Em 2021, foi apresentado pela Inspeção-Geral da Administração Interna, na sequência de uma ampla discussão envolvendo os responsáveis das forças de segurança, o Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e Serviços de Segurança. Combinavam-se as dimensões preventiva, associada aos processos de recrutamento, a indispensabilidade de reforçar a componente de formação em direitos humanos nos planos de formação e uma dimensão proativa no quadro das forças policiais, passando pela dimensão de existência de oficiais de direitos humanos reportando diretamente aos comandos nas várias forças de segurança.
As forças de segurança tinham demonstrado, durante o período da pandemia, uma grande capacidade de execução das medidas restritivas estabelecidas nas 18 declarações de estado de emergência, sem colocar em causa o essencial das liberdades fundamentais e com uma intervenção pedagógica que foi decisiva para a manutenção da paz social.
Em Odemira, nesse período, a GNR foi decisiva a defender a saúde e as condições de trabalho digno dos trabalhadores migrantes das estufas enquanto a preocupação da extrema-direita era a salvaguarda da não utilização de equipamentos públicos ou de locais de turismo vazios com a preocupação como direito absoluto da defesa da propriedade privada.
Contudo, era indispensável ir mais além na eliminação de fatores constrangedores de uma alargada participação de mulheres para a GNR e a PSP, numa polícia integrando elementos de todas as comunidades e setores sociais e capaz de uma presença próxima em todos os territórios como garantia da liberdade e do Estado de Direito.
O chamado Movimento Zero, pelas suas características inorgânicas e clandestinas, mostrara já elevados níveis de permeabilidade das forças de segurança a movimentos extremistas que foram largamente desarticulados com a transparência resultante da aprovação da Lei Sindical da PSP, em julho de 2019, e pela intervenção dos mecanismos de controlo interno da legalidade e por uma atenção reforçada da IGAI.
Mais mulheres, guardas e polícias afrodescendentes ou oriundos da comunidade cigana são passos que enfrentam resistências mas que são indispensáveis para um reforço do policiamento de proximidade e da identificação das diversas comunidades com as forças policiais.
É este esforço de constituição de Forças de Segurança em que todos os portugueses se reconheçam que exige uma atenção permanente dos responsáveis do MAI e das lideranças das forças de segurança, desde os critérios de recrutamento à formação inicial e ao longo da carreira, à interação das Forças de Segurança com as populações, quer diretamente quer através das redes sociais, na promoção da imagem da GNR e da PSP e na criação de mecanismos preventivos e de monitorização.
A mudança de governo em 2024 e a substituição dos responsáveis da IGAI tiveram como consequência o abandono da prioridade dada ao combate à radicalização extremista e à prevenção de todas as formas de discriminação nas forças de segurança.
Situações, em multiplicação, como a do espancamento e homicídio de um imigrante marroquino no Algarve por agentes da PSP, a das agressões e violação de sem-abrigo por agentes da PSP em Lisboa ou a participação de um número elevado de guardas e polícias em redes de exploração e violência contra imigrantes não podem ser vistas como incidentes pontuais e exigem uma resposta estrutural.
Sabemos que a rápida mutação do ambiente social e político faz com que a indignação de hoje nada tenha a ver com a reação à barbara morte de um cidadão ucraniano no controlo de fronteira do aeroporto de Lisboa em 2020, que teve consequências para os autores materiais e para os responsáveis da polícia de fronteira, mas ainda assim surpreende o tom desinteressado da comunicação social.
É igualmente um perigoso sinal dos tempos a ausência de qualquer procura de esclarecimento institucional sobre o que tem sido feito pelas forças de segurança e pelo Governo para prevenir práticas reiteradas de violência e discriminação contra grupos especialmente vulneráveis. Ou será que se admite insidiosamente que estamos perante uma inevitável consequência das políticas de “portas escancaradas” que justificam todos os abusos sobre pessoas em situação tão irregular que nem lhes dá o direito a serem vítimas?
A Provedora de Justiça, Lúcia Amaral, tem provas dadas no apuramento de responsabilidades de abusos sobre presos, migrantes, pobres, deficientes ou outras pessoas especialmente fragilizadas mas que não são destituídas de direitos fundamentais.
Mas da ministra Lúcia Amaral espera-se bastante mais do que dizer que é o “sistema a funcionar” para defender o respeito pelos direitos fundamentais e combater a discriminação nas Forças de Segurança, pelo que recebe um prémio Laranja Amarga pela reiterada abstenção onde a Provedora Lúcia exigia ação.
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