da cerimónia de receção do prémio, em dezembro passado, tenho tentado regressar à minha rotina, escrever e fazer exercício, sem deixar que o prémio me afete. Receber o Nobel foi uma enorme alegria, um grande privilégio. Tocou-me muito. Mas ainda só tenho 54 anos. Se tudo correr bem, tenho muita vida e escrita pela frente. Assim o espero.

É o primeiro Prémio Nobel de Literatura da Coreia do Sul, uma das poucas mulheres distinguidas, uma das mais novas. Tudo isto teve um impacto e uma importância ainda maiores?
Totalmente. Fui completamente apanhada de surpresa, o que me comoveu ainda mais. Como qualquer escritor ou leitor, acompanhava os vencedores. Não na esperança de um dia vir a ganhar [risos], mas porque o distinguido podia ser um autor de que gostasse muito, e noutras vezes só porque me possibilitava descobrir um novo escritor. Nestes casos, sempre que possível, tentei comprar e ler os seus livros. Ao receber a notícia de que tinha sido a escolhida no ano passado, só pude ficar muito contente e extremamente honrada por fazer parte de tudo isto.

Ao receber o telefonema da Academia Sueca recordou o longo percurso até esta consagração, a descoberta e confirmação da sua vocação?
Nem por isso. E se me passou pela cabeça foi um pensamento muito rápido, pois essa decisão foi muito simples [risos]. Decidi que queria ser escritora aos 14 anos. Na adolescência, só queria escrever poemas e contos, mais tarde romances. Não escrevia esperando qualquer resultado ou efeito nas pessoas. Só queria escrever.

A escrita parece ser uma tradição familiar…
É verdade. O meu pai é um escritor muito prolífico e os meus irmãos também publicaram romances e contos, mas hoje fazem-no menos. O mais velho é editor e o mais novo dirige um bar de música ao vivo.

Cresceu, portanto, numa casa com muitos livros.
Sim, sim. E sinto que tive muita sorte em ter crescido numa casa com muitos livros. Só ler os títulos nas lombadas era já era uma alegria. Gostava muito de ir às livrarias e percorrer a secção de poesia, porque cada título era por si só uma descoberta, um mundo. Lembro-me de ser muito pequena e de passar muito tempo a olhar para os títulos, a apreciar a sua beleza e a antecipar o que poderia encontrar dentro do livro. Era uma relação um pouco solitária, mas que recordo com muito prazer.

Também consegue recordar o que a levou a tomar a decisão de se tornar escritora tão cedo?
Era já esta relação com os livros. Mas, sim, consigo recordar um momento específico. Estava a ler um conto de um escritor, não me lembro agora o nome, que falava sobre mentiras profundas, neve, noite… Passava-se numa estação de comboios, com várias pessoas à espera. Algumas tossiam porque fazia muito frio, outras falavam com alguém, enquanto uma ou outra permanecia em silêncio. A certa altura, entra um homem solitário que acrescenta novos troncos na lareira que aquece a sala.

Ainda há muitas feridas por sarar no meu país. Durante muito tempo, alguns aconteci-mentos do nosso passado eram tabu

O que a tocou nessa história?
Não foi propriamente a história. Mas as sensações. Enquanto estava a ler, conseguia sentir as chamas a arder com mais força por causa da nova lenha, a neve lá fora, o calor e o frio, o ambiente todo. Por causa da magia da escrita, que me mantinha cativa, eu conseguia estar lá e sentir tudo. Foi aí que disse a mim mesma: eu quero fazer isto. Quero conseguir passar estas sensações, chegar ao leitor dessa maneira.

A sua obra tem sido destacada pela capacidade de cruzar tradições culturais muito diferentes, a começar pela sua, claro, mas convocando as de muitos outros universos literários. Concorda com esta leitura?
Sim, embora não tenha sido uma decisão, vem do meu gosto por ler e descobrir novos autores. Adoro a literatura coreana, que estudei na universidade, mas li muitas traduções disponíveis em coreano. Sempre me interessou muito encontrar novas formas de entender o romance, de trabalhar a sua estrutura. É incrível ver todas as tentativas e abordagens, tão diferentes, que têm sido ensaiadas ao correr dos tempos. É uma dimensão que me fascina muito. E nessa atenção à forma e à estrutura do romance tento não me repetir. Quando começo um novo romance quero descobrir uma forma que seja nova para mim, também porque não me quero aborrecer e sentir que estou a repetir uma fórmula.

Referia-me também aos géneros literários, à conjugação de fantasia, história de fantasmas, realismo, lirismo…
Por vezes, sim, quero escrever sobre o sobrenatural. Noutras quero ser mais realista ou feroz. Também depende do livro.

