O famoso Dicionário Oxford elegeu, mais uma vez, a palavra do ano. Em 2016, a escolhida foi “pós-verdade”, um adjetivo relativo a “circunstâncias em que os factos objetivos têm menos influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as crenças pessoais”, numa clara referência à comunicação política em tempos de Brexit e de Trump. Saltando da política para a economia, estamos por cá também em fase de pós-verdade quando a notícia de que mais um banco passou para mãos estrangeiras é vendida e acolhida como boa.
Sim, é um alívio pensar que o BCP, que ainda deve 700 milhões de ajudas do Estado (os famosos CoCos), conseguiu recapitalizar-se e melhorar os rácios que o empurravam para baixo. Os chineses da Fosun (que já controla a Fidelidade e a Luz Saúde) aceitaram pagar 175 milhões de euros por 16,7% do capital do maior banco privado em Portugal. O problema é que, no final deste processo e depois de alienado o Novo Banco, não vamos ter nenhum grande banco em mãos portuguesas além da CGD. Sim, fomos resgatados da bancarrota pelos estrangeiros, mas a que preço para a soberania nacional?
Curiosamente, no mesmo dia em que se conhecia a alienação do BCP para os chineses, era apresentado o livro Negócios da China, das jornalistas Anabela Campos e Isabel Vicente, onde se explica como, com a chegada da troika e a falta de capital em Portugal, foram atiradas para os bolsos de chineses, angolanos e franceses, algumas das maiores e melhores empresas portuguesas, que, em conjunto, valem cerca de 20% do PIB nacional. A crise obrigou a esquecer o discurso da defesa dos centros de decisão nacional, tema tão caro às elites económicas e políticas na viragem do século.
E, assim, o estado retirou-se, muitas vezes à pressa, de uma série de empresas em setores estratégicos. Além da banca, EDP, ANA, REN estão agora em mãos estrangeiras, que é o mesmo que dizer a eletricidade, aeroportos, infraestruturas de eletricidade e gás natural estão fora do controlo nacional. Isso não importa nada – deixem-se dessas erupções nacionalistas, dirão alguns, porque o mundo é cada vez mais global e o capital também. O interesse geral na economia resulta da prossecução dos interesses individuais e egoístas e a nacionalidade do capital é absolutamente indiferente, argumentam.
Gostava de acreditar nisso, mas não a considero um detalhe. É condição, para os portugueses, enquanto comunidade, continuarem a controlar o seu próprio destino. Como escreveram os 42 empresários, políticos e professores universitários portugueses na carta aberta que apresentaram em março, não são só as empresas nacionais que estão em causa. É a viabilidade de Portugal como sociedade política.
Texto publicado na VISÃO 1138, de 24 de novembro