Faz hoje uma semana que o País assistiu ao mais duro e veemente discurso de um presidente da República em funções em relação a um primeiro-ministro, depois deste ter recusado demitir o seu ministro João Galamba, ignorando a vontade explicita do chefe de estado. Um confronto institucional grave, mas para Mafalda Anjos, “adaptando a música de Jorge Palma que António Costa já citou em tempos, ‘enquanto houver estrada pra andar, eles vão continuar'”.
“Os dois são mestres da teatralidade que a política por vezes obriga e sabem cumprir os seus papéis institucionais. Parecem agora um casal desavindo, depois de uma zanga grave, que é obrigado, por necessidade, a viver na mesma casa. E disto saem todos a perder“, diz a diretora da VISÃO no programa de análise política e ecpnómcia da VISÃO, Olho Vivo.
“Marcelo não conseguiu ver afastado o ministro João Galamba, “mas reduziu-o a pó, publicamente. Sente-se, agora, muito mais livre para deixar de ‘dar colo’ ao Governo”, entende Filipe Luís. Para o editor executivo da VISÃO, esta foi uma oportunidade que o PM não desperdiçou: “António Costa não segurou o ministro Galamba por ser o João Galamba, nem pelos seus bonitos olhos, nem pelas suas elogiadas competências. Se o ministro fosse um saco de batatas, Costa fazia a mesma coisa. Galamba foi o pretexto para dar um sinal de liderança, no seu ‘balneário’ do Governo, e para se emancipar do Presidente da República.”
“Na forma como fazemos as contas à pequena tática política, Costa provavelmente ganhou este round, ao expor o bluff do Presidente. Mas ambos ficam pior e os portugueses também”, aponta o jornalista Nuno Aguiar. “No meio desta conversa sobre mestres da estratégia e conspirações palacianas – que os dois alimentam – nem o primeiro-ministro nem o Presidente da República tiveram o melhor interesse do País em conta. O PM ao manter João Galamba como ministro, quando já não tem condições. O PR que, se achava que a demissão de João Galamba era o melhor para o país, não devia ter colocado aquela notícia no Expresso [que dizia que Belém queria a demissão] nem andar a falar dia sim dia não da dissolução da Assembleia da República. O Governo está a desfazer-se e o Presidente terá de deixar de falar da dissolução da AR sob pena de se tornar ridículo.”
Para Mafalda Anjos, “Marcelo Rebelo de Sousa tentará aguentar até ao limite sem que a sua imagem saia comprometida. Não pode ser cúmplice de um caos. Tem de gerir a pressão, aguentar a erosão institucional e este desconchavo governamental, até ao limite da sua viabilidade. E sobretudo, até ao limite da sua própria popularidade”.
“Em certo sentido, muitas coisas ficam na mesma. Mas muitas outras não voltam ao que eram. O caso da nota da Presidência sobre a integração dos professores mostra como a relação entre Belém e São Bento já mudou. Ela é preocupante porque, em vez de manter o contacto nos bastidores, ela assume que o Presidente tem poderes legislativos. Agora que Marcelo perdeu a arma de ameaçar com a dissolução pode começar a utilizar mais estas táticas”, antecipa Nuno Aguiar.
Filipe Luís concorda. “Os comentários de Marcelo a propósito do diploma que promulgou, relacionado com os professores, indicam o que pode começar a acontecer. O PR colocou-se ao lado dos docentes e não me admiraria nada que, um dia destes, recebesse os sindicatos, em Belém… Mas não acredito que haja dissolução, nem depois das europeias. As europeias são uma grande sondagem, mas é frequente os governos perderem-nas mesmo que, a seguir, ganhem legislativas. O Governo tem condições para cumprir a legislatura, mas acredito que haverá uma grande remodelação, nos próximos meses, quando Costa decidir e não quando está pressionado.”
Outro tema em análise neste Olho Vivo foi a intervenção do SIS na entrega do computador do ex-assessor do Ministério das Infraestruturas, Frederico Pinheiro. O Conselho de Fiscalização das secretas reiterou a legalidade da atuação dos serviços, alegando que este atuou dentro da legalidade porque agiu numa lógica de prevenção de riscos e não de prevenção de um crime.
“É importante perceber a lei. Estando explicitamente vedadas ao SIS competências policiais, havendo um crime ou indícios de crime, este não pode atuar. E sendo assim, há incongruência das versões, porque Galamba falou em ‘furto’, Costa falou em ‘roubo’, e o SIS entende que nada disto se verificou. Ora, o entendimento de ex-diretores do SIS com quem falei é divergente: um defende que a atuação é lícita, outro que não é, porque o indício do crime de furto do computador é o pressuposto necessário e lógico do pedido, caso contrário não faria sentido esta preocupação com o computador”, explica Mafalda Anjos.
Para Filipe Luís, “o computador foi recuperado ‘à portuguesa'”. “O SIS foi ali dar um jeitinho: ‘Nós telefonamos ao homem, estejam descansados que a gente recupera o computador’. O que se passou foi uma informalidade muito perigosa, quando envolve coisas tão sensíveis como os serviços de segurança…”, afirma.
“Não desafiando a interpretação legal do Conselho de Fiscalização do SIRP, ela não é convincente”, sublinha Nuno Aguiar. “Todos nós intuímos que o SIS não agiu de forma proporcional naquela situação. Um computador devolvido na rua por um assessor que não tinha sido oficialmente exonerado. Para um campo político que normalmente se preocupa com a ingerência destes órgãos, esperava menos leveza na abordagem a este assunto.”
“É legítimo, até segundo a forma de entrega do computador que a VISÃO relatou, que este cidadão se tenha sentido intimidado e coagido pelo SIS. E isto, tendo em conta o quadro legal e constitucional português, é inadmissível”, diz Mafalda Anjos. Filipe Luís concorda. “É muito estranho que o Conselho de Fiscalização do SIRP tenha concluído que não houve qualquer anomalia na atuação do SIS, sem ter falado com o principal envolvido – o ex-adjunto de João Galamba – ou sem ter investigado a linha dada pela sua versão. Ora, o agente do SIS que telefonou a Frederico Pinheiro disse coisas como ‘vamos lá resolver isto a bem, senão, é mais complicado’. Isto é intimidatório.”
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