Quer os documentos internacionais, quer a sua adaptação a nível local, quer mesmo as políticas nacionais estão de acordo que o combate aos crimes associados à imigração bem como a sua gestão adequada, só é possível com políticas de migração regular.
Assim dito e escrito, a resolução reveste-se de uma lógica inabalável, quase de puro bom senso. No entanto a regularização dos fluxos migratórios está longe de ser tarefa fácil.
A operacionalização e a obtenção dos vistos é feita nas representações consulares dos diferentes países espalhadas pelo mundo. Ora, de imediato nos deparamos com o primeiro obstáculo que está intimamente relacionado com o propósito primordial da existência destas representações. A diplomacia dos países nasceu primeiro com o fim de prevenir conflitos e, logo depois, com o objetivo de promover o comércio numa primeira fase e seguidamente a economia no seu todo.
Questões como a promoção da cultura e da língua só apareceram muito depois e, ainda mais tarde, a proteção de nacionais fora do seu país natal.
Que me perdoem os especialistas em diplomacia da forma um tanto ou quanto simplista como traço este perfil histórico. Com ele pretendo apenas chegar à conclusão que a imigração neste contexto é algo bastante recente e para a qual as representações não estavam motivadas.
O investimento nas redes consulares não acompanhou as necessidades dum mundo em movimento. Embora tenha alargado a sua missão à problemática da imigração, não alargou a sua representação nos países com maiores fluxos migratórios nem tão pouco a dotou de pessoal especializado os seus quadros
O século XX, porém, alterou este estado de coisas, desde logo com o fluxo de refugiados resultantes das duas Grandes Guerras Mundiais, seguido dos movimentos de descolonização, da guerra dos Balcãs, da implosão da URSS e consequente queda do Muro de Berlim.
A propósito desta pequena resenha, honra e respeito por Aristides de Sousa Mendes, que viu para além da necessidade de neutralidade num conflito que não queria dentro de portas, imposta pelo governo português, uma outra face do problema: a questão humana.
Pagou um preço alto este diplomata, porquanto a sua função era de facto pugnar pela paz e pelo diálogo entre Portugal e as demais nações, no caso, França.
O século XXI alterou toda esta situação com enormes movimentos de população em busca de vidas melhores ou em fuga de cenários de horror.
O investimento nas redes consulares não acompanhou as necessidades dum mundo em movimento. Embora tenha alargado a sua missão à problemática da imigração, não alargou a sua representação nos países com maiores fluxos migratórios nem tão pouco a dotou de pessoal especializado os seus quadros.
Não se trata duma questão exclusiva de Portugal, como se comprova pela existência de agências de serviços nas áreas relacionadas com a imigração. Estas agências, que se apresentam como outsourcings das representações consulares, propõem-se tratar da documentação necessária à obtenção de passaportes e vistos, remetendo naturalmente em seguida aos Postos Consulares para decisão.
Trata-se de empresas de dimensão diversa algumas verdadeiras multinacionais porquanto estão presentes em mais duma centena de países e “contam com a confiança de 68 países”, para os quais prestam serviços, suprindo as carências de pessoal e de tecnologia nesta área.
Depois, há as outras, as de “vão de escada”, que pululam junto dos consulados de todo o mundo, oferecendo os seus préstimos a quem deles necessitar. Estas últimas representam um perigo imensurável porquanto não raras vezes recorrem a formas ilícitas de documentar cidadãos, num verdadeiro crime de auxílio à imigração irregular, de porta aberta.
Porém, mesmo as maiores e que se apresentam como mais fidedignas, colocam questões muito delicadas, desde logo no que à proteção de dados diz respeito.
Que garantias pode qualquer Estado dar de que os dados dos seus cidadãos, quando recolhidos por estas sucursais de vistos, não são posteriormente canalizados e utilizados para outros fins?
Os chamados “Aplication Centres” de carácter não governamental aproveitam o espaço deixado deserto pelas representações de Estados em países onde, até ao início deste século, a sua presença não se justificava.
Se bem que transversal a todos os países considerados de destino nesta vaga migratória, o caso português merece-nos um olhar atento, sobretudo na sequência das novas políticas migratórias propostas pelo Governo.
Em boa hora ficou registada pelo Governo português a necessidade de reforçar com técnicos (não políticos!, caso contrário estaremos sempre a incorrer no mesmo erro da politização de procedimentos meramente documentais) as representações consulares em alguns países.
Esta ação é imperiosa e exige celeridade por forma a criarmos corredores regulares de migração de acordo com as normas definidas.
Já há muito tempo que foram criados lugares de Técnicos de Ligação para a Imigração (anteriormente denominados “Oficiais de Ligação”) nalgumas representações. No entanto, a escassez de representação junto de regiões como a hindustânica, cuja mobilidade para Portugal é reconhecidamente uma das maiores e mais preocupante, leva à proliferação destas sucursais de documentação que podem tornar perversa toda e qualquer política de migração regular.
Não é possível encetar uma tarefa desta envergadura com apenas uma representação na Índia sabendo que uma parte significativa da população em mobilidade para o nosso País advém do Nepal e do Bangladesh!
No outro extremo do problema, existem consulados onde a figura para a imigração se mantém sem que faça muito sentido, deixando de fora outros como a Turquia ou Marrocos (este ligado à Espanha, vá lá entender-se).
Noutros locais e para países pequenos como o nosso, a representação conjunta com congéneres europeus poderia ser uma solução porquanto ao termos assinado a Convenção de Aplicação do Acordo Schengen nos regemos pelas mesmas regras quanto à entrada em território nacional.
É, pois, urgente esta revisão sob pena de sermos coniventes com o aparecimento de “consulados ilegais”, geridos sabe-se lá por quem e com que fim.
Bem sei que Roma e Pavia não se fizeram num dia. Mas o certo é que arderam numa noite!
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