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O rescaldo das eleições europeias de domingo ficou marcado, entre outras coisas, pelos comentários de Miguel Sousa Tavares – sem açaime, como é hábito – a propósito do PAN. Para além de ter sido a surpresa da noite eleitoral, conquistando 168.501 votos, o Partido Pessoas-Animais-Natureza elegeu pela primeira vez um eurodeputado, mas o comentador da TVI não quis que ficássemos descalços na análise do fenómeno. “Nos meios rurais, toda a gente detesta o PAN”, esclareceu-nos o escritor e cronista, para quem “o PAN é o partido dos urbano-depressivos”, esses mesmos “que comem verduras, alfaces”. Miguel Sousa Tavares incentivou aquela formação política a portar-se, digamos, como gente crescida, a abraçar, de facto, as causas ambientalistas e a deixar de ser “o partido dos cãezinhos e dos gatinhos em marquises”.
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Já lá vai uma década desde a fundação, mas aquele que começou por se chamar “Partido pelos Animais” continua a levar no focinho – passe a expressão, claro.
No início, o PAN era tratado como um daqueles filhotes imberbes da família política portuguesa que falava de temas exóticos e estrambólicos, com manias de Tom Sawyer, mas nunca era levado a sério à mesa dos graúdos urbanos, com assento parlamentar. Nessa época, os militantes pré-PAN eram vítimas de sorrisos trocistas e olhados como uma espécie de escuteiros com upgrade, muito dados à bicharada e à floresta, entretidos “lá com as coisas deles”. E como não faziam mal a ninguém, deixá-los…
Nem a Imprensa levou o partido a sério, é consultar as hemerotecas.
O PAN aparecia amiúde retratado como esquisito, extravagante e comparado a espécies europeias algo folclóricas: o Partido da Cerveja, o Partido do Amor ao Próximo com Liberdade e Diversidade e até ao Partido Pirata (sueco), que também haveria de chegar ao Parlamento Europeu em 2009 (agora até há “piratas” de geografias e ideologias diferentes). O PAN defendia propostas “estranhas”: isenção de impostos no tratamento veterinário e dedução no IRS para as rações dos animais. Para alguns, era um perigo à solta, dono de uma retórica “assustadora” que “condena o homo sapiens” e cujo objetivo seria “proibir e punir”. Tais fenómenos políticos, escreveu-se, “não acontecem só em Portugal. Em Inglaterra, por exemplo, o Monster Raving Loony Party já se tornou uma instituição e defende que as crianças passem a ser vacinadas com espingardas tranquilizantes e não com agulhas”.
Estávamos nisto. E no Parlamento, a coisa não melhorava.
Quando, em 2009, a Assembleia da República discutiu três projetos à esquerda sobre os direitos dos animais no circo, Eugénia Alho, deputada do PS, não se conteve: “Nesta altura de crise, os partidos proponentes dão prioridade aos animais selvagens em vez de a darem aos trabalhadores”, afirmou, assanhada. Na Madeira, o PAN era “o Partido da Cachorrada”, versão que Alberto João Jardim não desdenharia. “A vida do humano mais asqueroso vale mais do que a vida do animal doméstico de que mais gostamos. Sempre”, escreveu o cronista Daniel Oliveira, criticando a petição contra o abate do cão Zico, que matou um bebé de 18 meses em Beja, no Alentejo. “Vamos lá dar uma segunda oportunidade ao Zico e também ao Daniel Oliveira”, respondeu-lhe o PAN, sem levantar uma pata, sequer.
O partido foi, entretanto, fazendo o seu caminho.
Propôs “um dia vegetariano por semana”, eliminar as touradas, “contrariar as tendências dominantes”, criminalizar os maus tratos aos animais e ser “o maior dos partidos pequenos”. Elegeu um deputado, conquistou leis para as suas causas, tem eleitos locais em vários distritos e agora chegou a Bruxelas, sempre a subir.
Só não se livrou de um deslize que poderia ter sido fatal: aquele almoço convívio de campanha eleitoral em que decidiu organizar uma ementa com Pá de Porco no Forno, Chispalhada, Faisão Guarnecido, Codornizes em Escabeche e Secretos de Porco Preto Alentejano. Seria um escândalo para um partido tão novo, não se desse o caso de a história ser, na verdade, um dos habituais vícios do Inimigo Público: fazer gato-sapato do PAN. Mas esta, convenhamos, até Miguel Sousa Tavares gostaria de ter mordido.