O líder parlamentar do PS, Carlos César, anunciou que vai votar a favor da constituição da Comissão de Inquérito promovida pelo CDS, para apurar as responsabilidades políticas, no âmbito do caso do assalto ao paiol de Tancos. Elogia-se o fair play e a colaboração dos socialistas para o apuramento da verdade, mas não se percebem os àpartes de César: “Esta iniciativa inscreve-se na estratégia do CDS de denegrir o Estado”. Ou seja, o PS colabora com o CDS nessa “conspiração” contra o Estado. É isso? A seguir, afirma que o CDS continua a contribuir, a propósito de Tancos, “para o desprestígio das Forças Armadas”. Percebe-se a intenção: sendo o CDS um partido supostamente institucionalista, cioso das funções de soberania, amigo das causas de Segurança e de Defesa, tal propósito colocaria em causa, perante os militares e os eleitores mais conservadores, o partido de Assunção Cristas. O problema é que, quanto mais sabemos sobre Tancos, mais teremos de concluir que as Forças Armadas, para se desprestigiarem, não precisam do CDS para nada.
Esta quinta-feira, o Expresso divulgou a notícia de que o ex-porta-voz da PJM, o major Vasco Brasão, entretanto detido em prisão domiciliária, afirmou, durante o interrogatório de que foi alvo, que o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, foi informado, a posteriori, sobre a operação de encobrimento que permitiu a devolução das armas roubadas. Um conluio envolvendo a PJM, um elemento da GNR de Loulé e o presumível ladrão, que negociou a entrega, para se livrar de sarilhos, assustado com as proporções que o caso tinha atingido. Operação que foi escondida aos detentores do inquérito, a Polícia Judiciária, tudo num quadro de rivalidade, desinteligências e pequenas humilhações entre investigadores militares e civis.
Confrontado pelo Expresso, e depois, pelos jornalistas presentes em Bruxelas, onde Azeredo se deslocara, para uma reunião da NATO, o ministro negou veementemente qualquer conhecimento dos factos. Depois disso, o primeiro-ministro, António Costa, reiterou a confiança no seu ministro. Ao mesmo tempo, o advogado de Vasco Brazão, Ricardo Sá Fernandes, fazia a ameaça velada de que podia pedir a quebra do segredo de Justiça para, se necessário, “defender a honra” do seu cliente, que se encontra em casa, com as naturais e jurídicas limitações para falar. A honra, aqui, significará o quê? Reiterar que sim, é verdade que o ministro sabia? Ou negar que Brasão tenha prestado tais declarações no interrogatório? Inclinamo-nos pela primeira hipótese. Se fosse para desmentir o Expresso, Sá Fernandes tê-lo-ia feito.
A posição do ministro, que já era instável desde a ocorrência dos factos, há mais de um ano, pode tornar-se, agora, insustentável. O eventual conhecimento da operação de encobrimento, sem que tivesse atuado imediatamente, torná-lo-ia um cúmplice e não suscitaria, apenas, responsabilidades políticas mas, eventualmente, responsabilidades criminais.
O caso parece fácil de ser deslindado. Vasco Brasão terá sido muito específico: segundo o depoimento citado pelo Expresso, foi elaborado um memorando sobre a operação e esse memorando foi entregue, em mãos, ao chefe de gabinete do ministro. Neste ponto, é imperioso que as autoridades tenham, agora, de interrogar o chefe de gabinete e lhe façam três perguntas que poupam as habituais horas intermináveis de interrogatórios: primeiro, se é verdade, sim ou não, que recebeu esse memorando. Segundo, se dele deu conhecimento ao ministro. Terceiro, onde está o documento, para que se possa ler o que vem lá escrito – coisa que também pode ser pedida aos autores do papel.
Suponhamos, agora, que o memorando existe, mas que o chefe de gabinete não deu dele conhecimento a Azeredo Lopes e que este não está a mentir. Nas declarações em Bruxelas, o ministro deixou escapar uma frase que, tendo passado despercebida, pode revelar muita coisa: “Não posso falar pelo meu chefe de gabinete…”. Pois. Mas, nesta eventualidade, de nada adiantaria sacudir, para baixo, a água do capote. Mesmo assim, a posição de Azeredo Lopes continuaria insustentável. Significaria que ele não controlaria a informação nem os dossiês que chegam ao seu gabinete. Para mais, em assuntos desta importância. A responsabilidade continuaria a ser sua.
Se todos estes graves factos se confirmarem, Marcelo Rebelo de Sousa vai sentir-se como o marido enganado. O Presidente da República exigiu, reiteradamente, explicações sobre Tancos. Se um ministro do Governo lhe tivesse escondido este tipo de informação, a relação institucional entre Presidente e Governo sofreria um abalo telúrico. Por muito menos, mandou Marcelo chamar Mário Centeno a Belém, quando desconfiou que o ministro das Finanças lhe tinha mentido, a propósito do compromisso com o ex-Presidente da Caixa Geral de Depósitos na questão da entrega da declaração de rendimentos ao Tribunal Constituicional.
É verdade que, do ponto de vista constitucional, um Presidente não pode demitir um ministro. Mas nenhum ministro continua, contra a vontade de um Presidente, como bem ficou provado quando, na sequência do escândalo da Prevenção Rodoviária, o então ministro Armando Vara teve de pedir a demissão, depois de o então Presidente Jorge Sampaio o ter exigido ao primeiro-ministro, António Guterres… Ora, este caso pode ser pior.