Todos conhecemos aqueles pitorescos concursos da vida rural que premeiam os agricultores que conseguem apresentar a maior abóbora da região. Trata-se de uma competição replicada também na pecuária, com o boi mais impressionante e até com animais domésticos.
Se essas coisas se compreendem pela dinâmica da vida secular, tendo em conta a promoção do setor agropecuário e a sociedade competitiva em que vivemos, a verdade é que verificar no meio religioso situações miméticas é estranho, no mínimo.
A prática religiosa quando institucionalizada pode dar origem a alguns tipos de práticas questionáveis. Desde logo quando implicam algum marketing. Os exemplos históricos abundam. Tempos houve em que não se podia construir um templo católico sem que à partida existisse alguma relíquia. O objetivo seria permitir o culto às relíquias, ou seja, a veneração do corpo de santos falecidos ou mártires, de modo a fidelizar desde logo um público que traria as suas ofertas e, portanto, receitas em caixa.
Daí resultou o abuso das falsas relíquias, a tal ponto de alguém dizer que, se todos os pedaços da cruz de Cristo fossem alinhados em linha reta, poderiam estender-se desde a Terra até à lua.
Mas também algumas festas religiosas do calendário litúrgico são organizadas com pompa e circunstância, a fim de atrair uma massa de fiéis que pode ajudar a alavancar não apenas a economia local, mas ainda as finanças da respetiva paróquia ou diocese.
Acresce que, muitas vezes, estes eventos se inserem numa lógica de competição bairrista entre comunidades vizinhas, envolvendo assim tanto o campo religioso como a comunidade humana local.
Aliás, este espírito de competição não se verifica apenas no contexto católico mas também noutras correntes religiosas. Lembro-me de, numa das minhas primeiras visitas aos Estados Unidos, há muitos anos, passar por uma pequena localidade do interior do Illinois em dia de venda de garagem com fins sociais, realizada por uma igreja protestante. Convidado a visitar o interior do templo foi-me dito pelo meu simpático cicerone que, lamentavelmente, a rosácea maior e mais bonita com o seu belo vitral ficava localizada sobre a porta principal do templo, logo, nas costas dos fiéis, o que era uma pena. Achei estranho que a motivação dos fiéis durante o serviço religioso fosse observarem a beleza daquele vitral, em vez de estarem concentrados na celebração em si.
Mas o mais lamentável é que nalgumas regiões do mundo, como a América Latina, se assista hoje a uma competição feroz entre grupos religiosos do campo evangélico, com recurso a toda a espécie de expedientes, no sentido de promoverem programas apenas com o fito de atrair pessoas, normalmente a partir de uma leitura das suas necessidades, conferindo assim um sentido muito vivo à expressão “mercado religioso”, utilizada pelos investigadores em ciência das religiões.
Nesse sentido vale tudo, desde o uso de simbologia do judaísmo, pagamento de caches a cantores gospel, e serviços religiosos estereotipados e apresentados como panaceia para resolver problemas específicos das pessoas, em especial na área financeira, relacional ou de saúde. E para agravar e amplificar ainda mais este fenómeno contribuem generosamente as redes sociais.
No fundo estamos a falar de uma espécie de concurso de abóboras, a ver quem tem a maior e mais bela, quando a fé cristã se define não pelo tamanho mas pela eficácia e utilização. Isto é, pelo grão de mostarda, que tem cerca de dois milímetros de tamanho e foi objeto de uma das parábolas de Jesus Cristo: “O reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele, semeou no seu campo. O qual é, realmente, a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos” (Mateus 13:31,32).
Precisam-se menos abóboras e mais grãos de mostarda.
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