Nos anos noventa Ricardo Mariano, sociólogo da USP, gizou o termo neopentecostalismo, a nosso ver de forma infeliz por diversas razões. Daí para cá o dito segmento religioso neopentecostal complexificou-se de tal modo que duvido que o mesmo Mariano o nomeasse hoje de forma idêntica.
Note-se que boa parte das referidas confissões religiosas surgiram como resultado de dissidência a partir de igrejas pentecostais anteriormente estabelecidas, por recurso à “tríade cura, exorcismo e prosperidade” como bem identifica Magali Cunha, que tem estudado o fenómeno. Depois ainda há lugar para nichos do mercado religioso como “as chamadas tribos evangélicas, movimentos underground, movimentos de juventude, movimentos de população LGBT das igrejas inclusivas”, entre outros.
A verdade é que de pentecostal o neopentecostalismo tem muito pouco ou nada, pelo que a classificação não conjuga com a identificação. Não se trata de novas igrejas pentecostais, mas sim de um segmento religioso novo, de matriz sincrética, bem ao estilo brasileiro.
De facto, os grupos neopentecostais são estranhos ao pentecostalismo clássico, tanto na doutrina e na praxis como na liturgia, tanto no discurso como no estilo de liderança, para já não falar da transparência e ética pessoal. Mas os grupos neopentecostais nem sequer se podem considerar evangélicos, apesar da falta de rigor analítico da comunicação social e mesmo do meio religioso. As igrejas evangélicas têm bases de fé comuns, apesar da diversidade histórica e diversidade nas marcas distintivas entre elas, e que não se conjugam com os princípios doutrinários do neopentecostalismo.
Note-se que em Portugal os neopentecostais nunca foram aceites como membros da Aliança Evangélica Portuguesa (AEP), e bem. Por essa razão o grupo neopentecostal mais antigo, a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, atraiu grupos idênticos de menor dimensão e chegou a fundar uma federação de igrejas, uma espécie de alternativa que concorresse com a AEP, mas o projecto era artificial demais e por isso morreu.
Os neopentecostais nem sequer se podem classificar como herdeiros da Reforma protestante, por razões idênticas, ou até mesmo identificar como cristãos, quando misturam cristianismo, espiritismo e ocultismo. Basta ouvir a sua propaganda. Como afirma o especialista em Ciências da Religião Sílvio Murilo M. de Azevedo, “já estamos atravessando a linha que separa o Cristianismo do que já não é cristão.”
Mas de onde vem então a confusão? Por um lado parte de inúmeros grupos de tradição pentecostal que se deixaram iludir pelo aparente sucesso do neopentecostalismo, começando a imitar o seu discurso e práticas.
E quanto à confusão semântica? Creio ser responsabilidade inicial do teólogo americano Peter Wagner que gizou a teoria das Três Ondas do pentecostalismo, mais tarde redefinida pelo professor Paul Freston. A primeira seria o chamado pentecostalismo histórico dos inícios do século passado, a segunda onda seria a das igrejas denominadas carismáticas e as pentecostais surgidas por volta de meados do século, com pequenas nuances doutrinárias relativamente às confissões da primeira, e a terceira onda era então a dos grupos neopentecostais.
Como investigador rejeito qualquer teoria que identifique este fenómeno religioso com o ramo pentecostal do cristianismo, por abusivo. Trata-se dum fenómeno estruturalmente diferenciado, fluido e em constante reformulação, pelo que sublinho o pensamento de Magali Cunha quando afirma que o termo neopentecostal é cada vez mais inadequado pela confusão que provoca: “a categoria neopentecostal já não serve como categoria explicativa, em primeiro lugar, por causa da diversidade do mundo evangélico a partir dos anos 2000. Em segundo lugar, pelo termo ser usado de forma incorreta, associando neopentecostal ao ultraconservadorismo, ao fundamentalismo.”
Com efeito, e ainda segundo a jornalista e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião, “o termo neopentecostal passou a ser usado como sinônimo dos grupos evangélicos conservadores nas pautas da moralidade sexual, dos ataques às esquerdas, aos movimentos feminista, LGBT e às comunidades tradicionais. E, como consequência, todas as igrejas desses novos pentecostalismos acabaram recebendo esse mesmo rótulo.”
Entretanto, e devido à complexidade dinâmica do fenómeno, os investigadores do campo religioso vão ensaiando novas classificações tipológicas.
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