No pódio dos desportos nacionais e em ex eaqueo encontram-se a inveja e a resistência à mudança. Em determinados momentos, ambas podem mesmo cruzarem-se e unirem forças, criando a tempestade perfeita que impede o progresso.
Trata-se de desportos simultaneamente individuais e colectivos, que estabelecem um padrão de circulação de Herodes para Pilatos, de maneira a introduzir entropia em qualquer sistema.
No sistema Matrix em que vivemos, rodeados de informação, contra informação, notícias e falsas notícias, é muito fácil manipular a opinião pública, de forma a conseguir falsas narrativas e, por consequência, falsas realidades.
Na ânsia de dar a notícia em primeira mão, ou fazer uma peça controversa, até mesmo os meios de comunicação mais insuspeitos sucumbem.
A questão dos jovens que terão usado o visto obtido para participarem nas Jornadas Mundiais da Juventude com o objetivo de poderem permanecer em Portugal, é uma dessas notícias que, embora não sejam falsas, são suscetíveis de assumir dimensões de verdade de acordo com a vontade de quem as coloca a circular.
Naturalmente que muitos utilizaram essa possibilidade para saírem dos seus países, na sua maioria Africanos de Língua Portuguesa e tentarem a sua sorte em Portugal. Mas… o que são muitos? Em dez, oito são muitos. Em cem dez são poucos. Num milhão e meio de jovens participantes no maior evento algum dia levado a cabo em Portugal, o que é muito, mesmo tendo em conta que menos de um décimo eram oriundos da CPLPs?
Sabe-se que os jovens que permaneceram em Portugal não ultrapassam os cem. Será que é motivo para se noticiar o caso de forma exaustiva mesmo que falsamente inocente? Que tipo de perigo irão representar para a Segurança Nacional?
Este tipo de alarme em torno da migração é, no mínimo, indigno de quem o fomenta e, em último caso, perigoso para a democracia e para os direitos humanos. Indigno porque, a acreditar nos media, as fontes são organizações nas quais nos habituámos a confiar e que aparecem agora com roupagens corporativas preocupantes, utilizando os media como forma de pressão e em alguns casos de pura perseguição. Perigoso porque fomentam os movimentos e os discursos anti-migração, pró pureza da raça, de dualidade de actuação entre “nós“ e os “outros”.
Pura coincidência, no dia seguinte ao aparecimento da dita noticia no órgão de comunicação social que, até ao momento, se me afigurava como impoluto, começa a circular junto de algumas televisões um vídeo de corpos dando à costa. Tratava-se nitidamente de uma área costeira africana e, se dúvidas houvesse, o referido vídeo circulava com uma legenda: “Imigração ilegal via marítima entre África e a Europa.”
Chocante e com origem quase oficial, muitos foram os media que tentaram averiguar de que naufrágio se tratava. Depois de algumas pesquisas conscienciosas (sim, ainda há jornalistas no meio de jornaleiros) concluiu-se que o vídeo datava de 2019 e dizia respeito a uma catástrofe natural que acontecera em Moçambique.
A questão que se coloca é saber a quem interessa fomentar a desconfiança e lançar alguma instabilidade relativamente à nova politica migratória e à nova forma de a colocar em prática.
Quem beneficiaria com a manutenção do status quo? Certamente os mesmos que viram com maus olhos essa alteração legislativa de discriminação positiva, feita em relação à migração para Portugal de países da CPLP. Os mesmo que consideram que a maioria dos ciganos se dedicam ao furto e que grande parte dos imigrantes vivem de subsídios. Exatamente os mesmos que, sem quererem saber de números ou de factos que mostram a ineficácia dos muros ou da política musculada, insistem em continuar a combater a imigração irregular a jusante. Os que não aceitam outras formas mais humanizadas de fazer política e que se escudam tantas vezes em minudências legais ou no enlameamento pessoal.
Cada tempo tem os seus insubstituíveis que terminam enchendo os cemitérios e terminam, naturalmente, esquecidos. Nem por isso a História se acaba ou o progresso se detém.
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