Estou a pensar, por exemplo, em A Vegetariana, o romance que a deu a conhecer um pouco por todo o mundo. Quem o começa a ler não espera um final tão radical…
Nesse caso, a minha vontade era ter uma protagonista que não falasse e levar o leitor a ter de imaginar a sua perspetiva. E a ter de sentir o que pode sentir uma pessoa que quer transformar-se numa planta ou que acredita mesmo que se transformou numa. Cheguei a escrever um conto com estas ideias em que a dimensão fantástica ou sobrenatural ainda era mais radical, o que não fiz no romance. Mas isto são ideias que surgem naturalmente, a partir das personagens ou dos temas que elas trazem.

O Prémio Nobel tornou-a uma escritora lida em todo o mundo. Isso mudará a sua escrita ou acredita que, como dizia Tolstoi, para se ser universal é preciso começar por se pintar a nossa aldeia?
Nunca tive nenhuma agenda ou plano para a minha escrita. Só quero escrever histórias e poemas. Mas se há alguma coisa em que acredito é que se mergulharmos na nossa interioridade conseguimos ligar-nos a qualquer pessoa. Somos todos ser humanos, feitos da mesma matéria. Partilhamos as mesmas questões universais sobre a nossa existência. Estamos todos na mesma busca.

Acaba de sair em Portugal o seu romance mais recente, Despedidas Impossíveis. O passado, na Coreia da Sul, ainda é um fantasma, uma ferida aberta?
Sim. Ainda há muitas feridas por sarar no meu país. Durante muito tempo, alguns acontecimentos do nosso passado eram tabu, não se falava deles. Um era o massacre com que lido em Despedidas Impossíveis, ocorrido na ilha de Jeju em 1948/49.

Quando ouviu falar pela primeira vez desses massacres?
Apenas quando entrei na Universidade de Yonsei. Foi uma situação muito diferente em relação aos massacres de Gwangju, que abordei em Atos Humanos.

Passagem por Portugal Em 2017, a escritora coreana esteve presente na Feira do Livro do Porto Foto: Lucília Monteiro

Por esses terem ocorrido na sua cidade natal?
Exatamente. Era impossível não saber, mesmo sendo muito pequena na altura e de a censura da ditadura militar impor um silêncio sobre o assunto. Na verdade, os massacres de Gwangju só foram reconhecidos em 1997, já em democracia. Mas já na altura se falava em surdina, havia fotografias e documentos que circulavam. Esse conhecimento, e a aproximação dos 30 anos de luto dos massacres de Gwangju tornou obrigatório falar-se do assunto. No meu caso, através de um romance.

A literatura tem um papel privilegiado no confronto com o passado?
Acredito que sim. O passado nunca passa. As memórias, pessoais ou coletivas, têm a sua força própria. Não é possível oprimi-las constantemente. A verdade está sempre a regressar e acaba por vencer. E literatura é, ao mesmo tempo, recordação e imaginação. Imaginar o passado, o presente e o futuro; imaginar inúmeras perspetivas pessoais e, por isso, únicas. É essa a sua força.

Mais do que julgar o passado, interessa-lhe imaginar como foi vivê-lo?
Sim, sim. Nos grandes acontecimentos históricos, o que me interessa são as pessoas comuns, as suas experiências e vidas interiores. Antes de começar a escrever sobre estes assuntos, procuro recolher o maior número de testemunhos possível de pessoas comuns. E a partir desses fragmentos começo a criar uma imagem, para mim, do que aconteceu e de como o que aconteceu foi vivido. Só depois é que posso ler as monografias académicas e os estudos que explicam as motivações dos grandes protagonistas e a evolução dos acontecimentos. Ao focar-me em primeiro lugar nas experiências comuns consigo entrar na sua intimidade, nos seus pensamentos e sentimentos, e estabelecer uma ligação mais verdadeira por se basear em pessoas e não em generalizações.

Essa ligação mais verdadeira tocará também mais o leitor?
Ainda antes do leitor, eu também sou tocada de uma forma mais verdadeira e forte pelas pessoas que estiveram nestes acontecimentos, pelo próprio tempo em que eles decorreram, a sua especificidade, e pelo espaço, a sua geografia. É como se pudesse vivenciar o que lá se passou e emprestar-lhe as minhas sensações e emoções, a minha carne e os meus olhos a essas pessoas – emprestar, no fundo, a minha voz. É, como disse, uma ligação mais verdadeira e pura, uma forma mais sincera de me aproximar do passado.

Quando percebeu que tinha de escrever sobre os massacres da ilha de Jeju?
Na verdade, não estava à espera de voltar a escrever sobre massacres. Atos Humanos foi um confronto com as minhas memórias mais fundas e com todas as questões que, desde a minha juventude, estavam por responder e resolver.

