No rescaldo das eleições, a questão migratória ganha uma maior importância e levanta questões muito mais preocupantes.
Escrevi algures no devido tempo que se tinha perdido uma oportunidade única para construir uma política de imigração estruturada, humana e adaptada aos tempos que vivemos. Aliei-me assim, como tantos outros, à opinião de António Vitorino, quando afirmou que a criação da AIMA tinha corrido mal. O artigo com o título Quem Torto Nasce mereceu de imediato grandes críticas dos que consideram que, à semelhança do Papa, também as posições dos líderes partidários estão imbuídas do dogma da infabilidade.
Não estão e a coisa correu mal, sim!
Note-se que não foi a separação da parte policial da documental que foi feita sem critério. Essa foi devidamente enquadrada, sobretudo no que à segurança disse respeito.
O que andou aos trancos e barrancos foi a parte documental com uma estrutura que levou longos meses a tomar forma. Meses durante os quais nem sequer havia consenso em torno do nome do novo organismo. Ora todos nós sabemos, mesmo não sendo linguistas, que o signo define o significante.
Criou-se assim uma espécie de elefante branco que agora dificilmente se tirará da sala sem deitar fora o bebé com a água do banho. À mercê destes ventos cruzados ficam as vidas dos que nos procuram com o claro objetivo de aqui estabelecerem as suas vidas e aqui poderem criar um futuro para si e para os seus.
Depois do dia 18 de maio, o medo entre estes cidadãos aumentou na idêntica proporção do seu desespero. O que os espera? Um mergulho na “clandestinidade” ficando nas garras de máfias de tráfico e exploração? O retorno a países em guerra militar ou climática, onde a sobrevivência e o futuro são incertos?
Não é verdade que a maioria, ou até mesmo a grande parte dos imigrantes no nosso país, não tencionam integrar-se, regularizar-se ou trabalhar. Se assim fosse não haveria tanta gente a procurar conseguir um cartão que lhes confira a dignidade de cidadania num país estrangeiro.
A deportação por razões meramente documentais é um erro e sobretudo uma desumanidade.
Nos últimos dias surgiu a notícia de emigrantes portugueses nos EUA que preparam o seu retorno por falta de obtenção do Green Card, que corresponde às nossas Autorizações de Residência. Uma dessas pessoas relatava a sua situação de permanência há doze anos, a trabalhar e a pagar os seus impostos certamente, com filhos na escola, que temiam a deportação e não se sentiam livres.
Diz o povo que será sempre soberano, mas altamente manipulável. Lá dizia o ditador que para manter um povo submisso havia que o manter ignorante. Agora é mantê-lo alimentado com notícias falsas, que nas costas dos outros vemos as nossas.
Esta é a situação de centenas de emigrantes portugueses em diversos países. Esta é a situação de centenas de imigrantes no nosso país.
Com a chegada ao limiar do poder de um partido declaradamente contra a imigração , resta aos países da outrora chamada Aliança Democrática estabelecer um pacto de regime para a imigração que favoreça os corredores legais, colocando em prática sustentada o projeto do Visto Verde e protegendo os que aqui estão e aqui contribuem, fazendo uma fina análise dos indeferimentos proferidos .
É que alguns são vítimas dum sistema burocrático quer do seu país de origem quer de Portugal.
Sem falsos paternalismos nem tão pouco ingenuidade, há que aceitar que nestas vagas existe gente de todo o tipo, melhor ou pior intencionada. Como há nas nossas ruas, nos nossos prédios.
As centenas de hindustânicos que aqui se encontram e que nos levam a comida a casa, que fazem as colheitas dos produtos agrícolas, que dinamizam a nossa pesca e que aqui estão há 3 ou 4 anos indocumentados, foram apanhadas numa mudança que, embora necessária não deixa de levantar questões práticas.
Portugal tem apenas uma embaixada na região que concentra a República Indiana, o Bangladesh e o Nepal e dois consulados: Nova Deli e Goa.
Até há bem pouco tempo, o Registo Criminal destes cidadãos, sobretudo dos indianos, podia ser duma única região da Índia. Posteriormente chegou-se à conclusão que tal não era suficiente e passou a exigir-se um Registo Criminal da globalidade do país de origem. Os que vieram há mais tempo tinham apenas consigo o que lhes era na altura pedido e, muito embora não tivessem retornado ao seu país, o documento que têm já não é mais suficiente.
A obtenção deste documento na Embaixada da Índia em Lisboa está neste momento a demorar entre 60 e 90 dias. Nada que se compadeça com os 10 dias que são o limite temporal da Lei em sede de audiência prévia.
Será esta uma razão para deportação? Famílias com filhos na escola, gente que trabalha, que contribui para as nossas reformas, gente como nós…
Neste momento de incerteza, o País, o Mundo e a humanidade devem estar acima das ideologias e dos partidos.
Esperemos que, no final do dia, seja o bom senso a vencer.
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