A palavra principal é a mesma em quase todos os títulos de primeira página: “choque”. Nalguns casos, ela surge em letras garrafais, noutros aparece de uma forma mais discreta, mas sempre como forma de qualificar aquilo que os autores destas capas consideraram inesperado e surpreendente, mas também revoltante e humilhante. É um “choque”, gritam, em uníssono, o conservador “Le Figaro” e o comunista “L’Humanité”.
No entanto, olhemos bem para estas primeiras páginas: há 13 anos a separá-las, mas são rigorosamente iguais na sua estupefação perante os resultados eleitorais alcançados por alguém com o apelido Le Pen: o pai Jean-Marie, nas presidenciais de 2002, e a filha Marine, como líder da Frente Nacional, nas regionais de 6 de dezembro de 2015. Como é possível que ainda se continue a falar em choque, treze anos depois daquele primeiro… choque?
Em 2002, o “choque” era de uso apropriado, tendo em conta o cenário previsto: Jacques Chirac, acossado por acusações de corrupção e abandonado por vários dos seus antigos aliados, parecia uma presa fácil, na inevitável segunda volta, para o candidato socialista, o então primeiro-ministro Leonel Jospin. Mas aconteceu o imprevisto. Os eleitores de esquerda dispersaram os votos por uma mão cheia de candidatos e Jospin foi ultrapassado por Le Pen, por cerca de 190 mil votos. O “choque” foi enterrado três semanas (e muitas manifestações de rua) depois, numa segunda volta em que Chirac conseguiu a reeleição com 82% dos votos – um resultado quase digno da Coreia do Norte.
Treze anos depois, o “choque” estava, no entanto, mais do que anunciado. Nas eleições europeias de 2014, a Frente Nacional já tinha sido o partido mais votado pelos franceses, com quase 25% dos votos, melhorando substancialmente os 18% alcançados por Marine Le Pen, nas presidenciais de 2012, quando ficou em terceiro lugar na primeira volta (com um resultado superior ao do pai, em 2002). Só um distraído podia declarar-se, assim, surpreendido por a Frente Nacional ter chegado, agora, aos 28% na primeira volta das eleições regionais, reafirmando-se como maior partido francês. Não era preciso acompanhar ao pormenor as sondagens de opinião para o perceber. Bastava ver como, nos últimos treze anos, nem a França nem o resto da Europa fizeram o mínimo que fosse para estancar o crescimento de um partido que representa tudo o que é contrário aos valores porque a França é reconhecida e admirada. Pior ainda: na maior parte dos casos continuou-se a combater a filha Marine exatamente da mesma maneira como se combateu, durante anos, o pai Jean-Marie, repetindo manifestações e uma retórica quase decalcada dos tempos da Frente Popular. Sem se perceber que os tempos tinham mudado e que a própria Frente Nacional também tinha suavizado o seu discurso – embora sem perder a sua identidade xenófoba, anti-europeia, anti-imigrantes.
É isso que explica, por exemplo, que a maioria dos jovens entre os 18 e os 24 anos tenham votado de forma expressiva na Frente Nacional. E que os candidatos da família Le Pen consigam alguns dos seus melhores resultados nas grandes zonas industriais de França, que antigamente eram dominadas pelos comunistas. E esses dois fenómenos não são de agora: têm aumentado de ano para ano, de eleição para eleição.
Claro que todo este “choque” pode ser suavizado no dia 13, quando se realizar a segunda volta das eleições. O chamado voto útil contra a Frente Nacional pode unir os partidos tradicionais e impedir a sua vitória em algumas regiões. E, se isso suceder, é bem provável que os jornais franceses saiam para a rua, no dia seguinte, a titular que «a República foi salva”. Mas será, infelizmente, apenas um episódio sem consequências. Dentro de 17 meses, a França entrará de novo em “choque”: com o resultado que Marine Le Pen vai alcançar na primeira volta das eleições presidenciais (abril/maio de 2017). Como se fosse a primeira vez e ninguém tivesse sido avisado…