Que questões tinha na altura?
Sobre a natureza humana, a sua sublimidade e capacidade de se erguer contra a violência; e, ao mesmo tempo, haver pessoas que perpetravam a violência. Tinha de resolver esse conflito. Durante a escrita de Atos Humanos e após a sua publicação fui assaltada por pesadelos. Senti dor. E ouvi e senti que leitores também sentiram essa dor em conjunto. Foi muito estranho para mim. Estávamos ligados por essa dor. Queria, por isso, aprofundar a causa dessa dor.

A que conclusão chegou?
Sentimos dor porque amamos, porque confiamos nas pessoas, porque fomos traídos na nossa fé nos seres humanos. O amor é a causa da nossa dor, mas a dor também é a prova do nosso amor. Estes eram os meus pensamentos depois da publicação de Atos Humanos. Foi nessa altura que surgiu o sonho com que abro Despedidas Impossíveis: milhares de troncos negros que emergem da terra. E uma maré que sobe rapidamente. Senti que este podia ser o começo de um novo romance, embora não estivesse claro qual seria o seu desenvolvimento. Tenho várias versões no meu computador do seguimento dessa imagem inicial. Mas aos poucos percebi que os troncos de madeira eram uma metáfora para corpos insepultos. E, sem grande planeamento, cheguei aos massacres da ilha de Jeju.

Nos grandes acontecimentos históricos, o que me interessa são as pessoas comuns, as suas experiências e vidas interiores

Mais uma tragédia dentro do contexto da Guerra Fria. E esta bem paradoxal, na medida em que as lutas que estavam a ser travadas na península coreana foram replicadas numa pequena ilha…
Sim, esta aniquilação por causa das ideologias é muito trágica. E acredita-se que morreram mais de 30 mil pessoas, incluindo crianças, mulheres e idosos.

Esses acontecimentos do passado ainda marcam hoje os desenvolvimentos políticos na Coreia do Sul?
Num certo sentido, a Guerra Fria ainda continua na Coreia, continuamos um país dividido, consigo sentir as feridas e o ódio que permanecem. Porque se fala muito, ainda, da linha que separa as duas Coreias, mas durante a Guerra da Coreia essa linha existia em todas as cidades e aldeias.

Recentemente, o mundo foi surpreendido com a tentativa de declaração unilateral da lei marcial pelo Presidente da Coreia do Sul, entretanto deposto…
Foi um momento muito difícil… Em dezembro, fiquei chocada com essa imposição da lei marcial durante algumas horas. E, ao mesmo tempo, comovida pelas pessoas que foram até ao Parlamento, bloquearam os veículos militares, lutaram e juntaram as mãos. A persistência das pessoas comuns foi extraordinária, sobretudo num contexto difícil, durante o qual tentei sempre manter a esperança.

Um contexto difícil até para se perceber o que aconteceu em concreto, quais as motivações?
Também. Não tem sido fácil ler a situação porque ela está a mudar muito rapidamente, todos os dias há novidades, interpretações, movimentações… Mas pode dizer-se que ainda há muita nostalgia em relação à ditadura militar e alguma vontade de que ela regresse. Mas, felizmente, há muito mais pessoas contra essa memória deturpada do passado, a denunciar os seus crimes e a defender a liberdade.

Regressando ao romance, ao perceber que podia escrever sobre os massacres de Jeju, chegou a visitar a ilha?
Várias vezes, a partir de 2018. E senti o clima de Jeju, aprendi o dialeto da ilha e consegui aproximar-me das emoções das pessoas que aí viviam, que tinham familiares ligados aos massacres e que ainda sofriam. Foi uma ligação à história que ali se passou, e aos poucos apercebi-me de que este novo romance podia aproximar-se dos massacres de Jeju e talvez, quem sabe, de todos os massacres do mundo ou através dos tempos. Porque estamos todos ligados. Os massacres são, tragicamente, universais. Queria perceber quanto amor nos pode fazer humanos, afirmando que a prova de que somos humanos é a nossa força, a nossa vontade de amar, nunca dizer adeus.

Em que sentido? No pior do mal há também lugar ao maior dos bens?
Se pensar em qualquer tempo ou espaço em que um genocídio aconteceu, há sempre quem decide não se despedir. Depois das guerras e dos massacres, o amor continua. E é sobre essas pessoas que quero escrever. Quero escrever sobre a brutalidade, o ódio, mas também sobre as pequenas coisas, um floco de neve, uma pena, uma sombra, uma chama ou uma vela que nos guia. Quero escrever sobre o mal, mas também sobre coisas leves e acolhedoras.

