Foi a 22 de setembro de 1989, há quase trinta anos, que o semanário O Jornal levantou o véu sobre a forma como o património de Joe Berardo era gerido.
A Fundação do empresário madeirense, “amigo dos pobrezinhos”, segundo as próprias palavras, seria uma espécie de pescadinha de rabo na boca. À época, depressa se percebia que, em primeiro lugar, o comendador se ajudava a si próprio “e, em segundo lugar, à família”. Bastava ler os estatutos: a instituição de “solidariedade social” estava obrigada a prover “habitação, sustento, despesas com saúde, com educação, com alimentos, demais despesas e encargos do fundador, do seu conjugue e dos seus dependentes”. Do conselho de administração faziam parte o próprio empresário, a mulher e o irmão. “Tudo em família”, relatava o jornal. Nada, porém, que Berardo não se apressasse a justificar com a mesma candidez apresentada há dias no Parlamento quando enfrentou os deputados no âmbito da comissão de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos: “Um homem tem de pensar em primeiro lugar na sua família, não é?”, justificava, em 1989, nas páginas do semanário.
Foram precisos três anos para que houvesse notícia do andamento das investigações às manobras da fundação. A 25 de setembro de 1992, o homem condecorado por dois presidentes da República, elogiado pelo universo artístico nacional e bem relacionado nos meios financeiros, era associado a suspeitas de fuga ao fisco e branqueamento de capitais. Em causa estava a dita fundação, investigada então pelo Ministério Público.
Para o semanário, Berardo era especialista em “aproveitar muito bem os aspetos vagos da legislação” que, nesses anos, não seria muito clara “quanto à fiscalização da atividade das instituições de beneficência privada”. Acusado de fugir aos impostos e obter lucros ilícitos em dois processos que chegariam aos tribunais (Funchal e Lisboa), Berardo nunca foi verdadeiramente incomodado pela Justiça: a fundação continuou oficialmente pujante e ele nunca se cansou de exibir a sua “paixão pela cultura” e a coleção de arte, sem se molhar nos pingos de chuva.
Em 2005, foi mesmo condecorado Cavaleiro da Legião de Honra pelo Estado francês, numa cerimónia na embaixada da capital. “O importante nele”, esclareceu na ocasião o pintor José Guimarães, era a “grande capacidade económica para realizar coisas”. E acrescentava: “Realiza-as e não se esquece de setores da vida que é muito importante apoiar e apoiar a fundo perdido”.
Na passada semana, na Assembleia da República, “o milionário que diz sempre o que pensa”, na versão antiga do Correio da Manhã, garantiu não ter quaisquer dívidas pessoais. Se diz tudo o que faz é outra conversa, mas segundo a narrativa da sua própria lavra, até ajudou os bancos a superar várias crises, qual benemérito do sistema financeiro português, a bem da nação.
Os portugueses, mais uma vez, enganaram-se.
Ele, como sempre, saiu a rir.