Quando algo se parte dificilmente conseguimos colar todo e cada pedacinho por forma a recriar o objeto. Há quem, com muito jeito, prática e sobretudo tempo e paciência, consiga mais ou menos fazê-lo. Mas a forma inicial nunca mais voltará a ser a mesma.
Conheci alguém que pegava em todos os cacos que podia e com eles criava novas formas, telas artísticas, tampos de mesa, o que fosse dando assim uma segunda vida aos pedaços que soltos eram apenas lixo.
O que assistimos hoje um pouco pelo mundo inteiro, sem que Portugal seja exceção, é que a política e a sociedade estão irremediavelmente partidas. Nada pode recuperar a forma anterior e o que para uns é uma calamidade, para outros pode ser encarada como a possibilidade, quem sabe única, de transformar o que havia em algo totalmente novo.
A eleição do novo inquilino da Casa Branca parece ter agradado apenas aos americanos. Mas em bom rigor não são eles quem tem que decidir da sua democracia e da forma como querem que o seu país seja governado? Seria absurdo imaginarmos alguém fora de Portugal tecer considerações sobre a eleição presidencial ou o resultado das autárquicas.
Claro que a presidência norte-americana com toda a influência quer em matéria de política externa quer no que diz respeito à economia mundial muito para além dos limites físicos dos EUA.
A eleição do novo inquilino da Casa Branca parece ter agradado apenas aos americanos. Mas em bom rigor não são eles quem tem que decidir da sua democracia e da forma como querem que o seu país seja governado? Seria absurdo imaginarmos alguém fora de Portugal tecer considerações sobre a eleição presidencial ou o resultado das autárquicas
E é também evidente que a política é, hoje em dia, a tal borboleta que, ao mover as asas, provoca um tsunami do outro lado do mundo. Ou, como diria alguém bem mais prosaico, isto anda tudo ligado.
O maior e mais cínico dos paradoxos atuais é o facto de assistirmos a conflitos fomentados ou pelo menos alimentados na sua maioria por forças externas, que provocam enormes vagas de pessoas deslocadas e continuar a ser discutida a todos os níveis e em todos os quadrantes políticos mundiais o direito à migração.
O novo, mas já não principiante, inquilino da Sala Oval, ficará para sempre ligado ao famoso muro entre o México e os EUA. Não é um bom cartão de visita, tanto mais que não corresponde completamente à verdade. Quer o seu antecessor quer Biden têm responsabilidades tanto na construção quer nas políticas restritivas que levam à desumana separação de famílias, num claro e violento ataque aos Direitos Humanos.
No entanto o Sr. Trump consegue ir sempre mais longe, presenteando-nos com a sua megalomania ao nomear “czares” para as áreas consideradas chave, entre elas a imigração.
Para além do controle de fronteiras, o processo de deportação teve já inicio com operações de fiscalização em diversos locais, em busca de imigrantes em situação irregular. Pouco importa se existem filhos nascidos nos EUA e que nunca puseram pé nos países de origem de seus pais! A deportação é para levar à letra e teme-se que o exemplo se estenda a outros países, com ênfase especial aos já conhecidos na União Europeia.
Este cenário e outros que se anteveem não tranquiliza ninguém e muito menos a Europa, relativamente ao resultado da eleição da passada semana e às políticas que daí surgirão.
As movimentações ofensivas quer de Israel quer da Rússia demonstram claramente um sentimento de quase euforia e de real respaldo perante a eleição norte-americana.
O mesmo acontece em relação à economia externa, ameaçada com tarifas aduaneiras brutais, o que levou já a uma contração da indústria automóvel alemã, grande sustentáculo da economia da União.
A ameaça/promessa relativamente ao apoio à NATO pode desencadear o fim do sistema de segurança em que a UE se tem apoiado até ao momento.
Ou seja, muito embora a soberania dos EUA e a sua democracia não possa nem deva ser posta em causa, o certo é que ela é, efetivamente, a borboleta que ameaça escaqueirar todo o equilíbrio europeu.
A questão que se coloca é o que fazer com os cacos que daí resultarão.
Os mais otimistas dirão que esta é a oportunidade e o momento para uma maior autonomia europeia em áreas tão importantes como a defesa e segurança permitindo uma maior relevância na política externa.
Outros, como eu, consideram que a não existência de estadistas europeus, ou até mesmo nacionais, levará a uma profunda crise identitária europeia, que pode ter como resultado o recrudescimento dos nacionalismos baseados em políticas de supremacia do “nós” em detrimento dos “outros”.
Seja qual for a solução, tal como a faiança que cai, nada será como dantes. Não será possível reconstruir o prato, a terrina ou a figurinha.
Restam pois duas soluções: ou lhes aplicámos os velhinhos “gatos” que mais não são que grandes agrafos que desfeiam e apenas remedeiam ou criamos um outro objeto.
Uma nova União Europeia.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.