Essa é, de facto, uma dimensão muito forte neste novo romance e na sua escrita. Só um certo lirismo, uma atenção às pequenas coisas e pormenores, pode contrabalançar a dimensão do mal de um massacre?
O que me acompanhou durante a escrita do romance foi a ideia de ligação, entre personagens – a Kyungha, a Inseon e a sua mãe –, mas também entre os vários tempos e geografias do livro. É por isso que está sempre a nevar, desde a primeira frase: “Uma neve esparsa caía.” E esta neve cai e liga os vivos e os mortos, o céu e a terra, talvez também o silêncio e as memórias. Integra também o fluxo do mundo, que a todos nos liga, pois a água que banha Lisboa pode, num futuro mais ou menos próximo, acabar num floco de neve na Coreia. A ideia de ligação é a corrente elétrica do romance. Como seres vivos, estamos constantemente a experimentar a energia da vida, precisamente como uma corrente elétrica. Daí que diga tantas vezes que este é um livro sobre o amor com dois tipos de movimentos.

Quais?
Na primeira parte, há um movimento horizontal, com as personagens a percorrerem várias partes da Coreia do Sul até chegarem à ilha de Jeju. E depois, na segunda, há um movimento vertical, mergulhando nas profundezas da condição humana para conseguir, no fim, acender a chama da esperança e uma vela que nos guie, como contraponto à violência.

Procura, na sua escrita, valorizar a relação entre Homem e Natureza?
Sim. O facto de ter corpos é importante. Porque os corpos são frágeis e suaves e quentes. Não devíamos esquecer isso. Talvez a literatura queira descrever estas coisas, a nossa fragilidade e o que nos aquece.

Em muitos dos seus livros há personagens que têm muitas coincidências biográficas consigo. Um jogo literário?
É uma forma de fazer a ponte entre a realidade e a ficção. Porque eu estou neste mundo, eu sou real.

Entre o mal e o sublime

Os cinco romances de Han Kang já traduzidos para português, desde 2016. Aqui estão as linhas de força de uma escritora ao mesmo tempo lírica e brutal, histórica e pessoal

Despedidas Impossíveis
É inevitável ler na escrita de Han Kang um forte cunho político. Ele afirma-se no resgate ao esquecimento, trazendo para o debate público momentos que marcam a história da Coreia do Sul nas últimas décadas. Mas o gesto mais político será, mesmo, o de centrar esses romances em pessoas comuns, mais até no interior das pessoas comuns, nas suas emoções e vivências, nas suas forças e fraquezas. Han Kang descreve o mal (neste caso, o que se viveu na ilha de Jeju, em 1948 e 1949, nos alvores da Guerra Fria) para o denunciar, claro, mas também para evidenciar o seu contrário: a resistência, o amor, a sua fé no ser humano. E isso tanto pode estar nos atos das pessoas que sofreram e sobreviveram aos massacres como em duas amigas (as protagonistas) que acalentam projetos artísticos que evocam a memória desse sofrimento.
Dom Quixote, 192 págs., €16,60

O Livro Branco
A mais autobiográfica de todas as obras de Han Kang e um dos títulos com uma estrutura mais singular. É uma meditação sobre o luto, pensado a partir do que poderia ter sido a vida da sua irmã mais velha, caso ela tivesse sobrevivido ao parto (morreu com duas horas de vida). O branco, aqui, simboliza essa fragilidade, a delicadeza, mas também as coisas mais simples. E é com um catálogo de coisas simples, todas brancas, que esta reflexão começa.
Dom Quixote, 152 págs., €14,90

Atos Humanos
Um confronto com uma das memórias mais marcantes e mais fundas da juventude de Han Kang: o massacre de Gwangju, a sua cidade natal. Em 1980, a ditadura militar continuava a impor a sua brutalidade, reprimindo qualquer contestação. Nesses anos, os estudantes lutavam contra o fecho de universidades e por mais direitos. A repressão, em Gwangju, foi tão forte quanto abafada, e o romance regressa à violência, à dor, mas também à resistência.
D. Quixote, 232 págs., €16,60

Lições de Grego
Um louvor da linguagem como elemento de ligação entre as pessoas, as culturas, as vidas que se reconstroem a cada momento. É, também, a linguagem que promove o encontro e a união, mesmo de polos opostos. Neste romance, um professor de Grego está a perder a visão e uma aluna sua está a perder a voz. Sentem-se os dois limitados mas também ligados pela capacidade de encontrarem novas formas de expressão.
Dom Quixote, 200 págs., €15,50

A Vegetariana
Distinguido com o Man Booker International Prize (para melhor tradução publicada no Reino Unido), este foi o romance que deu projeção mundial a Han Kang, permitindo não só muitas traduções, como a revelação de um universo estranho, neste caso visceral e inesperado. Tem como protagonista uma mulher que decide tornar-se vegetariana depois de um sonho que a atormentou. A sua decisão e, sobretudo, a sua progressiva identificação com o mundo vegetal separam-na e aproximam-na do mundo de uma forma radical.
Dom Quixote, 192 págs., €16,60

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